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No Itaim, idosa colecionava lixo em casa
Espanhola de 80 anos diz ter recolhido todo tipo de entulho durante 18 anos e guardado; ela e o filho foram detidos
Após 16 h de trabalhos,
prefeitura retirou mais de
20 caminhões de resíduos;
por falta de espaço, dona
dormia num Fiat 147
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um gari equipado com máscara antigases sai da casa da espanhola Maria Violeta Rodriguez, 80, dizendo que é impossível ficar muito tempo lá dentro. Violeta ficou 18 anos.
Esse é o tempo que ela teria
gasto para acumular mais de 20
caminhões de lixo: os garis só
conseguiram chegar à sala-de-estar depois de cerca de oito
horas de limpeza, segundo a Vigilância Sanitária.
"A princípio, tínhamos uma
fresta de apenas 20 cm de largura para entrar na casa", explica Maria Alice Ferreira, chefe
da unidade de varrição pública.
Segundo a vizinhança, Violeta costumava sair de casa à noite, sempre por volta das 22h,
para explorar as latas de lixo do
bairro, o Itaim Bibi, na zona
oeste. Voltava com restos de
comida, garrafas vazias, quadros sem molduras, panos velhos e até pólvora; o produto da
coleta era entulhado pelos cômodos da casa.
Por falta de espaço, Violeta
dormia em um Fiat 147 verde-metálico, ano 1980, de propriedade do filho.
Os vizinhos já haviam reclamado do forte odor para a Vigilância Sanitária, mas, dizem,
nunca se tomou nenhuma providência. "Cansamos de denunciar, mas ninguém fazia nada.
Há uns 15 anos convivemos
com esse mau cheiro", afirma a
doceira Iolanda Machado Leite, que mora ao lado.
No domingo, depois de cinco
dias sem ver Violeta e temendo
que ela estivesse morta, uma
moradora deu queixa à polícia.
"Eu não delatei ninguém",
nega a taróloga Celene Wali,
propondo jogar búzios para a
reportagem. "Foi ela sim!", afirmam alguns vizinhos.
A delegada Maria Aparecida
Resende Corsato, do 15º DP, diz
que a invasão da casa é legítima,
já que o odor no local punha em
risco a saúde da comunidade.
"O interesse privado não pode estar acima do público", afirma Aparecida, que recomendou aos repórteres jogar os sapatos fora, para evitar contaminação, e declarou que iria às lojas Marisa comprar "um moletom baratinho para vestir".
Quando a polícia entrou no
local, Violeta estava na casa do
filho, no Guarujá. Ela soube da
invasão por uma neta que ouviu a notícia no rádio. Como a
senhora se sentiu?
"Não estou entendendo nada, imagina. Isso é crime, vou
processar", repete, indignada,
Violeta, que foi detida junto
com o filho, o mecânico Juan
Maurício Salgado, 40, dono das
cinco carcaças de motos encontradas no local.
"Eu ia fazer uma arrumação
esta semana e jogar fora o que
não prestasse", garante Violeta.
Muito nervoso, caminhando
de um lado para o outro, Salgado se descontrola tentando justificar o entulho. "Mamãe é assim, não tem o que dizer. O que
vocês querem que eu faça?"
Violeta, que guardava em casa ainda as escrituras de 16
imóveis, afirma que vasculhava
o lixo porque às vezes não tinha
dinheiro para comer.
"O IPTU está caríssimo",
queixa-se ela, que guardava
também cerca de 25 mil pesetas, moeda espanhola fora de
circulação.
Segundo a delegada, Violeta e
o filho já têm passagem pela polícia por pequenos furtos. Eles
serão indiciados por crime contra a saúde pública, exposição
da vida alheia a perigo iminente
e posse de artefato explosivo.
"Pensando bem, a senhora
vai ser presa!", resolve a delegada, depois de folhear o código
penal e descobrir que guardar
explosivos em casa dá cadeia.
Violeta examina Aparecida
com expressão de pouco caso e
bufa. "Mierda!"
"Mamãe nem sabe o que é isso [pólvora]. Ela catava qualquer coisa", diz Salgado. A delegada acaba voltando atrás.
A senhora não tinha medo de
dormir com ratos (que, de acordo com a varrição, tinham tamanho de gatos)?
"Não tenho medo de nada."
E de ser presa?
"O quê!?"
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