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MARI HIRATA
Japonesa do Brooklin
Só fui descobrir que era japonesa dentro de um metrô em Paris quando tinha 20 anos!
Estava eu no metrô e entrou um grupo de brasileiros
falando alto. Sentaram na minha frente. Eu sorri, cúmplice. Eles me olharam como se
eu fosse louca -aquela japonesa estava sorrindo para
quem? E ficaram cochichando entre eles.
Fiquei chocada! Descobri
que não estava na cara que eu
era brasileira!
Logo, Liberdade era um
bairro longínquo, aonde eu ia
raramente.
Era exótico como qualquer
outro bairro que não fosse o
meu -o Brooklin Paulista.
Nem sei se o Brooklin tinha
muitos descendentes de japoneses, mas na minha classe eu
era a única, e a escola tinha a
média de qualquer escola da
capital, um ou dois por classe.
E, como qualquer outra escola, tinha descendente de tudo. Minha melhor amiga era
descendente de espanhol e
nunca esqueci o gaspacho que
comia na casa dela. Ela trazia
de lanche aquele pão esfregado com tomate e azeite, bem
catalão, lanche tão esquisito
quanto o meu pão com omelete.
Não fui estudar em escola
japonesa e nem frequentava
descendentes de japoneses.
Logo, chegar ao Japão não foi
um encontro das minhas raízes. Foi como quando cheguei
na França: um país novo a
descobrir.
Como minha cara ajudava,
nunca tive problemas de
adaptação aqui no Japão. Não
sou de fazer feijoada aos sábados nem sou fã de samba,
mas, alguns dias atrás, derramei minha lagrimazinha assistindo "O Céu de Suely".
Hoje, nas minhas idas ao
Brasil, vou muito mais ao
bairro da Liberdade. Lá encontro praticamente tudo
que há no meu supermercado
de Tóquio. As frutas, como o
dekopon (espécie de tangerina), além de serem deliciosos,
custam um terço do preco daqui; os nabinhos kabu ou os
cogumelos shiitakes têmm
mais sabor.
Logo, não é só pelos importados que vou às compras na
Liberdade, mas pela qualidade e preço dos produtos de
origem brasileira. Se antes
era o bairro familiar e saudosista para os descendentes de
japoneses, hoje virou um
bairro da moda e cheio de novidades. Desde o último modelo de panela de arroz até o
picolé asiático artificial!
Mari Hirata é chef na cidade de Tóquio e colunista da Revista da Folha
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