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ENTREVISTA/WAN-HUA MA
Estudante deve pagar por ensino superior público
Para pesquisadora, tarifa na universidade viabiliza expansão e faz aluno estudar mais
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
A cobrança pelo ensino superior começou na China em
1997. No Brasil, a cobrança é
vetada pela Constituição, que
determina "gratuidade do ensino público". Boa parte da Academia defende este modelo,
pois entende que é dever do poder público oferecer educação.
A cobrança de taxas faz parte
das reformas que o governo
chinês começou a implementar
nos anos 90 para aumentar o
número de estudantes no ensino superior. O país conseguiu
elevar o percentual de jovens
no ensino superior de 3,4% em
1991 para 26,4% quinze anos
depois. No Brasil, o percentual
está em 17,5%, segundo dados
da Unesco (braço das Nações
Unidas para a educação).
Outra mudança foi a expansão de cursos superiores de caráter mais profissionalizante,
com duração entre 2 e 3 anos,
que já representam quase a metade das matrículas. No Brasil,
eles são menos de 1%.
A China busca melhorar também em qualidade, o que já aparece em rankings internacionais. No ranking do jornal britânico "The Times" há três universidades chinesas entre as
100 melhores do mundo. A de
Pequim é a de maior destaque
entre elas (36ª). A melhor brasileira é a USP (175ª).
Ma veio ao Brasil para participar de um seminário promovido pela Assembléia Legislativa de São Paulo, em parceria com professores da USP, com o
objetivo de discutir políticas
adotadas em outros países, para servirem de base para a proposição de possíveis novas leis.
A pesquisadora concedeu a
entrevista à Folha, em inglês,
na semana passada.
FOLHA - Como a sra. analisa a atual
situação do ensino superior chinês?
WAN-HUA MA - Após um forte
crescimento nos últimos anos,
o ensino superior tornou-se papel-chave no desenvolvimento
da China, na produção de tecnologia e de capital humano.
Para isso, alteramos o sistema,
diversificando-o, pois não havia recursos para incluir todos
os alunos em universidades de
pesquisa. Estas são muito caras, precisam de laboratórios
caros, por exemplo.
Há também uma questão do
mercado de trabalho. Não seria
possível absorver todos esses
alunos formados em ambiente
extremamente acadêmico.
O mercado de trabalho requer pessoas com diversos níveis de conhecimento. Para resolver um problema no computador, por exemplo, você não
precisa de alguém com doutorado. Um técnico, formado em
até três anos, estará muito bem
capacitado.
Também se economiza tempo e dinheiro dos estudantes
[um curso de engenharia na
China dura seis anos].
Para os países ricos, não faz
tanta diferença você ter um
doutor cuidando de problemas
técnicos de um computador.
Mas nós, países em desenvolvimento, não podemos seguir
nessa direção, porque exige
muito dinheiro. Claro que você
pode ser um doutor, mas é preciso ter outras opções.
FOLHA - Como a expansão do ensino superior foi financiada?
MA - Em 1999, o governo estabeleceu que todas as universidades deveriam aumentar as
vagas em 30%. Houve aumento
de recursos do governo, mas insuficiente. Nosso investimento
em educação é de apenas 2,7%
do PIB [no Brasil, é de 4,7%].
Há uma forte pressão para que
o governo aumente os recursos
para o ensino superior.
FOLHA - O que a sra. acha da cobrança de taxas aos estudantes?
MA - Uma boa qualidade de
ensino público beneficia o estudante. Claro que também é
bom para a sociedade ter cidadãos bem formados, mas há benefícios privados para os alunos também. Eles conseguem
bons empregos.
Se você considerar esse benefício privado ao cidadão, ele
então tem a responsabilidade
de pagar pelo ensino. Na China,
em geral, o estudante de universidade pública paga 20% dos
custos do seu curso.
FOLHA - Foi difícil implementar esse sistema?
MA - Foi, mas fomos testando
aos poucos, primeiro em um
grupo pequeno de estudantes,
por dois, três anos, no começo
dos anos 90. Os resultados foram positivos. Os alunos passaram a estudar mais, porque viram o sacrifício que suas famílias fizeram para pagar. E os
pais também ficaram contentes, porque os filhos passaram a
estudar duro. Então, percebeu-se que o modelo funcionaria.
Agora, todas as instituições
cobram taxas. O custo ao aluno
nas universidades públicas é o
mesmo, 5.000 renminbi [moeda chinesa] ao ano [equivalente
a R$ 1.200], que são pagos uma
vez, em setembro.
Parece pouco, mas os nossos
salários são baixos, comparados com o de vocês do Brasil.
O sistema causou um problema, porque há famílias que não
podem pagar. Então foram
criados programas de empréstimo, de bolsa-trabalho, entre
outros. Mas o sistema ainda
não é perfeito.
FOLHA - O ensino superior chinês
prioriza alguma área?
MA - Estamos tentando construir universidades de classe
mundial [de ponta], basicamente nas áreas científicas, como engenharia e ciência da
computação. São áreas que têm
grande impacto econômico.
FOLHA - Em quais pontos o Brasil
pode seguir o modelo chinês?
MA - Não conheço tanto a situação brasileira. Mas, em geral, o conhecimento de outras
línguas é importante, para se
poder aproveitar a comunidade
internacional [a China é o país
que mais envia estudantes aos
EUA]. Entender a língua de um
outro país é um modo interessante de a pessoa entender como essa cultura funciona. Se
você não sabe isso, não saberá
como negociar com esse país.
FOLHA - Professores e pesquisadores
na China têm total liberdade?
MA - Não vejo controle do governo. As pessoas sempre falam
que não temos liberdade. Não
sei o porquê disso.
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