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Erro na mamografia põe laudos em xeque
No Instituto Nacional de Câncer, 60% dos exames tiveram de ser refeitos por falhas no equipamento, na execução ou na leitura
Problemas como resto de comida e digitais nos filmes podem esconder tumor ou apontar nódulo inexistente, o que prejudica diagnóstico
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma série de falhas nas mamografias feitas nas redes pública e privada do país coloca
em xeque os resultados dos
exames. Problemas que vão de
sujeiras e impressões digitais
nos filmes a revelações malfeitas podem esconder o tumor ou
indicar um nódulo inexistente,
prejudicando o diagnóstico
precoce do câncer que mais
mata a mulher brasileira.
Dois estudos recentes feitos
por hospitais de referência no
tratamento da doença dão uma
idéia da situação: no Instituto
Nacional de Câncer (Inca),
60% das mamografias apresentadas por pacientes que vieram
do SUS e de clínicas particulares tiveram de ser refeitas em
razão da má qualidade.
No Hospital São Paulo, da
Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo), que recebe pacientes das unidades básicas de
saúde, o índice de rejeição foi
de 30%. "São chapas escuras ou
claras demais, pacientes mal
posicionadas, laudos incompatíveis com a imagem. Tem de
tudo", afirma a mastologista
Rita Darddis, coordenadora do
ambulatório de alto risco de
câncer da mama da Unifesp.
A médica diz que, entre os casos, houve mulheres que já estavam com tumor, mas que os
laudos dos exames não indicavam o câncer. "As falhas são cometidas tanto pelos técnicos de
raios X, que não posicionam
bem a paciente, até pelo radiologista que emite o laudo."
No Canadá, o Programa Nacional de Controle de Câncer
de Mama aceita até 3% de rejeição de mamografia. No Brasil,
tolera-se um refugo de até 10%.
A mamografia, aliada ao exame clínico dos seios, é o principal meio de detecção precoce
do câncer de mama. O número
de casos novos esperados em
2006 no Brasil é de 48.930.
No estudo do Inca, foram
analisadas 468 mamografias.
Em 284 exames havia erros de
posicionamento da paciente,
revelações mal feitas, filmes escuros ou claros demais, chapas
tremidas ou riscadas e filmes
inadequados para a técnica.
Segundo a coordenadora da
pesquisa, Elyete Canella, chefe
do serviço de radiologia do hospital 3 do Inca, esse índice de
rejeição se repete diariamente
e compromete o tratamento.
"Uma mamografia malfeita pode esconder lesões pequenas e
dificultar o diagnóstico." Hoje,
60% do câncer da mama é diagnosticado em fase avançada.
Para Canella, nos serviços
públicos, os problemas podem
estar relacionados à má qualidade dos produtos utilizados.
"Por conta das licitações, a
compra é feita pelo menor preço. Nas mamografias, isso é sinônimo de má qualidade."
Reaproveitamento
Aliado a isso está o reaproveitamento de produtos por conta
da escassez de recursos. A química usada para revelar o filme
da mamografia, por exemplo,
costuma ser usada várias vezes,
em vez de ser descartada a cada
uso. "Já nos serviços particulares, a economia visa lucro", diz.
Já o estudo da Unifesp mostrou que 30% de 720 mamografias da rede pública tiveram de
ser refeitas por falha técnica.
Eram exames de rotina de mulheres sem suspeita de tumor.
Também houve casos falso-positivos, que levaram a biopsias desnecessárias. "Com a
imagem ruim, aparecem artefatos, imagens não-reais."
E há o desperdício. "O SUS
paga por um exame e ele tem de
ser repetido, é um absurdo", diz
Fernando Moreira, do Colégio
Brasileiro de Radiologia (CBR).
O radiologista Aron Belfer,
co-autor de um livro sobre problemas mais comuns na mamografia, diz ser comum achar digitais e sujeira nos filmes, que
geram imagens irreais semelhantes a calcificações pré-tumor. "É o dedão do técnico, resto de comida ingerida na câmara escura, poeira. Boa parte dos
problemas poderia ser resolvida com limpeza adequada."
Moreira, do CBR, lembra que
outros fatores, como cirurgias
plásticas e implantes de silicone, também contribuem para o
não-diagnóstico do câncer.
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