São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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REVISTA
Matemáticos, esotéricos e donos de casas lotéricas estão faturando com o sonho dos brasileiros de virar milionários
A turma do "já ganhei"

Mariana Sgarioni
da Revista

"Jalucrei" -assim mesmo, escrito tudo junto e sem acento-, nome de uma rede de lotéricas de São Paulo, poderia batizar também um grupo de profissionais que faturou alto nas últimas semanas, com o prêmio acumulado da Mega Sena.
São matemáticos, esotéricos, camelôs e donos de casas lotéricas, que, ao contrário dos 50 milhões de brasileiros que fizeram sua "fezinha", torcem para que ninguém seja premiado de novo.
"Em 215 anos de história das loterias no Brasil, esta semana foi a de maior arrecadação", diz Antonio Speranzoni Junior, um dos donos da Jalucrei. Ele estima que sejam feitos até hoje 400 mil jogos, em suas seis lojas -o dobro da média normal. Seu faturamento será, no mínimo, de R$ 400 mil.
Algumas apostas estão batendo recordes. "Um empresário apostou R$ 10 mil." Nas últimas dez semanas, Junior contabilizou mais de um milhão de apostas.
José Petrizzo, dono da lotérica Alfa, na Vila Maria (região norte de SP), conta que um grupo de 20 empresários confiou a seus computadores uma aposta de R$ 40 mil.
Cada um apostou R$ 2.000. "Pelas combinações que fizemos, já garantimos a quadra e, se sair o número 10, levamos a quina", acredita o empresário Jaconias Dantas de Andrade. Líder do grupo, ele já chegou a ganhar R$ 9 mil em um de seus "bolões".
"Se acumular de novo, será ótimo. Funciona assim: o sujeito joga, o resultado sai. Ele não ganha nada e desanima. Agora, se acumular de novo, ele quer jogar, pois acha que pode ser sua grande chance", explica Petrizzo, que reforçou a segurança da lotérica nas últimas semanas. A casa, que normalmente recebe 300 clientes por dia, chegou a ter movimento três vezes maior desde segunda.
Apesar do aumento no faturamento, os dois donos de casas lotéricas dizem que essa atividade "não deixa ninguém milionário".
"Ficamos apenas com 9% do total arrecadado. É um negócio estável, com picos de melhora em épocas de acumuladas", afirma Junior, que também é diretor da Fenal (Federação Nacional dos Empresários Lotéricos). Para não ter prejuízo fora da acumulada, Petrizzo oferece serviços como resultados via fax e e-mail.
A indústria da aposta é uma das poucas que não foram afetadas pela crise. O faturamento global de loterias vem crescendo 20% ao ano desde 1996, segundo dados da Fenal e do Sindicato das Casas Lotéricas de São Paulo.
Para abrir uma casa lotérica é preciso uma concessão, cedida pela Caixa Econômica Federal mediante licitação. Em São Paulo, há cerca de oito candidatos concorrendo para cada loja oferecida pela CEF.
"Os candidatos devem apresentar um plano de marketing e de faturamento", diz José Maria Nardeli Pinto, gerente da área de loterias da CEF.
A CEF fica com 3% de comissão do total arrecadado pela loteria, e o governo federal, com outros 41%, usados em crédito educativo, previdência e fundo penitenciário, entre outros programas.

Afogando em números
Na tentativa de aumentar as chances de acertar os seis números sorteados -1 em 50 milhões para apostas de seis dezenas-, apostadores estão apelando para o além e enchendo os bolsos dos esotéricos. "Nessa época, o retorno pra gente é muito bom", diz Roberto Machado, presidente-fundador da Abran (Associação Brasileira de Numerologia). Ele explica que o trabalho da associação consiste em fazer um mapa numerológico natal da pessoa, que mostra a "área de potencial" que cada um tem. "Quando as pessoas desenvolverem suas potencialidades, terão facilidade para ganhar dinheiro, obter conquistas materiais. Isso pode vir por meio do trabalho, por algum investimento, sorteio ou jogos." Para desenvolver as tais potencialidades das pessoas, Machado cobra R$ 120 por mapa.
O número de clientes que procura a associação de numerólogos subiu de 150 por semana para 500, nas últimas semanas. Desses, cerca de 60%são atendidos por Machado. Seu faturamento em uma semana de Mega Sena acumulada chega, portanto, a R$ 36 mil.
O empresário Jaconias, organizador do "bolão" da Vila Maria, é um dos que pedem ajuda aos astros. "Eu não aposto sem consultar antes uma pessoa da minha confiança, que joga búzios para apontar a sorte e os meus números favoritos do dia.".
Do lado da ciência, o engenheiro civil Oswald de Souza, 54, não consegue prever resultados, mas indica quais as chances de o prêmio sair e quantas pessoas provavelmente se tornarão milionárias.
Oswald conta que, no começo da década de 70, se divertia acertando quantos ganhadores sairiam na loteria esportiva da semana. Apostava com amigos e, como sempre acertava, ganhava "umas cervejas".
"Em novembro de 1972, fiz a primeira previsão, para a TV Rio, de que sairiam um ou dois ganhadores da loteria esportiva." Durante os 19 anos que passou no programa "Fantástico", o engenheiro fez mais de mil cálculos, obtendo mais de 90% de acerto. Hoje é colunista em 19 jornais, sempre escrevendo sobre loterias.
Foi ele quem criou o sorteio da Quina da loto para a CEF, há 19 anos, que já teve mais de mil concursos. O engenheiro hoje é dono da única firma brasileira especializada em projetos de jogos, sorteios e loterias, a Oswald de Souza Consultoria Ltda. A empresa elabora planos de sorteios para clientes como a Coca-Cola e a rede Ponto Frio/Bonzão, além de projetos de jogos, como para o "Domingão do Faustão".
Apesar de já ter acertado 15 vezes na loteria esportiva, sua especialidade, Oswald nega que tenha ficado rico. "Meu ganha-pão vem da minha firma, que fatura entre R$ 10 mil e R$ 15 mil por mês."
Para o sorteio de hoje, o matemático afirma que há apenas 3% de chance de que a Mega Sena acumule de novo.

Bicos
O mercado informal também está tirando proveito da situação. É o caso da vendedora ambulante Rosângela Aparecida Correia Malvão, 36, que trabalha há 15 anos nas ruas vendendo bilhetes de loteria. Em semanas normais, ela fatura em torno de R$ 100. Nesta semana, Rosângela espera faturar pelo menos R$ 300.
Pelas vias cibernéticas, o engenheiro mineiro Ronaldo Costa, 38, deu um jeito de lucrar especulando o resultado das lotecas. Ele criou um site na Internet em que oferece dois programas de loterias: um faz combinações e gerencia as apostas; outro mostra estatísticas de outras loterias.
Cada programa custa R$ 100 e, desde 1998, ele conseguiu vender 40 unidades -dois só nesta semana. "Fiz o programa pra mim, mas, quando vi, tinha um monte de gente interessada."
Engenheiro mecânico de uma empresa mineira, ele diz que faturar com a loteria é apenas um hobby. "Mas se o negócio der certo, não descarto a possibilidade de me dedicar só aos programas de loteria", diz.
Quem não for premiado hoje à noite sabe, pelo menos, para onde foi o dinheiro da aposta. Pode ser um pequeno consolo...




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