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Aos 188 anos, o Brás passa por uma metamorfose
Bairro, um dos mais antigos de São Paulo, cansou de ser o patinho feio da cidade
Uma geração de lojistas e
jovens estilistas começa a
transformar a paisagem
-nas vitrines, há ousadias
típicas de grifes dos Jardins
MARIANNE PIEMONTE
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA
Mutante esse Brás. Desde
sua fundação, no século 19, um
dos bairros mais antigos de São
Paulo se reinventa a cada década. Agora, aos 188 anos -completados na última quinta-feira-, encontra fôlego para encarar mais uma metamorfose.
Relegado a uma espécie de
segundo escalão geográfico, reduto de comércio popular e barato, dominado por camelôs, o
Brás se cansou de ser o patinho
feio. Uma geração de comerciantes e jovens estilistas plugados começa a transformar a
paisagem. Quem ainda imagina
a rua Miller, uma das mais importantes do comércio local,
com aqueles rolos empoeirados
de tecido e manequins desbotados com olhos de boneca na
porta definitivamente precisa
voltar ao bairro.
O que se vê são vitrines com
ousadias típicas de grifes dos
Jardins. "O Bom Retiro tem
apenas quatro ruas, nós temos
um bairro produzindo e eles é
que levam a fama", alfineta Kamal Soueid, 22, dono de duas
lojas de jeans que exportam para França, Portugal e Espanha.
Assim como o veterano Bixiga ou a jovem Vila Madalena, o
Brás quer mostrar que também
tem sua identidade, muito pouco explorada pelos paulistanos
de outras bandas. E seu DNA
não é tímido. Costura a herança
cultural e gastronômica de sicilianos e napolitanos, de espanhóis e portugueses -e, mais
recentemente, de libaneses, coreanos e bolivianos.
Nos finais de semana, o bairro costuma ser invadido por ex-moradores apaixonados e saudosistas. Gente que se encontra
para tomar chope nas mesas
das calçadas ou simplesmente
assistir às cenas típicas do Brás,
como jogar conversa fora diante da TV, sintonizada numa
partida de futebol. Afinal, justiça seja feita, foi no Brás que
Charles Miller ensaiou as primeiras pelejas no Brasil.
Nas ruas residenciais, o Brás
preserva o provincianismo como patrimônio. Senhoras ainda colocam as cadeiras na calçada, fregueses mais antigos
são chamados pelo nome nas
padarias e restaurantes.
Prestes a completar dois séculos, o Brás recebeu de aniversário a promessa de um presente: um projeto de revitalização
pretende retomar espaços públicos surrupiados pelos contrabandos dos ambulantes. Pilotada pela prefeitura em parceira com a iniciativa privada,
uma série de reformas está em
curso nos largos do Pari e da
Concórdia, na praça Agente Cícero e num dos cartões-postais
do bairro, a rua Oriente.
Com previsão de investimento de R$ 3 milhões nos próximos seis meses, o bairro mais
árido de São Paulo pode ganhar
de volta 16.256 m2 de área pública, com cerca de 230 árvores
e jardins, o que representaria
um espaço do tamanho da praça da República. Se ficar aprumado assim, talvez atraia olhares. Mas, enquanto o efeito cisne não vem, o Brás preserva essa toada, quase caipira.
Em tempos de guerra urbana
e invasões bárbaras, a simplicidade pode ser uma bênção.
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