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Reitora não tem mais condições de continuar, diz Olgária Matos
DA REPORTAGEM LOCAL
A filósofa Olgária Matos é
professora titular daquela que é
considerada a faculdade vermelha da USP, a Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Aposentou-se em 2003,
mas acompanha atentamente a
vida da instituição, na qual ingressou como estudante no ano
anterior à promulgação do AI-5, em plena ditadura militar.
Considera que "a reitora não
tem mais condições políticas de
se manter no cargo", mas teme
que, de novo, "se derrube o tirano sem tocar nas razões da tirania". Abaixo, trechos da entrevista concedida ontem.
(LC)
FOLHA - O que deu errado na terça-feira?
OLGÁRIA MATOS - É inadmissível
que uma manifestação pacífica
de estudantes e funcionários
tenha de se enfrentar com a polícia dentro do campus universitário. Os manifestantes podiam até ter objetivos criticáveis -ou não-, mas, desde a
Academia de Platão até as universidades modernas, esse recinto é o único preservado da
violência policial porque é definido como o local que luta contra a violência, contra a barbárie. É o local em que se produz
conhecimento, especulações,
ciência. O local que faz parte do
repertório da humanidade para
se humanizar. Então não é o lugar que comporte a ocupação
policial contra uma manifestação de estudantes desarmados.
FOLHA - A reitoria alega que a PM
foi usada para impedir a depredação
do patrimônio público e o desrespeito ao direito de não grevistas...
MATOS - É preciso garantir o
direito de ir e vir de todos os
que participam da vida da universidade, é certo. Agora, como
se chegou a esse ponto? Parece-me que os canais de contato entre os estudantes e a reitoria ou
entre os funcionários e a reitoria estão muito precarizados.
Os funcionários apresentaram
uma pauta de reivindicações, o
que é algo obviamente legítimo.
Cabe à outra parte discuti-la.
Debatê-la. Agora, quando as
instituições universitárias não
debatem e, em vez disso, optam
por enfrentar um protesto pacífico, de pessoas desarmadas,
com o emprego de força militar, é porque têm uma sensação
muito grande de perseguição.
Alguma coisa muito séria está
acontecendo com uma universidade que se torna incapaz de
debater ideias diferentes.
FOLHA - Alunos, professores e funcionários exigem a saída da reitora...
MATOS - Do ponto de vista global da instituição, politicamente, aconteceu uma espécie de
vazio de poder. Quando se usa a
violência, é porque se perdeu a
autoridade. A universidade não
é o lugar da força ou da violência. É o lugar da autoridade...
Agora, o jogo de forças entre os
vários setores da universidade
é que vai definir os próximos
passos. Tenho certeza de que a
atitude da reitora derivou de algum aconselhamento, provavelmente de professores mais
conservadores, que a pressionaram a agir dessa maneira.
Porque ela não agiria assim
sem se sentir respaldada. O que
tudo indica é que a reitora não
tem mais condições políticas de
se manter. Na medida em que
ela usou a violência, pela simples recusa ao debate, ficou
comprometida a sua função
institucional como intelectual.
O intelectual está lá para impedir o uso das armas. Ainda assim, eu me pergunto se -de novo, e porque é mais fácil- não
se estaria derrubando o tirano,
em vez das causas da tirania.
Você pode substituir o reitor. E
depois? É por isso que existe a
luta, que não é de hoje, pela democratização das instâncias
que elegem o reitor.
FOLHA - A PM deve sair da USP?
MATOS - Imediatamente. A polícia estar lá é quase uma provocação... Uma sociedade é tanto
mais feliz, tanto mais democrática, quanto mais ela conseguir
conviver com seus contraditores. Uma sociedade que só é capaz de conversar com o mesmo
não é uma sociedade.
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