|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SOLIDARIEDADE
Comitês buscam mais eficiência nas campanhas com a inclusão de trabalhadores remunerados em seus quadros
Ação da Cidadania se profissionaliza
ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO
Em 1993, Maria de Fátima Martins Rocha era uma mulher amargurada com a morte de dois irmãos e uma cunhada, em uma
chacina na qual sua filha de 5 anos
foi baleada nas pernas.
Moradora da Baixada Fluminense, sua família havia sido vítima de um grupo de extermínio.
Naquele ano, depois de assistir a
uma palestra de Herbert de Souza, o Betinho, na catedral de Nova
Iguaçu, ela resolveu tentar esquecer a dor, participando da idéia
que ele semeava.
Fátima fundou vários comitês
da Ação da Cidadania, um deles
no morro da Caixa D'Água, local
para onde havia mudado depois
da chacina.
Hoje, ela é a líder de um dos 450
comitês da entidade na região
metropolitana do Rio. "Sei que a
campanha do Natal Sem Fome,
que fazemos todos os anos, não
resolve nossos problemas. Mas sei
também a mudança que um trabalho social pode causar na pessoa que o realiza", diz ela, que é
reconhecida como uma das mais
entusiastas integrantes do movimento criado por Betinho.
Fátima, 42, que se apresenta
sempre com um sorriso, é uma
das voluntárias de uma organização que nos primeiros anos era
quase toda constituída pela classe
média, gente da zona sul do Rio,
que ela não conhecia.
Depois da morte de Betinho, em
1997, essa maioria parece que viu
o sonho morrer com seu líder.
Mas o lugar deixado foi ocupado
por outras fátimas. Agora, a Ação
da Cidadania tem 90% de seus
quadros formados por pobres.
Ao mesmo tempo em que se dava essa transformação, a entidade
procurou superar, como Fátima,
a dor do luto. O caminho foi tentar se fortalecer. O novo rumo está vindo com a profissionalização
de parte de seus quadros, deixando de ser apenas uma atividade
voluntária.
"Sem dúvida a morte de Betinho abalou a todos, mas soubemos reproduzir a lição de resistência que ele nos deixou. A profissionalização é um passo adiante, que consolida a entidade criada por ele", diz Maurício Andrade, 49, coordenador-geral do Comitê Rio, um dos 15 funcionários
remunerados da organização
não-governamental.
Sinal vermelho
O sinal vermelho para a Ação da
Cidadania apareceu logo na primeira campanha do Natal Sem
Fome realizada depois da morte
de seu fundador, em 1997, quando foram arrecadadas 40 mil cestas de alimentos.
Em 1996, a arrecadação havia
atingido seu auge quando, em
consórcio com a campanha que
pretendia levar as Olimpíadas para a cidade, foram conseguidas
doações de 70 mil cestas de alimentos, segundo avaliação feita
nesta semana por Andrade.
Balanços divulgados naquele
ano chegaram a anunciar mais de
100 mil cestas, que, como nos
anos anteriores, foram distribuídas em comunidades carentes.
A profissionalização também
foi o caminho encontrado pelo
Comitê dos Funcionários da Embratel, que tem sete contratados.
"Essa é uma tendência crescente. O trabalho social exige a dedicação integral e competente de
profissionais que otimizam o trabalho dos voluntários", diz Anésia Maria de Araújo, 67, coordenadora-executiva do Comitê dos
Funcionários da Embratel.
Enfermeira-chefe aposentada
da empresa, Anésia é fundadora
do comitê e trabalha voluntariamente na entidade, junto com outras cinco pessoas.
Mantido pelas doações mensais
de 380 dos cerca de 4.000 funcionários da Embratel no Rio, esse
comitê auxilia na manutenção de
26 creches e quatro abrigos para
idosos na região metropolitana.
Além disso, mantém serviço
odontológico gratuito para atendimento dos funcionários terceirizados -contínuos, porteiros,
faxineiros. "São os mais humildes, muitas vezes ignorados pelos
colegas de trabalho das grandes
empresas", afirma Anésia.
Desde o seu nascimento, a Ação
da Cidadania funciona como uma
federação na qual cada comitê vive total independência.
Esse modelo idealizado por Betinho tem o objetivo de eliminar
instâncias burocráticas e permitir
que as unidades criem projetos
localizados, unindo-se em campanhas gerais, como as do Natal
Sem Fome.
A mistura de trabalho voluntário com a profissionalização é vista como um sinal de amadurecimento pela publicitária Nádia Rebouças, 51, que integrou o grupo
de marketing que lançou as campanhas do Natal Sem Fome.
"Essa é uma situação consolidada no exterior, onde os profissionais das organizações não-governamentais, o chamado terceiro
setor, são tão bem remunerados
quanto os das empresas", afirma
Nádia.
Ganhador de um Leão de Prata,
no festival de Cannes, em 1997,
com um filme para a Ação da Cidadania, o publicitário Lula Vieira, 54, conta que a profissionalização do movimento já era desejada
por Betinho.
Os dois se conheceram em 1993,
depois do Movimento pela Ética
na Política, que trabalhou pelo
impeachment do ex-presidente
Fernando Collor. "Betinho gostava de eficiência. Além disso dizia
que dos profissionais ele podia
cobrar, exigindo resultados."
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: "Trabalho voluntário deve definir seu foco" Índice
|