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Noveleiros sim, e daí?
Apesar de 40% do público de novelas ser formado por homens, poucos admitem que seguem as tramas por causa do medo de serem tachados de pouco viris
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA
Luís Roberto Lopes passa o dia
disparando golpes como "armlock" (chave de braço) e mata-leão (estrangulamento). À noite, o
professor de jiu-jitsu e muay thai,
o boxe tailandês, troca o tatame
pelo sofá. Golpe só com os dedos,
para aumentar ou abaixar o som
da televisão em seu momento de
sossego doméstico: a hora de assistir a "Belíssima".
Em matéria de novela, pode-se
brincar que Luiz, 34, é um bofe
que saiu do armário. Bofe é a forma como os gays se referem a homens másculos, fortes. O jargão
gay para héteros pode parecer
provocação -e é. Mas não aos
personagens desta reportagem,
que aqui se assumem sem problemas como noveleiros convictos, e
sim à maioria masculina que teme
admitir publicamente o gosto.
O público masculino representa
38% da audiência de "Belíssima"
(e 34% de "Alma Gêmea") em São
Paulo, conforme o Ibope. Nas
qualitativas da rede, as mulheres
também relatam o maior interesse dos maridos. "O homem sempre assistiu à novela, mas dizia
que ficava na sala depois do jornal
"fazendo companhia à mulher" ou
"esperando o programa seguinte'", afirma Eneida Nogueira, diretora de pesquisa da Globo. "Hoje esse quadro mudou. Ao selecionar telespectadores para pesquisas de opinião, passamos eventualmente a montar grupos compostos só de homens."
Mas na vida real ainda é difícil
achar marmanjos que falem confortavelmente a respeito. Durante
a produção desta reportagem, sete noveleiros cancelaram a entrevista com medo de serem gozados
pelos amigos e tachados de, digamos, pouco viris.
Luís, o lutador, assume sem nenhum constrangimento. Para não
perder um capítulo da trama de
Silvio de Abreu, ele remaneja como pode sua agenda. Só não segue o folhetim à risca quando o
assunto é trabalho. Três semanas
atrás, enquanto se atracava com
outros lutadores durante uma aula, a cerca de 20 metros dali, as 14
esteiras diante da TV da academia
eram disputadas pelos alunos.
O capítulo daquela noite reservava um dos desfechos mais esperados de "Belíssima", quando a
heroína Júlia (Glória Pires) flagrava, na própria cama do casal, o
marido (Marcello Anthony) e a filha de um casamento anterior dela, Érica (Letícia Birkheuer).
O professor não ficou a ver tatames: sua mãe, Neuza, 70, gravou o
capítulo para ele. "Deu tempo de
assistir quando cheguei e ainda
comentar com ela no café da manhã", conta.
Luís diz que, na noite anterior,
até se sentiu tentado a atravessar o
corredor da galera de jiu-jitsu para dar uma espiadela na cena, mas
desistiu. "Seria motivo de gozação. Para eles, novela ainda é coisa
de mulher ou de veado."
Filho de gaúcho com japonesa,
o publicitário Vinícius Ruriki, 26,
diz que aderiu às novelas em
"Araponga" (de Dias Gomes,
1990). "Novela não é um produto
feminino. Na verdade, manter-se
informado sobre elas até ajuda na
hora do xaveco. Acho que o preconceito contra quem vê não existe mais nos dias de hoje."
Um otimista esse Vinícius.
"Não importa a classe social ou o
nível intelectual. Assumir que é
noveleiro dá motivo para te sacanearem", relata o também publicitário Leonardo Corvo, 32, único
filho homem numa família de
quatro mulheres. "Os amigos já
sabem. Só desço para a praia depois que acaba a novela.
Noveleiros, autores e estudiosos
compartilham da opinião de que
as novelas estão ganhando espaço
entre os homens por tratarem de
temas como homossexualismo e
racismo, que geram discussão,
ajudam a romper preconceitos e
ampliam o pensamento do telespectador médio brasileiro. "Cada
vez mais, as produções estão desvinculadas do estereótipo do gênero por abordar questões atuais
que interferem no dia-a-dia do telespectador", acredita Mauro
Alencar, 43, doutor em teledramaturgia pela USP e autor do livro "A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil".
O operador da BM&F Aparecido João da Silva, 38, conhecido no
pregão como Greg, concorda, citando como exemplos a questão
do casal de lésbicas, em "Senhora
do Destino", ou o michê, a miscigenação e o universo de empreendedores em "Belíssima". São assuntos, diz ele, que alimentam as
conversas com a sua mulher, a
universitária Luciana, 30.
Para a pesquisadora Maria
Lourdes Motter, do Núcleo de Telenovelas da ECA-USP, a imagem
da telenovela foi revista e valorizada como reflexo de um movimento sociológico maior: a reconfiguração do papel feminino.
"Antes, a mulher era vista como
subalterna, seu gosto era discriminado. Hoje, como ocupa uma
posição de menor desigualdade, o
que se convencionou a chamar de
"programa de mulher" não faz
mais sentido. É datado."
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