São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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ANÁLISE

O castigo físico e o direito de impor disciplina

FRANK FUREDI
ESPECIAL PARA "SPIKED'

É um sinal dos tempos que a maior parte dos comentaristas britânicos considere que a Lei da Criança aprovada pela Câmara dos Lordes seja "amena" ou "um entendimento sensato".
A lei responsabiliza criminalmente os pais que punirem seus filhos com mais do que um leve tapa. Os pais estão ameaçados de processo e de sentença de prisão caso a palmada gere arranhões ou marcas. A razão para que muitos considerem esse novo poder de policiar a família como um entendimento é porque não se confia mais nos pais como agentes da punição de seus filhos.
A campanha contra as palmadas é conduzida por uma agenda mais ampla, cujo objetivo é restringir o direito paterno de impor disciplina às crianças. A suposição é de que na maior parte dos casos punições paternas como essas têm efeitos daninhos.
Pesquisas feitas nos dois lados do Atlântico indicam que uma maioria significativa de pais continua a usar punições físicas para regular o comportamento dos filhos. Os ativistas que combatem as palmadas reconhecem que sua principal tarefa é forçar os pais à defensiva, conduzindo uma campanha de propaganda contra eles.
Os ativistas que combatem as palmadas muitas vezes são propelidos pela animosidade a toda forma de criação mais rígida de filhos. Sua oposição ao castigo físico se vincula a uma hostilidade mais ampla contra o que vêem como estilos autoritários dos pais.
Um argumento usado para solapar a autoridade paterna é a alegação de que aquilo que é inaceitável entre os adultos não deveria ser usado contra as crianças.
O que os ativistas estão dizendo, na verdade, é que deveríamos renunciar a toda tentativa de impor a vontade paterna às crianças, e em lugar disso negociar com elas como se fossem adultos razoáveis.
No mundo real, os pais têm de fazer muitas coisas para seus filhos que não sonhariam em fazer por outro adulto. Pais que jamais ordenaram que um adulto fosse dormir não têm dificuldade em instruir seus filhos a ir para a cama às 19h em ponto. Pais que verificam se os traseiros de seus filhos estão limpos provavelmente não fazem o mesmo com pessoas de suas idades. As palmadas são apenas uma das muitas técnicas de criação de filhos que não são usadas entre adultos.
Pode haver bons argumentos morais contrários ao castigo físico de crianças, mas eles não estão no reino da pesquisa científica. A despeito de numerosos estudos, ninguém obteve sucesso em provar uma relação causal entre palmadas e prejuízos para crianças.
Uma razão para que as pesquisas não tenham conseguido fornecer munição ao lobby de oposição aos castigos físicos é que os efeitos dos estilos de criação de filhos são variáveis. Os resultados dependem da qualidade do relacionamento entre pais e filhos, de circunstâncias econômicas e sociais e de expectativas culturais.
Existem até alguns indícios sugerindo que, em determinadas situações, as palmadas podem ser uma ferramenta disciplinar efetiva. Em 1996, o psicólogo Robert Larzelere publicou uma revisão abrangente da literatura existente sobre castigos físicos. Ele concluiu que não havia indícios convincentes de que as palmadas não abusivas prejudicassem as crianças. Também concluiu que nenhuma outra técnica disciplinar, incluindo castigos e suspensão de privilégios, era mais efetiva do que a punição física para obter a obediência de crianças com menos de 13 anos.
As conclusões de Larzelere foram confirmadas pelo trabalho da psicóloga Diana Baumrind, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Baumrind, que inovou o conceito de autoritarismo paterno, alega que os pais autoritários são calorosos e interessados, e que nesse contexto uma palmada não tem efeito prejudicial.
A abordagem de Baumrind oferece um antídoto eficaz contra a certeza dogmática dos fanáticos. O principal mérito de seu trabalho é que ela sublinha o contexto no qual as ações disciplinares são conduzidas. O argumento da psicóloga é que os métodos disciplinares são mediados pela percepção das crianças quanto à legitimidade deles. No contexto de uma relação calorosa e próxima, as crianças são capazes de compreender a imposição de autoridade, mesmo com uma palmada ocasional.
O desfecho de um ato de disciplina está estreitamente vinculado à forma pela qual a criança experimenta seu relacionamento. É por isso que a mãe e o pai estão na melhor posição para determinar que forma de punição é apropriada para a criança.
A cruzada contra as palmadas já obteve sucesso ao estigmatizar a idéia de disciplina paterna, colocando os pais e as mães na defensiva. À medida que os pais se tornam ainda mais confusos quanto às maneiras de impor disciplina aos seus filhos, as crianças, igualmente, se confundirão quanto ao que se espera da parte delas. Os únicos beneficiários dessa poderosa cruzada são os lobistas profissionais cujo negócio é salvar as crianças de seus próprios pais.


Frank Furedi escreveu "Paranoid Parenting: Why Ignoring the Experts May Be Best for Your Child" [Pais paranóicos: Por que ignorar os especialistas pode ser melhor para seu filho], A Cappella Publishing, 2002


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