São Paulo, domingo, 11 de março de 2001

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SOLIDARIEDADE

Comitês buscam mais eficiência nas campanhas com a inclusão de trabalhadores remunerados em seus quadros

Ação da Cidadania se profissionaliza

ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO

Em 1993, Maria de Fátima Martins Rocha era uma mulher amargurada com a morte de dois irmãos e uma cunhada, em uma chacina na qual sua filha de 5 anos foi baleada nas pernas.
Moradora da Baixada Fluminense, sua família havia sido vítima de um grupo de extermínio.
Naquele ano, depois de assistir a uma palestra de Herbert de Souza, o Betinho, na catedral de Nova Iguaçu, ela resolveu tentar esquecer a dor, participando da idéia que ele semeava.
Fátima fundou vários comitês da Ação da Cidadania, um deles no morro da Caixa D'Água, local para onde havia mudado depois da chacina.
Hoje, ela é a líder de um dos 450 comitês da entidade na região metropolitana do Rio. "Sei que a campanha do Natal Sem Fome, que fazemos todos os anos, não resolve nossos problemas. Mas sei também a mudança que um trabalho social pode causar na pessoa que o realiza", diz ela, que é reconhecida como uma das mais entusiastas integrantes do movimento criado por Betinho.
Fátima, 42, que se apresenta sempre com um sorriso, é uma das voluntárias de uma organização que nos primeiros anos era quase toda constituída pela classe média, gente da zona sul do Rio, que ela não conhecia.
Depois da morte de Betinho, em 1997, essa maioria parece que viu o sonho morrer com seu líder. Mas o lugar deixado foi ocupado por outras fátimas. Agora, a Ação da Cidadania tem 90% de seus quadros formados por pobres.
Ao mesmo tempo em que se dava essa transformação, a entidade procurou superar, como Fátima, a dor do luto. O caminho foi tentar se fortalecer. O novo rumo está vindo com a profissionalização de parte de seus quadros, deixando de ser apenas uma atividade voluntária.
"Sem dúvida a morte de Betinho abalou a todos, mas soubemos reproduzir a lição de resistência que ele nos deixou. A profissionalização é um passo adiante, que consolida a entidade criada por ele", diz Maurício Andrade, 49, coordenador-geral do Comitê Rio, um dos 15 funcionários remunerados da organização não-governamental.

Sinal vermelho
O sinal vermelho para a Ação da Cidadania apareceu logo na primeira campanha do Natal Sem Fome realizada depois da morte de seu fundador, em 1997, quando foram arrecadadas 40 mil cestas de alimentos.
Em 1996, a arrecadação havia atingido seu auge quando, em consórcio com a campanha que pretendia levar as Olimpíadas para a cidade, foram conseguidas doações de 70 mil cestas de alimentos, segundo avaliação feita nesta semana por Andrade.
Balanços divulgados naquele ano chegaram a anunciar mais de 100 mil cestas, que, como nos anos anteriores, foram distribuídas em comunidades carentes.
A profissionalização também foi o caminho encontrado pelo Comitê dos Funcionários da Embratel, que tem sete contratados.
"Essa é uma tendência crescente. O trabalho social exige a dedicação integral e competente de profissionais que otimizam o trabalho dos voluntários", diz Anésia Maria de Araújo, 67, coordenadora-executiva do Comitê dos Funcionários da Embratel.
Enfermeira-chefe aposentada da empresa, Anésia é fundadora do comitê e trabalha voluntariamente na entidade, junto com outras cinco pessoas.
Mantido pelas doações mensais de 380 dos cerca de 4.000 funcionários da Embratel no Rio, esse comitê auxilia na manutenção de 26 creches e quatro abrigos para idosos na região metropolitana.
Além disso, mantém serviço odontológico gratuito para atendimento dos funcionários terceirizados -contínuos, porteiros, faxineiros. "São os mais humildes, muitas vezes ignorados pelos colegas de trabalho das grandes empresas", afirma Anésia.
Desde o seu nascimento, a Ação da Cidadania funciona como uma federação na qual cada comitê vive total independência.
Esse modelo idealizado por Betinho tem o objetivo de eliminar instâncias burocráticas e permitir que as unidades criem projetos localizados, unindo-se em campanhas gerais, como as do Natal Sem Fome.
A mistura de trabalho voluntário com a profissionalização é vista como um sinal de amadurecimento pela publicitária Nádia Rebouças, 51, que integrou o grupo de marketing que lançou as campanhas do Natal Sem Fome.
"Essa é uma situação consolidada no exterior, onde os profissionais das organizações não-governamentais, o chamado terceiro setor, são tão bem remunerados quanto os das empresas", afirma Nádia.
Ganhador de um Leão de Prata, no festival de Cannes, em 1997, com um filme para a Ação da Cidadania, o publicitário Lula Vieira, 54, conta que a profissionalização do movimento já era desejada por Betinho.
Os dois se conheceram em 1993, depois do Movimento pela Ética na Política, que trabalhou pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor. "Betinho gostava de eficiência. Além disso dizia que dos profissionais ele podia cobrar, exigindo resultados."


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