São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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ARQUITETURA DA VIOLÊNCIA

Estudo mostra relação entre sistema viário precário e falta de segurança na periferia de São Paulo

Obstáculo urbano cria nicho para o crime

PEDRO DIAS LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um trabalho que estudou durante mais de oito meses três dos distritos mais violentos da capital paulista detalhou a arquitetura do medo na periferia e definiu o que pode ser feito para diminuir a insegurança e a violência.
Os três distritos pesquisados -Jardim Ângela (zona sul), Brasilândia (norte) e Cidade Tiradentes (leste)- têm alguns dos piores indicadores de qualidade de vida da cidade e altos índices de violência. Ao todo, abrigam 700 mil paulistanos.
O trabalho, feito pelo LabHab (Laboratório de Habitação e Assentamentos Urbanos) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, mostra, por exemplo, a relação direta entre um sistema viário precário e o fortalecimento do poder do crime organizado. Com acesso limitado, o poder público e a polícia simplesmente não chegam a determinadas áreas -como acontece no Rio de Janeiro-, o que torna a população refém de grupos criminosos que controlam essas regiões.
Em alguns pontos, como no Jardim Ângela, as ruas formam o que os pesquisadores chamam de "espinha de peixe" -formada por uma grande via principal, geralmente em más condições, e pequenas ruas que saem dela e que não têm conexão entre si.
Essa péssima ligação entre bairros da própria área impede também a criação de vínculos da população com sua região, que se sente isolada e abandonada pelo resto da cidade. Isso dificulta o enraizamento de políticas públicas e aumenta a sensação de medo e de insegurança.
O trabalho detectou que, apesar da violência generalizada, os homicídios estão concentrados em alguns pontos, de iluminação muito ruim e baixa circulação de moradores.
Para reduzir esse tipo de formação urbana, o estudo propõe o incentivo ao surgimento de pequenos centros comerciais, que aumentam o fluxo de pessoas e a atividade nas proximidades.

Organização do espaço
Autor de uma tese de mestrado que analisou a lógica dos homicídios na cidade de São Paulo, o sociólogo Renato Lima, 33, afirma que os crimes violentos "bateram em um teto" nas principais metrópoles do país e começaram a recuar a partir de 2000.
Lima é coordenador de análise da informação da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Na avaliação do sociólogo, a organização do espaço é fundamental na estruturação do crime, porque "determina as condições em que a violência vai ocorrer".
Para Lima, as ações propostas pelo estudo podem, em tese, ajudar a atenuar o problema. "Intervenções urbanas ajudam a evitar que o crime use a falência do Estado em sua versão violenta."
A pedido da Folha, o sociólogo elencou pontos que favorecem a perpetuação da lógica da violência: "Locais pouco iluminados, de difícil acesso, com poucas saídas, em que quem está de fora não vê o que ocorre".

Propostas concretas
Entre os 96 distritos da capital paulista, as três áreas estudadas ocupam algumas das piores colocações no Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela prefeitura: Cidade Tiradentes está em 80º, Brasilândia em 86º e Jardim Ângela em 91º.
O objetivo do estudo, encomendado pela Secretaria Municipal da Habitação, era traçar um perfil detalhado dos problemas e carências dessas áreas e definir planos de ação para melhorar a qualidade de vida da população.
O trabalho aponta onde e de que modo podem ser realizadas as intervenções nesses três distritos. Como o dinheiro é limitado, são propostas também áreas de intervenção inicial, por onde devem começar as mudanças -elas são divididas em duas: as regiões de exclusão socioeconômica muito alta ou as de grande potencial de melhoria.
O coordenador do estudo, João Sette Whitaker Ferreira, explica que é fundamental a "transversalidade" das diversas ações, com integração entre várias secretarias e diversos níveis de governo.
É por isso que construir uma praça isolada ou um campo de futebol, sem conexão com outras políticas, é uma prática ineficaz. Em pouco tempo, esses equipamentos podem estar depredados.
Também é imprescindível, segundo o arquiteto, o envolvimento da população -no estudo, os habitantes foram ouvidos em todas as etapas.
João Whitaker e o estudo ressaltam, no entanto, que as propostas não têm como resolver o problema do crime organizado, que surgiu na esteira da ausência do Estado durante décadas.
Por meio de mapas, o estudo mostra onde podem ser abertas novas vias dentro das áreas -com o menor impacto possível em desapropriações- e propõe a melhoria das ruas de maior fluxo, que ligam a região à "cidade formal". Com isso, tenta quebrar o esquema "espinha de peixe".
Outro ponto da proposta é a criação de postos avançados das subprefeituras para aproximar os serviços da prefeitura da população. Em áreas com mais de 200 mil habitantes e péssimas condições viárias, a sede central da subprefeitura permanece inacessível para boa parte das pessoas, que desistem de buscar auxílio estatal.
Além do LabHab, também participaram do trabalho as assessorias técnicas Usina (que cuidou da área de Cidade Tiradentes) e GTA (responsável por Brasilândia).



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