São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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SAÚDE / GRAVIDEZ

Homens doam sangue para que possam se tornar pais

Vacina feita com células do sangue do marido ajuda mulheres a manter gestação

Com a imunização, o corpo da mulher passa a produzir anticorpos que identificam as proteínas de origem paterna no embrião

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Muitos homens estão, literalmente, dando o sangue para conseguirem ser pais. Uma vacina feita com células do sangue do marido promete fazer com que mulheres que sofram abortos recorrentes por fatores imunológicos "segurem" a gestação até o final.
O aborto de repetição é caracterizado pela perda de duas ou mais gestações antes da 20ª semana. Afeta até 5% dos casais em idade reprodutiva. Nesses casos, uma das hipóteses é que o organismo feminino reconhece o embrião como um "invasor" (por causa da carga genética do pai) e o expulsa.
Com a imunização, o corpo da mulher passaria a produzir anticorpos que identificam as proteínas de origem paterna no embrião e não mais o rejeita.
O tratamento é controverso por falta de evidência científica -não tem aprovação nem nos EUA e nem na Europa-, mas está disponível em oito Estados brasileiros, com taxa média de eficácia de 80%, segundo os médicos que o adotam. No SUS, apenas a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) oferece a terapia, com fila de espera mínima de seis meses.
Segundo o ginecologista Ricardo Barini, coordenador do ambulatório de aborto recorrente da Unicamp, a causa mais freqüente dos abortos de repetição é a rejeição do sistema de defesa do organismo da mãe às características do embrião herdadas do pai.
Ele explica que, na maioria das gestações, essa adaptação imunológica do corpo da mulher ao embrião ocorre normalmente. "Se o sistema imunológico da mulher não compreende a mensagem e não protege o feto, a gravidez não se desenvolve. O organismo da mulher a interpreta como se fosse uma doença que estivesse tentando agredi-lo", diz ele.
Barini reforça que, antes de indicar a vacina, é preciso se certificar de que o aborto tem causa imunológica, descartando outros fatores como problemas genéticos, má-formação do embrião e doenças infecciosas e uterinas. Ele também indica o tratamento em casos de falhas sucessivas de implantação do embrião durante a FIV (fertilização in vitro)
A alteração imunológica pode ser diagnosticada por meio de exame (crossmatch) onde são analisados o sangue da mulher e o do marido. Se o resultado der negativo (o que pode ser sinal da incompatibilidade), é indicada a vacina feita com sangue (linfócitos) do parceiro.
Segundo o ginecologista Artur Dzik, diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, não existem na literatura internacional grandes trabalhos científicos demonstrando a eficácia da vacina.
O também ginecologista Ricardo Baruffi reforça que o último guia de investigação de aborto recorrente publicado pelo periódico científico "Human Reproduction" disse que o tratamento não oferece nenhum benefício comprovado.
Ainda assim, a maioria dos médicos que trabalha com reprodução assistida indica a vacina, quando descartadas as outras possíveis causas de aborto recorrente.
Em casos de FIVs frustradas, Dzik é contra o uso da vacina. "O crossmatch feito para constatar [a causa imunológica] é sempre negativo no casal que nunca engravidou. Então não há razão para a vacina."
O urologista Edson Borges compartilha a mesma opinião. Ele avalia que a vacina possa ser uma boa alternativa para abortos de repetição até a 10ª semana, mas descarta seu uso na FIV. "Cada vez mais estamos convencidos de que as falhas de implantação [do embrião] ocorrem por falhas genéticas dos gametas."
O ginecologista Eduardo Motta diz que é comum ele receber casais acima de 40 anos interessados na vacina quando, na realidade, o problema da não-gravidez é a insuficiência ovariana da mulher.


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