São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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DANUZA LEÃO

Prazeres inesquecíveis

Entrei numas de saudosismo (mas daqui a pouco passa) e acordei hoje pensando nas comidas da minha infância.
No interior, a variedade não era tão grande assim, mas existiam certos rituais: sexta-feira era dia de comer peixe, e domingo, dia de arroz de forno.
O arroz era normal, mas enfeitado com rodelas de tomate e de ovo cozido. E o acabamento era de pó de rosca. Acompanhando, um pernil de porco assado, coberto por fatias bem finas de limão. O arroz e o pernil eram sempre iguais, mas esse almoço de domingo era sempre uma emoção, até porque nesse dia se almoçava mais tarde, às duas horas. As sobremesas eram sempre compotas das frutas mais corriqueiras -de jaca, de laranja-da-terra-, banana-da-terra frita ou arroz-doce polvilhado de canela.
Durante a semana, tinha sempre um bolo, e minha melhor recordação era um feito no tabuleiro, coberto com uma pasta de açúcar cristalizado e limão. Não tenho nenhuma recordação de chocolate na minha infância, mas, em compensação, o açúcar cristalizado se comia puro, na colher, de tão bom.
Um dia meus pais fizeram uma viagem ao Rio de Janeiro e me levaram; foi quando tive meu primeiro deslumbramento culinário. Fomos a um restaurante -o primeiro da minha vida-, e comi um prato extraordinário: um filé a cavalo.
Mas não era um filé qualquer: na base do prato, uma folha de alface, depois a carne, em cima dela uma rodela de tomate, depois um ovo estrelado e, coroando tudo, uma azeitona. Como acompanhamento, petit-pois de lata, coisa que, como a azeitona, eu nunca havia visto na vida. Azeitona e petit-pois, que maravilha! Quando voltamos para casa, quase enlouqueci a empregada, pois queria comer filé a cavalo todos os dias -e com todos os enfeites. Mas o petit-pois e a azeitona ficaram para depois: não havia nas boas casas do ramo.
Quando tinha dez anos, viemos morar no Rio, e aí fui apresentada a coisas muito requintadas (apresentada é modo de dizer -eu só olhava). Eram as tortas nas vitrines das confeitarias, cobertas de creme e enfeitadas de cerejas. Ah, que vontade de comer um pedaço daquela torta! Mas elas não eram vendidas em pedaços, só inteiras, e aí, já viu. Quando fiz 12 anos, negociei: no lugar de um presente de aniversário, queria ganhar uma torta daquelas. Mau negócio: a torta não tinha gosto de nada, vivendo e aprendendo.
No Rio, podia-se comprar petit-pois em lata e, no armário da cozinha, havia sempre umas três; quando eu levava uma amiguinha para almoçar -e só nessas ocasiões-, minha mãe dizia à empregada: "Faça dois ovos fritos com petit-pois". E ainda acrescentava: "Na manteiga". Sim, porque naquele tempo ainda se usava banha para cozinhar, e manteiga era mais sofisticado, digamos assim.
Um dia houve um alvoroço no bairro (Copacabana): era a inauguração das Lojas Americanas, que tinha ao lado uma lanchonete. Foi lá que comecei a conhecer, verdadeiramente, as boas coisas da vida.
Era difícil fazer o pedido, pois eram coisas -e muitas- de que jamais havia ouvido falar. A primeira delas: cachorro-quente e Coca-Cola. O cachorro-quente custava 1 -um o quê?-, e a Coca-Cola também 1; mas, se pedisse os dois, saía tudo por 1,50; fiquei deslumbrada.
Mas tinha mais: os sundaes cobertos de calda de caramelo e castanhas de caju picadas e o banana-split. Para quem não sabe, eram três bolas de sorvete com calda de marshmallow e, no fundo, uma fatia de banana. Que fantástico! Eu esperava a semana inteira para poder ir a esse lugar dos deuses comer essas coisas divinas -o que só acontecia aos sábados.
Nem a primeira vez que comi caviar, nem a primeira vez que comi uma trufa inteira envolta em massa folheada com molho da própria trufa me fizeram sentir a emoção do meu primeiro banana-split.
Saudade das Lojas Americanas?
Não: saudade de mim.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br



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