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WALTER CENEVIVA
Roberto Carlos x Solrac Otrebor
Quanto às biografias, Roberto Carlos parece não querer que uma só delas frutifique. Tem esse direito? Não, não tem
NÃO TINHA INTENÇÃO de comentar a apreensão da biografia de Roberto Carlos.
Mudei a posição, depois de ler Paulo
Coelho, nesta Folha, sobre o assunto. No artigo, o autor se refere criticamente à editora por ter aceito a
ofensa à liberdade de manifestação
no acordo feito em juízo. A questão
antes era constitucional, referente
ao cerceamento do direito de expressão. Passou a ser comercial,
com o recuo assustado da empresa.
A matéria merece atenção quando se ache em jogo um dos direitos
individuais mais importantes, o da
livre expressão, em especial se contraposto ao da inviolabilidade da
honra da pessoa e de sua imagem.
Lendo, porém, além de Paulo Coelho, o editorial da Folha sobre o
mesmo assunto, recolhi dados novos. Verifiquei que a biografia publicada não envolve informação
desairosa sobre o cantor, que nem
se queixou disso. Enuncia fatos,
compatíveis com a importância
histórica do artista, a contar dos
anos 60 do século passado.
Percorrendo o fio da navalha que
separa as duas liberdades, lembro a
distinção particular cabível no tema da pessoa pública. Assim se denomina o ser humano que, por
atuação política, artística, esportiva ou de outra espécie de popularidade reconhecida, desperta interesse permanente na comunidade
pelos fatos de seu dia-a-dia. Não se
confunde com o comum homem
do povo, apenas conhecido dos que
lhe são próximos, para quem é pleno o direito de ser deixado só.
Roberto Carlos está no mundo
artístico, com merecido destaque,
há mais de 40 anos. Onde for, terá
apenas intimidade relativa. Seus
atos interessam a grande parte das
pessoas, não havendo como limitar
a difusão. Nesse caso, o direito da
privacidade entra em xeque, preponderante o da livre informação,
quando não viole a honra do atingido. Quanto mais expressivo o realce da pessoa pública, também será
reclamada a conveniência e a oportunidade da informação a respeito.
Por maiores que sejam os méritos ou a fortuna de Roberto Carlos,
melhores os valores de suas letras e
composições -algumas das quais
com fortes emoções religiosas-, é
evidente que ele não tem direito de
impedir a exposição pública que foi
o norte para o qual voltou sua existência. Em se tratando de biografias, Roberto Carlos parece não
querer que uma só delas frutifique.
Tem esse direito? Não. Não tem.
No passado, houve tentativas escandalosas, ao que parece, de cuidar da vida do cantor. Fez bem em
repeli-las. No caso recente, porém,
a editora se acovardou, segundo
entendi do texto de Paulo Coelho.
Aceitou a censura, abandonando o
direito de biografar o compositor
-direito relevante para a memória
histórica de um intérprete aplaudido da música nacional. A relação
contratual assumida pela editora,
no último caso, está resolvida.
Reaberto o cenário constitucional, havendo quem queira levar a
disputa à frente no futuro, a recusa
do cantor a qualquer análise biográfica dará ensejo ao reverso da
moeda. O Roberto popular confrontará o Roberto recluso. Alterar-se-ão as posições, na busca do
justo equilíbrio. O direito é a coordenação das relações interpessoais. Coordenação que não se confunde com o mero capricho de censura, sob desculpa de intimidade.
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