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Bulas incentivam automedicação, diz estudo
Os dados que acompanham os remédios são incompletos, aponta levantamento feito pelo Idec com 19 medicamentos
Versão genérica do Prozac
(antidepressivo), por
exemplo, omite alerta de
que pacientes jovens podem
ter comportamento suicida
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
As bulas dos remédios vendidos nas farmácias brasileiras
são incompletas e incentivam a
automedicação, aponta um estudo recém-concluído do Idec
(Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor). Isso, diz a entidade, pode comprometer seriamente a saúde das pessoas.
O antidepressivo Prozac (da
Eli Lilly), por exemplo, traz o
alerta de que pacientes jovens
podem ter idéias e comportamentos suicidas durante o tratamento. E avisa: "Os médicos
devem ser consultados imediatamente se os pacientes de todas as idades relatarem quaisquer pensamentos suicidas". O
Cloridrato de Fluoxetina (da
EMS), uma das versões genéricas do Prozac, simplesmente
não diz nada sobre esse risco.
O Idec se debruçou sobre as
letras miúdas que acompanham 19 remédios (antidepressivos, calmantes, antiinflamatórios, vasodilatadores, anti-reumáticos e drogas contra
pressão alta e para baixar o colesterol) e constatou que há diferenças significativas entre as
informações dos medicamentos de referência (originais) e
seus genéricos ou similares.
A entidade também comparou as bulas nacionais com as
americanas. Nos Estados Unidos, os antiinflamatórios avisam -com destaque- do risco
de morte por problemas cardiovasculares durante o tratamento. No Brasil, o Voltaren e o
genérico Diclofenaco Sódico
(ambos da Novartis) não trazem esse alerta.
A mesma diferença, na comparação com o produto americano, foi encontrada nas bulas
do antiinflamatório Cataflam
(da Novartis) e do genérico Diclofenaco Potássico (da Medley). Em 2004, o antiinflamatório Vioxx foi retirado do mercado no mundo inteiro após um
estudo ter mostrado o aumento
do risco de ataques cardíacos e
acidentes vasculares cerebrais.
"Essas irregularidades violam o direito do consumidor à
informação correta e completa.
Podem representar um risco à
saúde. Existe muita intoxicação por remédios", diz Karen
Lagen, a responsável do Idec
pela pesquisa.
Automedicação
Há casos em que, na avaliação do Idec, as bulas incentivam que os pacientes façam uso
de remédios sem acompanhamento médico. No antidepressivo Zoloft (da Pfizer), por
exemplo, lê-se o seguinte: "Se
você não responder à dose de
50 mg, pode aumentar a dose".
O estudo apontou ainda que
muitos medicamentos não trazem orientações caso o paciente se esqueça de tomar uma dose. Supondo que deve tomar três doses ao dia e acidentalmente pulou a segunda, ele deve dobrar a terceira dose? Ignorar o esquecimento e tomar a
terceira normalmente? Tomar
a segunda dose imediatamente,
não importando a hora? Segundo o Idec, 11 dos 19 medicamentos não sanam essa dúvida.
Para o médico sanitarista José Ruben de Alcântara Bonfim,
coordenador da Sobravime
(Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos), uma
origem das falhas é o fato de as
bulas não serem atualizadas
periodicamente. "Como os médicos no Brasil não são obrigados a notificar os efeitos adversos dos medicamentos -apenas a indústria [farmacêutica]-, muitas bulas estão incompletas, desatualizadas."
Os laboratórios fabricantes
dizem que apenas seguem as
determinações da Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e que seus folhetos têm a aprovação da agência.
Para o Idec, a atuação da Anvisa está longe da ideal, pois
permite que as bulas dos medicamentos de referência e as dos
genéricos e similares sejam diferentes -embora o efeito no
organismo deva ser, teoricamente, o mesmo. "A Anvisa deve ser mais rigorosa e melhorar
a legislação", diz Karen Lagen.
A pesquisa do Idec chegou à
Anvisa. A agência informou que
as irregularidades apontadas
serão investigadas.
"Se confirmadas, serão corrigidas e ensejarão medidas punitivas para os laboratórios infratores. O desrespeito às normas de registro de medicamentos constitui uma infração sanitária", disse Pedro Ivo Sebba Ramalho, da assessoria técnica
da presidência da Anvisa.
As punições vão de uma advertência à apreensão dos produtos e à interdição das empresas. As multas podem chegar a R$ 1,5 milhão.
A agência informou ainda
que está estudando fazer mudanças nas bulas para, "entre
outros objetivos, viabilizar o direito à informação adequada e
clara sobre produtos, em especial sobre os riscos".
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