São Paulo, terça-feira, 12 de maio de 2009

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depoimento

Não há abraços nesta redoma de temor e culpa

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Sempre vi com sarcasmo a tal teoria do abraço: abrace não sei quantas pessoas por dia e terá uma vida mais plena. Mas fui obrigada a rever meu conceito: a abstinência de abraços e cumprimentos com beijos, no dever cívico-sanitário de evitar a possível transmissão do vírus da gripe A (H1N1), está longe de ser uma experiência agradável, ainda que me faça rir.
Uma semana após passar pelo hospital Emílio Ribas, como repórter, lá estava eu na quinta-feira. No dia anterior, voltara, aparentemente sã, da minha curta passagem pela Cidade do México para relatar o transe da megalópole acossada pelo surto.
Mas foi só contar sobre a minha temporada fora e a atendente me ofereceu uma máscara cirúrgica. Eu ri. Ela ouviu quando eu disse que não tinha sintomas?
Fui atendida rapidamente, mas, como faz todo sentido a determinação do Ministério da Saúde de só fazer testes em quem apresenta sintomas, saí de lá com a mesma incerteza -a que incomoda amigos, família e colegas de trabalho- que eu carregava ao chegar.
Saí ainda com a recomendação de ser prudente: evitar aglomerações, lavar as mãos muito mais vezes do que costumo, observar sintomas e, claro, evitar os tais cumprimentos mais chegados. Vida normal? Não tão rápido...
Arrastei para minha redoma de temor e culpa os dois amigos com os quais divido apartamento. Um espirro comum numa casa com fumante -eu- na cidade poluída famosa por sua amplitude térmica deixou de ser algo tão corriqueiro e inocente.
Resgatamos do fundo da caixinha de remédios o termômetro e, entre risos, descartamos febres durante o fim de semana.
A doença parece ser menos agressiva, pelo menos até agora, mas eu lembro bem da angústia de familiares com parentes com a gripe A internados no México.
O vírus é novo e ainda imprevisível, e não posso simplesmente dar de ombros ante à obsessão ideal de controle, de resto provavelmente ineficaz, sobre o grande número de pessoas que chega do México, dos EUA, da Europa ou de quase qualquer lugar a esta altura dos fatos.
Espero os famigerados dez dias de observação passarem para eu me iludir pensando que sou totalmente dona do meu corpo de novo. Muito Foucault (o filósofo do biopoder) para poucos dias.


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