São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

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CEGONHA DE RISCO

Para representante de organização internacional, taxas praticadas por operadoras de saúde são "absurdas"

OMS critica Brasil por excesso de cesáreas

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

As taxas de cesáreas praticadas por planos e seguros-saúde brasileiros, de 80%, são "absurdas" e refletem o quanto o país está distante de oferecer uma assistência de qualidade à mulher.
A avaliação é do médico obstetra Antonio Horacio Toro Ocampo, representante no Brasil da Opas (Organização Panamericana de Saúde) -escritório regional da OMS (Organização Mundial da Saúde). Segundo relatório da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), divulgado ontem pela Folha, 79,7% dos partos realizados no sistema suplementar são cesáreas. Na rede pública, o índice é de 27%.
Para ele, a redução de 15% em três anos na taxa de cesáreas, proposta pela ANS aos planos e seguros-saúde, é insuficiente.
Conforme o pacto que a ANS pretende firmar com as operadoras de saúde, o índice de cesáreas ficaria em 68%. Segundo Ocampo, a OMS considera aceitável que de 10% a 15% dos partos sejam cesáreas, em razão das eventuais complicações que podem surgir durante a gravidez.
"Os atuais índices [das cesáreas] dos hospitais privados no Brasil são absurdos, inaceitáveis, extremamente elevados e fogem totalmente da indicação obstétrica. Quase nenhuma mulher consegue se livrar [das cesarianas]."
Em algumas regiões do país, especialmente na Sul e na Sudeste, ocorre uma cesárea a cada dois partos. "Isso reflete problemas na assistência desde o pré-natal. Implica riscos desnecessários."
Entre os riscos à gestante estão hemorragias e infecções, que elevam em três vezes as chances de mortalidade materna, segundo estudos internacionais. Para o bebê, os principais riscos são problemas respiratórios relacionados à prematuridade.
Na opinião de Ocampo, o cenário brasileiro só será mudado quando as universidades sensibilizarem os estudantes de medicina de que a cesárea não é o melhor para a mulher. "O nascimento não pode ser encarado como um comércio, mas sim como um ato humano muito nobre." Além disso, defende o médico, é preciso que as mulheres sejam conscientizadas de que o parto vaginal é muito mais vantajoso.

Mudanças
Segundo o obstetra Nilson Roberto de Melo, presidente da Febrasgo (entidade que reúne as sociedades de ginecologia e obstetrícia), as metas propostas pela ANS "são melhores do que nada". "O assunto é complexo, e as mudanças devem ser graduais."
Para o médico, o fato de no passado a cesariana já ter sido mais bem remunerada do que o parto normal foi um dos fatores que estimularam a "cultura da cesárea". Somado a isso estariam a falta de qualificação médica provocada pelo boom de faculdades de medicina no país e a redução do treinamento obstétrico. "Os planos de saúde estão interessados em mão-de-obra barata. E, muitas vezes, esse tipo de profissional não está treinado para fazer um parto vaginal com segurança."
Outra questão seria a preferência das mulheres pela cesárea em razão de mitos como a redução da sexualidade após o parto vaginal. "A paciente não quer e, por conveniência, o médico acaba aceitando em fazer a cesárea."
Segundo José Luiz Gomes do Amaral, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), é complicado aplicar índices de redução para as cesáreas. "Essa história de premiar as instituições pode criar um clima de inibição na indicação de cesáreas para situações em que elas sejam realmente necessárias."
Ele discorda que a falta de educação médica seja um fator importante para o excesso de cesarianas. "A maioria dos médicos atua no sistema público e no privado. Por que ele estaria apto a fazer parto vaginal no público e não no privado?", questiona.
Amaral diz que os planos de saúde poderiam ajudar a reverter os índices oferecendo mais estímulo ao médico tanto do ponto de vista financeiro (pagando melhor o parto vaginal) como no aspecto de humanização no parto.
Para o obstetra Carlos Alberto Montenegro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, as brasileiras preferem a cesárea por entenderem que ela preserva mais a feminilidade. "Se não houvesse preferência, não vingaria [o excesso de cesáreas]", afirma.


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