São Paulo, sábado, 12 de maio de 2007

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WALTER CENEVIVA

Roberto Carlos x Solrac Otrebor

Quanto às biografias, Roberto Carlos parece não querer que uma só delas frutifique. Tem esse direito? Não, não tem

NÃO TINHA INTENÇÃO de comentar a apreensão da biografia de Roberto Carlos. Mudei a posição, depois de ler Paulo Coelho, nesta Folha, sobre o assunto. No artigo, o autor se refere criticamente à editora por ter aceito a ofensa à liberdade de manifestação no acordo feito em juízo. A questão antes era constitucional, referente ao cerceamento do direito de expressão. Passou a ser comercial, com o recuo assustado da empresa.
A matéria merece atenção quando se ache em jogo um dos direitos individuais mais importantes, o da livre expressão, em especial se contraposto ao da inviolabilidade da honra da pessoa e de sua imagem. Lendo, porém, além de Paulo Coelho, o editorial da Folha sobre o mesmo assunto, recolhi dados novos. Verifiquei que a biografia publicada não envolve informação desairosa sobre o cantor, que nem se queixou disso. Enuncia fatos, compatíveis com a importância histórica do artista, a contar dos anos 60 do século passado.
Percorrendo o fio da navalha que separa as duas liberdades, lembro a distinção particular cabível no tema da pessoa pública. Assim se denomina o ser humano que, por atuação política, artística, esportiva ou de outra espécie de popularidade reconhecida, desperta interesse permanente na comunidade pelos fatos de seu dia-a-dia. Não se confunde com o comum homem do povo, apenas conhecido dos que lhe são próximos, para quem é pleno o direito de ser deixado só.
Roberto Carlos está no mundo artístico, com merecido destaque, há mais de 40 anos. Onde for, terá apenas intimidade relativa. Seus atos interessam a grande parte das pessoas, não havendo como limitar a difusão. Nesse caso, o direito da privacidade entra em xeque, preponderante o da livre informação, quando não viole a honra do atingido. Quanto mais expressivo o realce da pessoa pública, também será reclamada a conveniência e a oportunidade da informação a respeito.
Por maiores que sejam os méritos ou a fortuna de Roberto Carlos, melhores os valores de suas letras e composições -algumas das quais com fortes emoções religiosas-, é evidente que ele não tem direito de impedir a exposição pública que foi o norte para o qual voltou sua existência. Em se tratando de biografias, Roberto Carlos parece não querer que uma só delas frutifique. Tem esse direito? Não. Não tem.
No passado, houve tentativas escandalosas, ao que parece, de cuidar da vida do cantor. Fez bem em repeli-las. No caso recente, porém, a editora se acovardou, segundo entendi do texto de Paulo Coelho. Aceitou a censura, abandonando o direito de biografar o compositor -direito relevante para a memória histórica de um intérprete aplaudido da música nacional. A relação contratual assumida pela editora, no último caso, está resolvida.
Reaberto o cenário constitucional, havendo quem queira levar a disputa à frente no futuro, a recusa do cantor a qualquer análise biográfica dará ensejo ao reverso da moeda. O Roberto popular confrontará o Roberto recluso. Alterar-se-ão as posições, na busca do justo equilíbrio. O direito é a coordenação das relações interpessoais. Coordenação que não se confunde com o mero capricho de censura, sob desculpa de intimidade.


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