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SP 450
Via, que é um dos símbolos da cidade, tem em sua extensão 20 esculturas que passam despercebidas a frequentadores
Avenida Paulista é museu a céu aberto
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Palco de protestos e shows, vitrine do mercado financeiro, cartão-postal de São Paulo. É até difícil
imaginar que a avenida Paulista,
tão exposta e disposta a expor tudo o que nela habita, guarde um
segredo: ela também é um enorme museu a céu aberto, com quase 20 esculturas em suas calçadas
-um acervo que passa despercebido para a maioria.
O fato surpreende até o presidente da associação Paulista Viva,
Nelson Baeta Neves, que nasceu,
cresceu e vive na avenida. "Eu
sempre ando a Paulista inteirinha
e realmente não lembro de ter visto essas esculturas", afirma.
Essa "invisibilidade" que parece
cercar as obras localizadas na avenida é que motivou a artista plástica Lílian Amaral -autora da
obra "Caminho", na esquina da
Paulista com a avenida Angélica- a identificar e estudar a origem de cada uma dessas peças,
trabalho que resultou em sua dissertação de mestrado na USP
(Universidade de São Paulo).
A artista plástica descobriu que
a tal invisibilidade estava ligada à
mudez: as peças já não dizem
quase nada aos milhares de pessoas que passam diariamente pela
avenida -só no horário de pico,
são 225 mil. E contra a tagarelice
dos painéis eletrônicos, outdoors
etc., elas inevitavelmente saem
perdendo.
A seu modo, porém, essas peças
narram parte da história da cidade no último século. Mesmo que
essa história já comece, segundo
Amaral, de um jeito "forjado",
com a formulação, pelo movimento modernista, do que deveria ser a identidade nacional.
Década de 20, chegam à Paulista
duas expressões dessa busca pelas
raízes tupiniquins: o "Índio Pescador" e o "Anhanguera". Esta última, uma estátua do bandeirante
Bartolomeu Bueno da Silva, feita
em mármore de Carrara.
O autor, o italiano Luiz Brizzolara, também foi responsável pelo
monumento ao compositor Carlos Gomes, que fica ao lado do
Teatro Municipal -sede da célebre Semana de 22.
O "Anhanguera" foi instalado
diante do parque Trianon: ponto
de encontro da elite intelectual
paulistana da época. Ao longo da
Paulista, os casarões acolhiam os
barões do café.
Trinta anos depois, o cenário
começou a mudar, com a construção dos primeiros edifícios comerciais. As esculturas perderam
espaço no gosto popular para painéis de cerâmica em alto relevo
incorporados aos prédios.
A chegada do comércio à avenida está representada na obra "O
Caixeiro", na frente do prédio da
Federação do Comércio do Estado de São Paulo, que alude aos antigos caixeiros-viajantes.
Poderoso e chique
A maior parte das esculturas da
Paulista está no local desde a década de 70, como reflexo da mudança do eixo econômico da cidade. Um novo projeto urbanístico
foi implantado na avenida, que se
transformava na sede de várias
instituições financeiras, cuja entrada era adornada com peças de
linhas abstrato-geométricas, com
referências industriais.
Outro exemplo de obra ligada à
presença de um grupo econômico
é o monumento a Thomas Edison, no encontro da Paulista com
a Consolação. A peça foi patrocinada, em 1979, pelos comerciantes locais de produtos elétricos.
"A mensagem era: se eu estou
na Paulista, sou poderoso. Se estou na Paulista e tenho uma obra
de arte, sou poderoso e chique. As
peças mostravam que a empresa
estava ligada a valores nobres",
afirma Lílian Amaral.
Mas os valores mudam com o
tempo e, a partir dos anos 80, envolvem a preocupação ambiental.
Ao acervo da avenida acrescenta-se uma obra de Franz Krajcberg, que trabalha com restos de
árvores queimadas. "Ele fala dos
efeitos da indústria na natureza.
Soma-se o status da arte ao discurso ambientalista", diz Amaral.
Significados
Apesar da pesquisa realizada
por Amaral, as histórias de algumas obras permanecem obscuras, como a "Cariátide" -resquício de um dos casarões do início
do século passado e única figura
feminina do grupo- e o "Homem Aramado", peça que mostra
uma silhueta vazada num bloco
de concreto trespassada por uma
grade de ferro. A perda dos dados
sobre as obras não as despe, porém, de significados.
"Para mim, o "Homem Aramado" é uma metáfora da avenida,
que aprisionou o humano no
concreto e no ferro que moldam a
cidade", afirma Amaral. "As
obras de arte conectam as pessoas
à sua realidade, à sua história, dão
essa sensação de pertencimento.
Todos são capazes de entender a
arte no cotidiano."
O primeiro passo é vê-las e preservá-las. A partir daí, as esculturas da Paulista podem ser um boa
pista para cada pedestre que passa
por elas entender o que significa
ser um "Animal Paulistano"
-aliás, nome de uma das obras
presentes na avenida.
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