São Paulo, quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

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VERÃO

Atrás do "espírito carioca", turistas compram camisetas que associam crianças a armas e DVDs de bailes funk

Camelódromo vira ponto turístico do Rio

Alexandre Campbell/Folha Imagem
Vendedor mostra uma das camisetas mais vendidas a turistas


SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

Atrás de um espírito "100% carioca e original" que os panfletos turísticos não mostram, o camelódromo do centro do Rio virou uma atração alternativa neste verão. Com cerca de mil barracas espalhadas nas proximidades da av. Presidente Vargas, a segunda mais importante do centro, o mercado popular da rua Uruguaiana é freqüentado por centenas de turistas diariamente, tendo como atrativo produtos ilegais, debochados, exóticos ou até mesmo que beiram o grotesco.
"Viemos aqui porque queremos ver algo mais do que shows de mulatas, de bossa nova e Ipanema. Queremos comprar coisas baratas e identificadas com o povo do Rio", diz o argentino Gabriel Verea, 23. Ele comprou um dos objetos de desejo dos "gringos" na Uruguaiana: a camisa "Welcome to Rio de Janeiro [bem-vindo ao Rio de Janeiro]". Vendida por apenas R$ 15 na feira, a camisa tem a estampa de uma falsa placa de trânsito com duas crianças armadas com fuzis atravessando uma rua.
"Isto aqui mostra bem o clima do Rio, a ironia do carioca, que tenta ganhar dinheiro e fazer piada de tudo", afirma.
Segundo o dono da barraca, a camisa a camisa é vendida mais a estrangeiros que a cariocas.
"A estampa não faz uma propaganda negativa da cidade. É uma crítica social. Não dá para fingir que a violência não existe", afirma o comerciante, que vende uma média de dez camisetas por dia.
As estampas são produzidas por um amigo do vendedor, que tem o nome mantido em sigilo.
"A estampa é muito legal. Reflete bem a falta do poder público, mas não dá para ficar usando aqui na cidade. Já vivemos neste mundo e não podemos nos orgulhar", diz o universitário Frederico Alves, 21, que, dando risadas, mostrava a dois amigos a camiseta.
Bermudas com desenhos do cotidiano dos moradores das favelas também agradam os turistas. Matheus Silva, que trabalha no local, diz que negocia sete delas por dia, ao preço de R$ 40 cada.
A estampa de São Jorge, criada pelo estilista Beto Neves, também faz sucesso na Uruguaiana entre os turistas. Pelo menos três barracas vendem a camisa pirateada.
"Não entendo o significado deste guerreiro, mas já vimos várias imagens dele no Rio. Decidimos levar a camisa, que nos parece bem carioca. Vir aqui é fazer um turismo diferente", diz a sueca Katerina North, 27.
Além das roupas, os turistas são fregueses das barracas de vídeos, que vendem DVDs de bailes funk. Os preferidos são os com imagens de shows de funkeiros famosos nos subúrbios do Rio. No dia 4, um grupo de norte-americanos se espremia na frente de uma barraca para assistir a imagens de um show do MC Frank.
"Não estou entendendo nada, mas o ritmo é muito bom e as pessoas parecem se divertir", diz o bombeiro Mathias Smith, 28, que pagou R$ 10 pelo DVD.
Frank é cantor do funk "Bonde do 157", em referência ao artigo do Código Penal que trata de roubo. Em outubro, ele foi indiciado pela Polícia Civil sob acusação de apologia ao tráfico de drogas.
"O verdadeiro Rio está aqui, e não na praia", diz Martin Ponce, 25, que mora na Califórnia. Um dos DVDs exibe uma anã de biquíni se agachando sobre o rosto de um freqüentador do baile funk deitado no palco.


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