São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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SP 450

Via, que é um dos símbolos da cidade, tem em sua extensão 20 esculturas que passam despercebidas a frequentadores

Avenida Paulista é museu a céu aberto

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Palco de protestos e shows, vitrine do mercado financeiro, cartão-postal de São Paulo. É até difícil imaginar que a avenida Paulista, tão exposta e disposta a expor tudo o que nela habita, guarde um segredo: ela também é um enorme museu a céu aberto, com quase 20 esculturas em suas calçadas -um acervo que passa despercebido para a maioria.
O fato surpreende até o presidente da associação Paulista Viva, Nelson Baeta Neves, que nasceu, cresceu e vive na avenida. "Eu sempre ando a Paulista inteirinha e realmente não lembro de ter visto essas esculturas", afirma.
Essa "invisibilidade" que parece cercar as obras localizadas na avenida é que motivou a artista plástica Lílian Amaral -autora da obra "Caminho", na esquina da Paulista com a avenida Angélica- a identificar e estudar a origem de cada uma dessas peças, trabalho que resultou em sua dissertação de mestrado na USP (Universidade de São Paulo).
A artista plástica descobriu que a tal invisibilidade estava ligada à mudez: as peças já não dizem quase nada aos milhares de pessoas que passam diariamente pela avenida -só no horário de pico, são 225 mil. E contra a tagarelice dos painéis eletrônicos, outdoors etc., elas inevitavelmente saem perdendo.
A seu modo, porém, essas peças narram parte da história da cidade no último século. Mesmo que essa história já comece, segundo Amaral, de um jeito "forjado", com a formulação, pelo movimento modernista, do que deveria ser a identidade nacional.
Década de 20, chegam à Paulista duas expressões dessa busca pelas raízes tupiniquins: o "Índio Pescador" e o "Anhanguera". Esta última, uma estátua do bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, feita em mármore de Carrara.
O autor, o italiano Luiz Brizzolara, também foi responsável pelo monumento ao compositor Carlos Gomes, que fica ao lado do Teatro Municipal -sede da célebre Semana de 22.
O "Anhanguera" foi instalado diante do parque Trianon: ponto de encontro da elite intelectual paulistana da época. Ao longo da Paulista, os casarões acolhiam os barões do café.
Trinta anos depois, o cenário começou a mudar, com a construção dos primeiros edifícios comerciais. As esculturas perderam espaço no gosto popular para painéis de cerâmica em alto relevo incorporados aos prédios.
A chegada do comércio à avenida está representada na obra "O Caixeiro", na frente do prédio da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, que alude aos antigos caixeiros-viajantes.

Poderoso e chique
A maior parte das esculturas da Paulista está no local desde a década de 70, como reflexo da mudança do eixo econômico da cidade. Um novo projeto urbanístico foi implantado na avenida, que se transformava na sede de várias instituições financeiras, cuja entrada era adornada com peças de linhas abstrato-geométricas, com referências industriais.
Outro exemplo de obra ligada à presença de um grupo econômico é o monumento a Thomas Edison, no encontro da Paulista com a Consolação. A peça foi patrocinada, em 1979, pelos comerciantes locais de produtos elétricos.
"A mensagem era: se eu estou na Paulista, sou poderoso. Se estou na Paulista e tenho uma obra de arte, sou poderoso e chique. As peças mostravam que a empresa estava ligada a valores nobres", afirma Lílian Amaral.
Mas os valores mudam com o tempo e, a partir dos anos 80, envolvem a preocupação ambiental.
Ao acervo da avenida acrescenta-se uma obra de Franz Krajcberg, que trabalha com restos de árvores queimadas. "Ele fala dos efeitos da indústria na natureza. Soma-se o status da arte ao discurso ambientalista", diz Amaral.

Significados
Apesar da pesquisa realizada por Amaral, as histórias de algumas obras permanecem obscuras, como a "Cariátide" -resquício de um dos casarões do início do século passado e única figura feminina do grupo- e o "Homem Aramado", peça que mostra uma silhueta vazada num bloco de concreto trespassada por uma grade de ferro. A perda dos dados sobre as obras não as despe, porém, de significados.
"Para mim, o "Homem Aramado" é uma metáfora da avenida, que aprisionou o humano no concreto e no ferro que moldam a cidade", afirma Amaral. "As obras de arte conectam as pessoas à sua realidade, à sua história, dão essa sensação de pertencimento. Todos são capazes de entender a arte no cotidiano."
O primeiro passo é vê-las e preservá-las. A partir daí, as esculturas da Paulista podem ser um boa pista para cada pedestre que passa por elas entender o que significa ser um "Animal Paulistano" -aliás, nome de uma das obras presentes na avenida.



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