São Paulo, sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

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BARBARA GANCIA

Baderna ou serviço de utilidade pública?


Aos que criticaram a manifestação em Brasília, eu pergunto: faz diferença saber quem a organizou?

ANDO SENTINDO um certo desconforto que não tem nada a ver com o excesso de panetone ingerido nestes últimos dias do ano ou com os abusos cometidos nas festinhas de amigo secreto.
Meu estômago acusou os primeiros sinais de irritação há coisa de uma semana, quando ouvi um nome do qual já nem me lembrava mais: Harry Shibata. O médico legista que causava arrepios em quem viveu os anos do regime militar voltou ao noticiário em razão de denúncia de ocultação de cadáveres, só agora aceita pelo Ministério Público.
Jesus Cristo! Harry Shibata ainda anda por aí? O que terá feito de bom nestes anos todos? Terá netos, amigos, antigos colegas de trabalho que ligam na data de seu aniversário para lhe dar os parabéns? Será que vai à farmácia e ao supermercado? As pessoas ainda se lembrarão dele quando ouvem seu nome? A quantos ele revelará sua identidade com alguma dose de paz de espírito?
Na noite de quarta, à aflição causada pela lembrança do médico que para sempre terá seu nome vinculado à tortura dos anos de chumbo, adicionei as imagens da violência praticada pela PM de Brasília contra os manifestantes que pediam o impeachment do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do Democratas.
Desde os tempos da repressão barra-pesada não se viam imagens tão fortes. Está certo que baderneiro tem de ser disciplinado e não se pode negar que o protesto tenha sido organizado por entidades de classe, estudantes ligados a grupos de extrema esquerda e militantes de partidos que não demonstraram a mesma indignação na época do mensalão do PT.
Não existe rigorosamente nenhuma diferença entre os dólares na cueca do irmão do deputado Genoino e os amontoados de notas de real manipulados indecorosamente pelo governador do Distrito Federal e seus comparsas.
Mas teve gente que criticou duramente a manifestação. A eles eu pergunto: para a sociedade, será que faz diferença saber quem organizou o protesto? Alguém por acaso faz questão de cobrar retroativamente dos que tomaram borrachada e foram pisoteados pela cavalaria na tarde de quarta-feira se eles também foram para a praça contra os mensaleiros do PT?
O importante não foi ter conseguido produzir algum tipo de intimidação contra os políticos eternamente insulados que operam em Brasília?
Não foi o fato de que, ao ver aquela molecada lá protestando contra Arruda, você também, meu dileto leitor, se sentiu satisfatoriamente representado?
Não foi nem mesmo preciso esperar janeiro chegar. O Fla-Flu eleitoral já botou seu bloco na rua e saiu a toda. Noutro dia, cometi a singeleza de dizer no meu blog que a população de São Paulo que joga lixo na rua também é responsável pelas inundações. Para quê? Fui praticamente linchada pelos militantes de cabresto invisível que me acusaram de poupar as autoridades, principalmente o prefeito. A temporada do maniqueísmo de oportunidade já foi escancarada.
Qualquer coisa que se diga daqui até as eleições de outubro próximo será interpretada ao gosto da ideologia de quem ouve.

barbara@uol.com.br

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