São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006

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Na Justiça, mães cobram intérprete para alunos surdos

Grupo entrou com ação contra o Estado de SP e alega que seus filhos não conseguem acompanhar classe de ouvintes

Exigência é que haja o uso da língua de sinais para que os estudantes entendam o que está sendo dito pela professora na sala de aula

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A MARÍLIA (SP)

Um grupo de mães de crianças surdas se juntou à comerciante Paula Cristina Martelato, 38, em uma ação na Justiça de Marília contra o Estado de São Paulo, para reivindicar intérpretes em libras (língua brasileira de sinais) nas salas de aula.
Paula argumenta que sua filha Juliana, 11, e as outras crianças surdas não conseguem acompanhar a classe de ouvintes porque não entendem o que está sendo dito.
"Os educadores contam com a capacidade da criança de ler os lábios da professora, mas e quando ela vira de costas para escrever na lousa?", pergunta Paula.
A diretora regional de ensino de Marília, Conceição Grandis, diz que as crianças podem estudar nas chamadas "salas especiais", com uma professora fluente em libras.
As mães que se juntaram na ação dizem que as "salas especiais" são muito poucas, "quase inexistentes", e revelaram-se ineficientes.
"Colocam na mesma turma alunos de todas as idades, diferentes séries e níveis de informação. É impossível haver progresso. Quando minha filha entrou na escola, já sabia libras. Aí, foi para uma classe de ouvintes e ficou completamente defasada", explica Paula.
Estudar em uma classe de ouvintes sugere a inclusão social do aluno surdo mas, segundo as mães, acontece justamente o contrário.
"As crianças se sentem inferiores, e, pela impossibilidade de acompanhar a aula, desmotivadas. A Glace tem chegado em casa chorando, porque quer muito aprender", diz a costureira Ângela Magalhães, 36.
O advogado de Paula, Rabih Nemer, cuja mulher, Sara, é vice-presidente de uma associação pró-surdos sem fins lucrativos (tel. 0/xx/14/3454-6063), diz que durante dois meses tentou argumentar com a professora Conceição mas não conseguiu -aí decidiu notificar judicialmente a diretoria regional de ensino da cidade:
"Como é que essas crianças podem acompanhar a aula se não ouvem o que vão escrever?", questiona.
De acordo com o advogado, a lei determina que o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência deve ser obrigatório em escolas municipais, estaduais e federais.
A reportagem fez um teste com crianças surdas que estudam em escolas estaduais de Marília e são filhos das mães empenhadas na ação.
Caio, 10, terceira série, escreve o alfabeto de A a Z, mas com apenas dez letras.
No caderno de Jefferson, 15, quinta série, há sentenças grandes e de estrutura relativamente difícil, mas quando pedem em libras que ele escreva "Um gato preto é bonito", sai: "Bonito perto azul".
A segurança Josefa Aparecida Santos, 38, mãe de Alexandre Jr. Santos Vicente, 15, quinta série, diz que seu filho acaba sendo um "copista". "Ele copia os sinais que estão na lousa (palavras), sem saber o significado de nada", diz.
A diretora do Centro de Apoio Pedagógico Especializado da Secretaria de Educação de São Paulo, professora Maria Alice Rosmaninho, reconhece que a situação dos jovens surdos é complicada -ainda que que eles tenham acompanhamento de intérpretes.
"Sou a favor do uso de libras, mas não podemos abrir mão da língua portuguesa. Há poucos intérpretes com conceituação para acompanhar os alunos", explica.
As mães concordam, mas, diante da situação, "melhor um desconceituado do que nada".


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