São Paulo, quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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entrevista

Evitar ocupação de encosta não dá voto, diz arquiteto

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

O arquiteto Flavio Farah, pesquisador aposentado do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e autor do livro "Habitação e Encostas", afirma que os governos, de forma geral, não impedem que as pessoas construam casas ao pé de barrancos.
"O interesse genuíno é pequeno. Talvez seja porque não dá voto. Esse tipo de trabalho é pulverizado e não rende dividendo político."
Cinco pessoas morreram anteontem na Grande SP soterradas dentro de casa. Barrancos vizinhos desmoronaram por causa do temporal.
Farah viu famílias em áreas de risco em diversas regiões do Brasil. "Meu trabalho [o livro] foi bastante divulgado, mas raríssimos municípios se interessaram. As prioridades deles são outras. Me aposentei [em 2007] totalmente frustrado."

 

FOLHA - Que medidas se devem tomar para que os deslizamentos deixem de ser realidade?
FLAVIO FARAH -
Em primeiro lugar, é preciso identificar as áreas de risco. Depois, tomar a providência adequada. Pode ser drenar o terreno, construir um paredão na frente do barranco, plantar grama... Cada solo tem sua necessidade. E o governo tem de oferecer habitações à população, para que não invada terrenos nas encostas.

FOLHA - A Prefeitura de São Paulo tem um mapa das áreas de risco feito em 2003.
FARAH -
Não adianta ter um mapa desatualizado. A ocupação do solo é dinâmica. Um terreno que está vago hoje já estará ocupado amanhã. E são justamente as áreas de encosta ocupadas recentemente as que merecem mais atenção, pois têm maiores chances de deslizamento.
Quando passou algum tempo e o terreno ficou mais ocupado, ele já está mais consolidado, mais impermeável. O que tinha de rolar já rolou. Além disso, é mais fácil atualizar o mapa ano a ano do que partir do zero a cada seis anos.

FOLHA - As medidas de contenção têm sido tomadas?
FARAH -
Existem medidas que são tomadas. O problema é que o poder público fecha os olhos para essas ocupações inadequadas porque não tem alternativa a oferecer. Fico triste quando vejo tudo isso [deslizamentos] outra vez. O interesse genuíno é pequeno. Talvez seja porque não dá voto. Esse tipo de trabalho é pulverizado e não rende dividendo político. E vira problema crônico.

FOLHA - Adianta tentar conscientizar a população?
FARAH -
O risco que corre vivendo em encosta talvez seja uma das menores preocupações. Ela sabe que ali é perigoso, mas tem coisas mais básicas com que se preocupar, como ter o que comer.

FOLHA - O sr. então não vê uma solução para São Paulo?
FARAH -
Aqui o desastre já se implantou. O espaço urbano não foi planejado, e o jeito é remediar e recuperar o que há. Não importa a ação, o resultado não será bom. As cidades de médio porte, ao contrário, ainda podem fazer alguma coisa para não repetir o problema de São Paulo.


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