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ARQUITETURA DA VIOLÊNCIA
Estudo mostra relação entre sistema viário precário e falta de segurança na periferia de São Paulo
Obstáculo urbano cria nicho para o crime
PEDRO DIAS LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Um trabalho que estudou durante mais de oito meses três dos
distritos mais violentos da capital
paulista detalhou a arquitetura do
medo na periferia e definiu o que
pode ser feito para diminuir a insegurança e a violência.
Os três distritos pesquisados
-Jardim Ângela (zona sul), Brasilândia (norte) e Cidade Tiradentes (leste)- têm alguns dos piores indicadores de qualidade de
vida da cidade e altos índices de
violência. Ao todo, abrigam 700
mil paulistanos.
O trabalho, feito pelo LabHab
(Laboratório de Habitação e Assentamentos Urbanos) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da USP, mostra, por exemplo, a
relação direta entre um sistema
viário precário e o fortalecimento
do poder do crime organizado.
Com acesso limitado, o poder público e a polícia simplesmente não
chegam a determinadas áreas
-como acontece no Rio de Janeiro-, o que torna a população refém de grupos criminosos que
controlam essas regiões.
Em alguns pontos, como no Jardim Ângela, as ruas formam o
que os pesquisadores chamam de
"espinha de peixe" -formada
por uma grande via principal, geralmente em más condições, e pequenas ruas que saem dela e que
não têm conexão entre si.
Essa péssima ligação entre bairros da própria área impede também a criação de vínculos da população com sua região, que se
sente isolada e abandonada pelo
resto da cidade. Isso dificulta o
enraizamento de políticas públicas e aumenta a sensação de medo e de insegurança.
O trabalho detectou que, apesar
da violência generalizada, os homicídios estão concentrados em
alguns pontos, de iluminação
muito ruim e baixa circulação de
moradores.
Para reduzir esse tipo de formação urbana, o estudo propõe o incentivo ao surgimento de pequenos centros comerciais, que aumentam o fluxo de pessoas e a atividade nas proximidades.
Organização do espaço
Autor de uma tese de mestrado
que analisou a lógica dos homicídios na cidade de São Paulo, o sociólogo Renato Lima, 33, afirma
que os crimes violentos "bateram
em um teto" nas principais metrópoles do país e começaram a
recuar a partir de 2000.
Lima é coordenador de análise
da informação da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Na
avaliação do sociólogo, a organização do espaço é fundamental na
estruturação do crime, porque
"determina as condições em que a
violência vai ocorrer".
Para Lima, as ações propostas
pelo estudo podem, em tese, ajudar a atenuar o problema. "Intervenções urbanas ajudam a evitar
que o crime use a falência do Estado em sua versão violenta."
A pedido da Folha, o sociólogo
elencou pontos que favorecem a
perpetuação da lógica da violência: "Locais pouco iluminados, de
difícil acesso, com poucas saídas,
em que quem está de fora não vê o
que ocorre".
Propostas concretas
Entre os 96 distritos da capital
paulista, as três áreas estudadas
ocupam algumas das piores colocações no Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela
prefeitura: Cidade Tiradentes está
em 80º, Brasilândia em 86º e Jardim Ângela em 91º.
O objetivo do estudo, encomendado pela Secretaria Municipal da
Habitação, era traçar um perfil
detalhado dos problemas e carências dessas áreas e definir planos
de ação para melhorar a qualidade de vida da população.
O trabalho aponta onde e de
que modo podem ser realizadas
as intervenções nesses três distritos. Como o dinheiro é limitado,
são propostas também áreas de
intervenção inicial, por onde devem começar as mudanças -elas
são divididas em duas: as regiões
de exclusão socioeconômica muito alta ou as de grande potencial
de melhoria.
O coordenador do estudo, João
Sette Whitaker Ferreira, explica
que é fundamental a "transversalidade" das diversas ações, com
integração entre várias secretarias
e diversos níveis de governo.
É por isso que construir uma
praça isolada ou um campo de futebol, sem conexão com outras
políticas, é uma prática ineficaz.
Em pouco tempo, esses equipamentos podem estar depredados.
Também é imprescindível, segundo o arquiteto, o envolvimento da população -no estudo, os
habitantes foram ouvidos em todas as etapas.
João Whitaker e o estudo ressaltam, no entanto, que as propostas
não têm como resolver o problema do crime organizado, que surgiu na esteira da ausência do Estado durante décadas.
Por meio de mapas, o estudo
mostra onde podem ser abertas
novas vias dentro das áreas
-com o menor impacto possível
em desapropriações- e propõe a
melhoria das ruas de maior fluxo,
que ligam a região à "cidade formal". Com isso, tenta quebrar o
esquema "espinha de peixe".
Outro ponto da proposta é a
criação de postos avançados das
subprefeituras para aproximar os
serviços da prefeitura da população. Em áreas com mais de 200
mil habitantes e péssimas condições viárias, a sede central da subprefeitura permanece inacessível
para boa parte das pessoas, que
desistem de buscar auxílio estatal.
Além do LabHab, também participaram do trabalho as assessorias técnicas Usina (que cuidou da
área de Cidade Tiradentes) e GTA
(responsável por Brasilândia).
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