São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aos 188 anos, o Brás passa por uma metamorfose

Bairro, um dos mais antigos de São Paulo, cansou de ser o patinho feio da cidade

Uma geração de lojistas e jovens estilistas começa a transformar a paisagem -nas vitrines, há ousadias típicas de grifes dos Jardins


MARIANNE PIEMONTE
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA

Mutante esse Brás. Desde sua fundação, no século 19, um dos bairros mais antigos de São Paulo se reinventa a cada década. Agora, aos 188 anos -completados na última quinta-feira-, encontra fôlego para encarar mais uma metamorfose.
Relegado a uma espécie de segundo escalão geográfico, reduto de comércio popular e barato, dominado por camelôs, o Brás se cansou de ser o patinho feio. Uma geração de comerciantes e jovens estilistas plugados começa a transformar a paisagem. Quem ainda imagina a rua Miller, uma das mais importantes do comércio local, com aqueles rolos empoeirados de tecido e manequins desbotados com olhos de boneca na porta definitivamente precisa voltar ao bairro.
O que se vê são vitrines com ousadias típicas de grifes dos Jardins. "O Bom Retiro tem apenas quatro ruas, nós temos um bairro produzindo e eles é que levam a fama", alfineta Kamal Soueid, 22, dono de duas lojas de jeans que exportam para França, Portugal e Espanha.
Assim como o veterano Bixiga ou a jovem Vila Madalena, o Brás quer mostrar que também tem sua identidade, muito pouco explorada pelos paulistanos de outras bandas. E seu DNA não é tímido. Costura a herança cultural e gastronômica de sicilianos e napolitanos, de espanhóis e portugueses -e, mais recentemente, de libaneses, coreanos e bolivianos.
Nos finais de semana, o bairro costuma ser invadido por ex-moradores apaixonados e saudosistas. Gente que se encontra para tomar chope nas mesas das calçadas ou simplesmente assistir às cenas típicas do Brás, como jogar conversa fora diante da TV, sintonizada numa partida de futebol. Afinal, justiça seja feita, foi no Brás que Charles Miller ensaiou as primeiras pelejas no Brasil.
Nas ruas residenciais, o Brás preserva o provincianismo como patrimônio. Senhoras ainda colocam as cadeiras na calçada, fregueses mais antigos são chamados pelo nome nas padarias e restaurantes.
Prestes a completar dois séculos, o Brás recebeu de aniversário a promessa de um presente: um projeto de revitalização pretende retomar espaços públicos surrupiados pelos contrabandos dos ambulantes. Pilotada pela prefeitura em parceira com a iniciativa privada, uma série de reformas está em curso nos largos do Pari e da Concórdia, na praça Agente Cícero e num dos cartões-postais do bairro, a rua Oriente.
Com previsão de investimento de R$ 3 milhões nos próximos seis meses, o bairro mais árido de São Paulo pode ganhar de volta 16.256 m2 de área pública, com cerca de 230 árvores e jardins, o que representaria um espaço do tamanho da praça da República. Se ficar aprumado assim, talvez atraia olhares. Mas, enquanto o efeito cisne não vem, o Brás preserva essa toada, quase caipira.
Em tempos de guerra urbana e invasões bárbaras, a simplicidade pode ser uma bênção.


Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: Raio-X
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.