São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 2006

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No Itaim, idosa colecionava lixo em casa

Espanhola de 80 anos diz ter recolhido todo tipo de entulho durante 18 anos e guardado; ela e o filho foram detidos

Após 16 h de trabalhos, prefeitura retirou mais de 20 caminhões de resíduos; por falta de espaço, dona dormia num Fiat 147

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um gari equipado com máscara antigases sai da casa da espanhola Maria Violeta Rodriguez, 80, dizendo que é impossível ficar muito tempo lá dentro. Violeta ficou 18 anos.
Esse é o tempo que ela teria gasto para acumular mais de 20 caminhões de lixo: os garis só conseguiram chegar à sala-de-estar depois de cerca de oito horas de limpeza, segundo a Vigilância Sanitária.
"A princípio, tínhamos uma fresta de apenas 20 cm de largura para entrar na casa", explica Maria Alice Ferreira, chefe da unidade de varrição pública.
Segundo a vizinhança, Violeta costumava sair de casa à noite, sempre por volta das 22h, para explorar as latas de lixo do bairro, o Itaim Bibi, na zona oeste. Voltava com restos de comida, garrafas vazias, quadros sem molduras, panos velhos e até pólvora; o produto da coleta era entulhado pelos cômodos da casa.
Por falta de espaço, Violeta dormia em um Fiat 147 verde-metálico, ano 1980, de propriedade do filho.
Os vizinhos já haviam reclamado do forte odor para a Vigilância Sanitária, mas, dizem, nunca se tomou nenhuma providência. "Cansamos de denunciar, mas ninguém fazia nada. Há uns 15 anos convivemos com esse mau cheiro", afirma a doceira Iolanda Machado Leite, que mora ao lado.
No domingo, depois de cinco dias sem ver Violeta e temendo que ela estivesse morta, uma moradora deu queixa à polícia.
"Eu não delatei ninguém", nega a taróloga Celene Wali, propondo jogar búzios para a reportagem. "Foi ela sim!", afirmam alguns vizinhos.
A delegada Maria Aparecida Resende Corsato, do 15º DP, diz que a invasão da casa é legítima, já que o odor no local punha em risco a saúde da comunidade.
"O interesse privado não pode estar acima do público", afirma Aparecida, que recomendou aos repórteres jogar os sapatos fora, para evitar contaminação, e declarou que iria às lojas Marisa comprar "um moletom baratinho para vestir".
Quando a polícia entrou no local, Violeta estava na casa do filho, no Guarujá. Ela soube da invasão por uma neta que ouviu a notícia no rádio. Como a senhora se sentiu?
"Não estou entendendo nada, imagina. Isso é crime, vou processar", repete, indignada, Violeta, que foi detida junto com o filho, o mecânico Juan Maurício Salgado, 40, dono das cinco carcaças de motos encontradas no local.
"Eu ia fazer uma arrumação esta semana e jogar fora o que não prestasse", garante Violeta.
Muito nervoso, caminhando de um lado para o outro, Salgado se descontrola tentando justificar o entulho. "Mamãe é assim, não tem o que dizer. O que vocês querem que eu faça?"
Violeta, que guardava em casa ainda as escrituras de 16 imóveis, afirma que vasculhava o lixo porque às vezes não tinha dinheiro para comer.
"O IPTU está caríssimo", queixa-se ela, que guardava também cerca de 25 mil pesetas, moeda espanhola fora de circulação.
Segundo a delegada, Violeta e o filho já têm passagem pela polícia por pequenos furtos. Eles serão indiciados por crime contra a saúde pública, exposição da vida alheia a perigo iminente e posse de artefato explosivo.
"Pensando bem, a senhora vai ser presa!", resolve a delegada, depois de folhear o código penal e descobrir que guardar explosivos em casa dá cadeia.
Violeta examina Aparecida com expressão de pouco caso e bufa. "Mierda!"
"Mamãe nem sabe o que é isso [pólvora]. Ela catava qualquer coisa", diz Salgado. A delegada acaba voltando atrás.
A senhora não tinha medo de dormir com ratos (que, de acordo com a varrição, tinham tamanho de gatos)?
"Não tenho medo de nada."
E de ser presa?
"O quê!?"


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