São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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Erro na mamografia põe laudos em xeque

No Instituto Nacional de Câncer, 60% dos exames tiveram de ser refeitos por falhas no equipamento, na execução ou na leitura

Problemas como resto de comida e digitais nos filmes podem esconder tumor ou apontar nódulo inexistente, o que prejudica diagnóstico


CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma série de falhas nas mamografias feitas nas redes pública e privada do país coloca em xeque os resultados dos exames. Problemas que vão de sujeiras e impressões digitais nos filmes a revelações malfeitas podem esconder o tumor ou indicar um nódulo inexistente, prejudicando o diagnóstico precoce do câncer que mais mata a mulher brasileira.
Dois estudos recentes feitos por hospitais de referência no tratamento da doença dão uma idéia da situação: no Instituto Nacional de Câncer (Inca), 60% das mamografias apresentadas por pacientes que vieram do SUS e de clínicas particulares tiveram de ser refeitas em razão da má qualidade.
No Hospital São Paulo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que recebe pacientes das unidades básicas de saúde, o índice de rejeição foi de 30%. "São chapas escuras ou claras demais, pacientes mal posicionadas, laudos incompatíveis com a imagem. Tem de tudo", afirma a mastologista Rita Darddis, coordenadora do ambulatório de alto risco de câncer da mama da Unifesp.
A médica diz que, entre os casos, houve mulheres que já estavam com tumor, mas que os laudos dos exames não indicavam o câncer. "As falhas são cometidas tanto pelos técnicos de raios X, que não posicionam bem a paciente, até pelo radiologista que emite o laudo."
No Canadá, o Programa Nacional de Controle de Câncer de Mama aceita até 3% de rejeição de mamografia. No Brasil, tolera-se um refugo de até 10%.
A mamografia, aliada ao exame clínico dos seios, é o principal meio de detecção precoce do câncer de mama. O número de casos novos esperados em 2006 no Brasil é de 48.930.
No estudo do Inca, foram analisadas 468 mamografias. Em 284 exames havia erros de posicionamento da paciente, revelações mal feitas, filmes escuros ou claros demais, chapas tremidas ou riscadas e filmes inadequados para a técnica.
Segundo a coordenadora da pesquisa, Elyete Canella, chefe do serviço de radiologia do hospital 3 do Inca, esse índice de rejeição se repete diariamente e compromete o tratamento. "Uma mamografia malfeita pode esconder lesões pequenas e dificultar o diagnóstico." Hoje, 60% do câncer da mama é diagnosticado em fase avançada.
Para Canella, nos serviços públicos, os problemas podem estar relacionados à má qualidade dos produtos utilizados. "Por conta das licitações, a compra é feita pelo menor preço. Nas mamografias, isso é sinônimo de má qualidade."

Reaproveitamento
Aliado a isso está o reaproveitamento de produtos por conta da escassez de recursos. A química usada para revelar o filme da mamografia, por exemplo, costuma ser usada várias vezes, em vez de ser descartada a cada uso. "Já nos serviços particulares, a economia visa lucro", diz.
Já o estudo da Unifesp mostrou que 30% de 720 mamografias da rede pública tiveram de ser refeitas por falha técnica. Eram exames de rotina de mulheres sem suspeita de tumor.
Também houve casos falso-positivos, que levaram a biopsias desnecessárias. "Com a imagem ruim, aparecem artefatos, imagens não-reais."
E há o desperdício. "O SUS paga por um exame e ele tem de ser repetido, é um absurdo", diz Fernando Moreira, do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR).
O radiologista Aron Belfer, co-autor de um livro sobre problemas mais comuns na mamografia, diz ser comum achar digitais e sujeira nos filmes, que geram imagens irreais semelhantes a calcificações pré-tumor. "É o dedão do técnico, resto de comida ingerida na câmara escura, poeira. Boa parte dos problemas poderia ser resolvida com limpeza adequada."
Moreira, do CBR, lembra que outros fatores, como cirurgias plásticas e implantes de silicone, também contribuem para o não-diagnóstico do câncer.


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