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CEGONHA DE RISCO
Para representante de organização internacional, taxas praticadas por operadoras de saúde são "absurdas"
OMS critica Brasil por excesso de cesáreas
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
As taxas de cesáreas praticadas
por planos e seguros-saúde brasileiros, de 80%, são "absurdas" e
refletem o quanto o país está distante de oferecer uma assistência
de qualidade à mulher.
A avaliação é do médico obstetra Antonio Horacio Toro Ocampo, representante no Brasil da
Opas (Organização Panamericana de Saúde) -escritório regional da OMS (Organização Mundial da Saúde). Segundo relatório
da ANS (Agência Nacional de
Saúde Suplementar), divulgado
ontem pela Folha, 79,7% dos partos realizados no sistema suplementar são cesáreas. Na rede pública, o índice é de 27%.
Para ele, a redução de 15% em
três anos na taxa de cesáreas, proposta pela ANS aos planos e seguros-saúde, é insuficiente.
Conforme o pacto que a ANS
pretende firmar com as operadoras de saúde, o índice de cesáreas
ficaria em 68%. Segundo Ocampo, a OMS considera aceitável que
de 10% a 15% dos partos sejam cesáreas, em razão das eventuais
complicações que podem surgir
durante a gravidez.
"Os atuais índices [das cesáreas]
dos hospitais privados no Brasil
são absurdos, inaceitáveis, extremamente elevados e fogem totalmente da indicação obstétrica.
Quase nenhuma mulher consegue se livrar [das cesarianas]."
Em algumas regiões do país, especialmente na Sul e na Sudeste,
ocorre uma cesárea a cada dois
partos. "Isso reflete problemas na
assistência desde o pré-natal. Implica riscos desnecessários."
Entre os riscos à gestante estão
hemorragias e infecções, que elevam em três vezes as chances de
mortalidade materna, segundo
estudos internacionais. Para o bebê, os principais riscos são problemas respiratórios relacionados
à prematuridade.
Na opinião de Ocampo, o cenário brasileiro só será mudado
quando as universidades sensibilizarem os estudantes de medicina de que a cesárea não é o melhor
para a mulher. "O nascimento
não pode ser encarado como um
comércio, mas sim como um ato
humano muito nobre." Além disso, defende o médico, é preciso
que as mulheres sejam conscientizadas de que o parto vaginal é
muito mais vantajoso.
Mudanças
Segundo o obstetra Nilson Roberto de Melo, presidente da Febrasgo (entidade que reúne as sociedades de ginecologia e obstetrícia), as metas propostas pela ANS
"são melhores do que nada". "O
assunto é complexo, e as mudanças devem ser graduais."
Para o médico, o fato de no passado a cesariana já ter sido mais
bem remunerada do que o parto
normal foi um dos fatores que estimularam a "cultura da cesárea".
Somado a isso estariam a falta de
qualificação médica provocada
pelo boom de faculdades de medicina no país e a redução do treinamento obstétrico. "Os planos
de saúde estão interessados em
mão-de-obra barata. E, muitas
vezes, esse tipo de profissional
não está treinado para fazer um
parto vaginal com segurança."
Outra questão seria a preferência das mulheres pela cesárea em
razão de mitos como a redução da
sexualidade após o parto vaginal.
"A paciente não quer e, por conveniência, o médico acaba aceitando em fazer a cesárea."
Segundo José Luiz Gomes do
Amaral, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), é
complicado aplicar índices de redução para as cesáreas. "Essa história de premiar as instituições
pode criar um clima de inibição
na indicação de cesáreas para situações em que elas sejam realmente necessárias."
Ele discorda que a falta de educação médica seja um fator importante para o excesso de cesarianas. "A maioria dos médicos
atua no sistema público e no privado. Por que ele estaria apto a fazer parto vaginal no público e não
no privado?", questiona.
Amaral diz que os planos de
saúde poderiam ajudar a reverter
os índices oferecendo mais estímulo ao médico tanto do ponto
de vista financeiro (pagando melhor o parto vaginal) como no aspecto de humanização no parto.
Para o obstetra Carlos Alberto
Montenegro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, as brasileiras preferem a cesárea por entenderem que ela preserva mais a
feminilidade. "Se não houvesse
preferência, não vingaria [o excesso de cesáreas]", afirma.
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