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NOSSA HISTÓRIA
ÉLCIO E IDELZUITE TOLOMONY
É o meu guri
(...)Antes, queria que ele fosse boy (...)Não caiu a ficha de que agora ele está na terra do Beethoven(...)
Adriano Vizoni/Folhapress
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Elcio e Idelzuite no canto da cozinha, que usam como estúdio
RESUMO
Élcio, 46, e
Idelzuite, 51, são pais do
violinista Dan Rafael Lira
Tolomony, 22, que ao lado
de 74 músicos da Sinfônica Heliópolis saiu em turnê pela Europa de 4 a 15 de
outubro. Bolsista do Instituto Baccarelli e spalla da
orquestra, Dan vive com
os pais e os dois irmãos em
Guarulhos e integra o grupo formado na maioria por
jovens da segunda maior
favela da América Latina.
(...) Depoimento a
ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO
Dan começou a estudar
violino aos sete anos. Eu era
o professor. Fui durão, mas
ele mostrou aptidão de cara.
Até os nove, o ensino foi caseiro. Só então ele entrou no
Conservatório de Guarulhos.
Sou de família de músicos.
Meu pai tocava violão e clarinete. Minha tia, piano. Um
tio tinha grupo de chorinho.
Estudei violino por sete
anos. Parei com a idade do
Dan hoje, 22. As oportunidades eram diferentes. Há quatro anos, meu filho fez teste e
foi aceito na Sinfônica Heliópolis. Desde pequeno, ele era
melhor do que jamais fui.
TEMORES DE MÃE
Ao contrário do meu marido, nunca acreditei na coisa
de meu filho virar músico. Aí
fui aceitando. No começo,
achei que não era profissão.
Queria que ele trabalhasse.
Consegui vários empregos
pra ele como office-boy, operador de telemarketing, essas
coisas que menino de 16 anos
faz. Mas ele não quis.
LIÇÃO DE PAI
Apresentei a música clássica para o meu filho em casa: Bach, Vivaldi, Beethoven.
Ele ouvia uma orquestra no
rádio e dizia: "Esse é o som
do oboé, aquele é o da flauta". Sem ter visto os instrumentos. Dan estudou com os
meus violinos usados.
Aí adquiri um instrumento
feito por um amigo. Era o que
Dan usava até ser roubado.
Há uns quatro anos, fomos
assaltados e levaram os sete
instrumentos.
ORGULHO DE MÃE
Foi uma surpresa ele ir para a Alemanha. Às vezes, Dan
me falava: "Mãe, a gente pode até ir para fora do Brasil!".
Em julho, ele e dois colegas
embarcaram para um intercâmbio em Pommerfelden.
Ficaram num castelo. Era a
primeira viagem internacional. Ele não fala inglês. Fiquei preocupada com o que
comia e se passava frio.
O passeio mais longe que
tinha feito com a família foi
para Brasília. Fomos de ônibus. Com a orquestra, ele foi
para Rio, Manaus e, agora,
novamente para a Europa.
Filhos fazem a gente chorar. O que me emociona não é
ele ser o spalla ou se destacar, mas ver a felicidade dele.
BATALHA DE PAI
Eu vi a tensão no rosto do
meu filho na primeira apresentação como spalla, quando deixou de ser um músico
do corpo da orquestra para
ser o primeiro. Ainda não
caiu a ficha de que Dan está
na terra do Beethoven. Nem
imaginava que um dia pudesse tocar numa orquestra,
quanto mais na Alemanha.
Ele tem carreira promissora.
Não basta só talento, tem
que ter conhecimento e oportunidade. O que o Baccarelli
faz não tem preço: resgatar
jovens da periferia que não
têm acesso à cultura. Tal
oportunidade foi fantástica
na vida do meu filho. Dan está na faculdade de música.
Ele sempre estudou em escola pública aqui em Guarulhos, onde moramos.
CABEÇA DE MÃE
Dan acorda às 5h. Vai até
Heliópolis de ônibus ou de
carona. De lá, vai para a faculdade e só chega em casa
meia-noite. Pegou o rumo da
vida. Fui vendo tudo acontecer e mudei minha cabeça.
Quando vim do Ceará para
São Paulo, aos 20 anos, fui
vendedora de loja. Hoje trabalho numa casa de repouso.
Numa folga, passei o
maior susto quando o telhado daqui de casa foi destruído naquela chuva de granizo
[em 21 de setembro]. O gelo
chegou a 10 cm na rua.
HERANÇA DE PAI
Transformei parte da nossa cozinha em sala de música. É aqui que guardamos os
instrumentos. O caçula, Gad,
toca cavaquinho. Só quer saber de futebol e pagode, mas
aprendeu violino em seis meses. Não fico sem meu violão.
Comprei um trompete, mas
os vizinhos reclamaram do
barulho. Dan ensaia no quarto dele. Violino é mais suave.
Gosto de ouvir os ensaios. Ele
está bem técnico.
O maestro Roberto Tibiriçá
o elogiou, dizendo que ele é
um menino brilhante.
Com a bolsa de R$ 900,
Dan paga a faculdade. Não
me dá despesa. Meu salário
de professor não chega a R$
1.000, quase o mesmo que
ele ganha como estudante.
Não aguento mais dar aula, pego só metade da carga
horária. O ambiente escolar é
muito truculento. Você não
consegue dar aula, sofre violência a todo momento.
Outro dia, passou uma reportagem sobre a turnê no
jornal do meio-dia. Eu mostrei o Dan para os meus colegas. Ficaram surpresos. Até
me chamaram para tocar na
escola no Dia do Professor.
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