São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2010

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NOSSA HISTÓRIA
ÉLCIO E IDELZUITE TOLOMONY


É o meu guri

(...)Antes, queria que ele fosse boy (...)Não caiu a ficha de que agora ele está na terra do Beethoven(...)

Adriano Vizoni/Folhapress
Elcio e Idelzuite no canto da cozinha, que usam como estúdio

RESUMO
Élcio, 46, e Idelzuite, 51, são pais do violinista Dan Rafael Lira Tolomony, 22, que ao lado de 74 músicos da Sinfônica Heliópolis saiu em turnê pela Europa de 4 a 15 de outubro. Bolsista do Instituto Baccarelli e spalla da orquestra, Dan vive com os pais e os dois irmãos em Guarulhos e integra o grupo formado na maioria por jovens da segunda maior favela da América Latina.

(...) Depoimento a

ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO

Dan começou a estudar violino aos sete anos. Eu era o professor. Fui durão, mas ele mostrou aptidão de cara. Até os nove, o ensino foi caseiro. Só então ele entrou no Conservatório de Guarulhos.
Sou de família de músicos. Meu pai tocava violão e clarinete. Minha tia, piano. Um tio tinha grupo de chorinho.
Estudei violino por sete anos. Parei com a idade do Dan hoje, 22. As oportunidades eram diferentes. Há quatro anos, meu filho fez teste e foi aceito na Sinfônica Heliópolis. Desde pequeno, ele era melhor do que jamais fui.

TEMORES DE MÃE
Ao contrário do meu marido, nunca acreditei na coisa de meu filho virar músico. Aí fui aceitando. No começo, achei que não era profissão. Queria que ele trabalhasse.
Consegui vários empregos pra ele como office-boy, operador de telemarketing, essas coisas que menino de 16 anos faz. Mas ele não quis.

LIÇÃO DE PAI
Apresentei a música clássica para o meu filho em casa: Bach, Vivaldi, Beethoven. Ele ouvia uma orquestra no rádio e dizia: "Esse é o som do oboé, aquele é o da flauta". Sem ter visto os instrumentos. Dan estudou com os meus violinos usados.
Aí adquiri um instrumento feito por um amigo. Era o que Dan usava até ser roubado. Há uns quatro anos, fomos assaltados e levaram os sete instrumentos.

ORGULHO DE MÃE
Foi uma surpresa ele ir para a Alemanha. Às vezes, Dan me falava: "Mãe, a gente pode até ir para fora do Brasil!". Em julho, ele e dois colegas embarcaram para um intercâmbio em Pommerfelden. Ficaram num castelo. Era a primeira viagem internacional. Ele não fala inglês. Fiquei preocupada com o que comia e se passava frio.
O passeio mais longe que tinha feito com a família foi para Brasília. Fomos de ônibus. Com a orquestra, ele foi para Rio, Manaus e, agora, novamente para a Europa.
Filhos fazem a gente chorar. O que me emociona não é ele ser o spalla ou se destacar, mas ver a felicidade dele.

BATALHA DE PAI
Eu vi a tensão no rosto do meu filho na primeira apresentação como spalla, quando deixou de ser um músico do corpo da orquestra para ser o primeiro. Ainda não caiu a ficha de que Dan está na terra do Beethoven. Nem imaginava que um dia pudesse tocar numa orquestra, quanto mais na Alemanha. Ele tem carreira promissora.
Não basta só talento, tem que ter conhecimento e oportunidade. O que o Baccarelli faz não tem preço: resgatar jovens da periferia que não têm acesso à cultura. Tal oportunidade foi fantástica na vida do meu filho. Dan está na faculdade de música. Ele sempre estudou em escola pública aqui em Guarulhos, onde moramos.

CABEÇA DE MÃE
Dan acorda às 5h. Vai até Heliópolis de ônibus ou de carona. De lá, vai para a faculdade e só chega em casa meia-noite. Pegou o rumo da vida. Fui vendo tudo acontecer e mudei minha cabeça.
Quando vim do Ceará para São Paulo, aos 20 anos, fui vendedora de loja. Hoje trabalho numa casa de repouso.
Numa folga, passei o maior susto quando o telhado daqui de casa foi destruído naquela chuva de granizo [em 21 de setembro]. O gelo chegou a 10 cm na rua.

HERANÇA DE PAI
Transformei parte da nossa cozinha em sala de música. É aqui que guardamos os instrumentos. O caçula, Gad, toca cavaquinho. Só quer saber de futebol e pagode, mas aprendeu violino em seis meses. Não fico sem meu violão. Comprei um trompete, mas os vizinhos reclamaram do barulho. Dan ensaia no quarto dele. Violino é mais suave. Gosto de ouvir os ensaios. Ele está bem técnico.
O maestro Roberto Tibiriçá o elogiou, dizendo que ele é um menino brilhante.
Com a bolsa de R$ 900, Dan paga a faculdade. Não me dá despesa. Meu salário de professor não chega a R$ 1.000, quase o mesmo que ele ganha como estudante.
Não aguento mais dar aula, pego só metade da carga horária. O ambiente escolar é muito truculento. Você não consegue dar aula, sofre violência a todo momento.
Outro dia, passou uma reportagem sobre a turnê no jornal do meio-dia. Eu mostrei o Dan para os meus colegas. Ficaram surpresos. Até me chamaram para tocar na escola no Dia do Professor.


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