São Paulo, domingo, 11 de julho de 2010

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ANÁLISE

"Bolha" conforta, mas não livra shopping de mazela das ruas

ROSEMERE MAIA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ilha de segurança, cápsula de proteção, espaço extraterritorial. Muitas podem ser as denominações que conferem ao shopping center o caráter de ambiente asséptico, imune à violência e ao crime. Os recentes episódios, entretanto, talvez sirvam para nos fazer refletir sobre a propriedade do discurso que vê eficácia nos mecanismos de segurança em tais equipamentos.
O "olho do poder" apresenta-se nos shoppings como estratégia contemporânea, cada vez mais sofisticada, e não necessariamente "mantida na clandestinidade" ou camuflada. A bem da verdade, chega-se a anunciá-la ironicamente, como nos cartazes com a frase "Sorria, você está sendo filmado!", ou nos emblemas usados pelos seguranças onde se lê a pergunta: "Posso ajudar?"
Essa última estratégia, que à primeira vista deixa transparecer uma espécie de gentileza, é uma demonstração do poder do "Big Brother" que se pretende onipresente, onisciente e onividente.
Para os frequentadores, o diferencial é a prevenção, com inibição de roubos ou outras ações criminosas. Esses mecanismos, no entanto, reforçam a segregação espacial e os processos de discriminação e exclusão social.

REDOMA?
É comum nos depararmos com situações marcadas pelo constrangimento, sobretudo em relação àqueles que, pela aparência, não são identificados como consumidores.
Apesar de todo o esforço em contrário empreendido pelos administradores e lojistas -e do desejo de muitos frequentadores-, os shoppings não estão apartados do contexto citadino, não podem ser encarados como uma "redoma de vidro".
Não há como se manterem imunes às mazelas existentes na cidade, aos conflitos emanados das relações estabelecidas entre os segmentos sociais, relações estas pautadas em toda sorte de desigualdade e contradições.
AMBIGUIDADES
A crescente publicização dos shoppings tem produzido ambiguidade quanto à sua situação no intermédio entre o público e o privado.
Muitos tendem a considerá-los como espaços públicos, o que não significa, necessariamente, percebê-los como espaços de igualdade dada sua lógica segregacionista.
Essa publicização também pode torná-los mais permeáveis ao inusitado, ao imprevisto, ao "descontrolado", ao violento, posto serem estas as melhores qualificações para as ruas.
Contudo, muitos percebem nessas manifestações de descontrole e violência, de imprevisibilidade, uma potencialidade menor do que as verificadas em outras áreas da cidade, em razão do olhar ostensivo exercido por toda sorte de mecanismos de segurança.

EXCESSOS
Quanto aos possíveis excessos cometidos pelos seguranças contra os segmentos indesejáveis, não necessariamente criminosos, são justificados como "violência defensiva" e, o que é pior, encenados de modo a provocar um sentimento de concordância por parte de outros frequentadores, como se houvesse sempre uma grave ameaça à pessoa, à ordem e ao patrimônio.

ROSEMERE MAIA é professora da UFRJ, pesquisadora da FAPERJ e do CNPq



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