São Paulo, sábado, 12 de junho de 2010

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WALTER CENEVIVA

O sal da Copa


A Copa do Mundo tem muito de festa e de liberação geralmente excessiva. É inevitável

OS SERVIÇOS públicos e as instituições privadas brasileiras estão ajustando seus horários de funcionamento aos jogos do Brasil na Copa do Mundo, para que servidores e empregados possam ver os prélios pela TV.
Os corpos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário veem com normalidade que a paixão nacional pelo futebol altere hábitos, confunda rotinas, modifique serviços bancários, feche escolas. Nesse período, que durará entre quinze e trinta dias, como ficará o direito? Sacrificará o princípio cujo enunciado diz que todos são iguais perante a lei.
A maioria que gosta de futebol deve ser avaliada sob as as regras da igualdade. Supondo-se, aleatoriamente, que menos de 20 por cento da população -cerca de 30 milhões de pessoas- não queira ou não possa ver os jogos, o restante -80 por cento- será prejudicado pelo gosto dos outros. Que igualdade é essa? A recíproca para o direito deve resolver como compor a desigualdade numérica literal.
Já prevejo a primeira reação do leitor: a maioria vence. O argumento da maioria, nesse caso, é questionável, pois ela não exclui os direitos da minoria se ela quiser desenvolver suas atividades corriqueiras, qualquer que seja a natureza delas.
Os arroubos dos torcedores incluem gritos, bombas, trombetas e buzinas, atividades que perturbam o sono. Piorará quando adotarem o infernal costume das vuvuzelas.
Sabe-se que, com ou sem Copa do Mundo, a dinâmica da vida continua: pessoas ficam doentes, falecem, envolvem-se em acidentes, são atingidas por incêndios, choques de veículos, chuvas, brigas. Até animais, rebanhos e aves são criaturas a serem protegidas.
Há os que trabalham de dia ou à noite, em atividades essenciais: dos pilotos de aviões aos motoristas de ônibus e de caminhões que levam produtos de primeira necessidade. Funcionários dos metrôs, bombeiros, policiais, médicos e enfermeiros, sem falar que a justiça mantém plantões em todos os horários.
É hora de finalizar. Primeira conclusão: o direito não resolve todos os problemas. Segunda: certos eventos populares quebram a normalidade dos comportamentos coletivos. E, por fim, a terceira: o futebol, único esporte efetivamente praticado em todos os cantos do planeta, cria torcedores incontidos. O bom senso reduziria as comemorações, mas esse nunca será o padrão adotado.
No turbilhão quase irracional das torcidas será melhor, para quem não goste, encontrar modo de se prevenir. A Copa do Mundo tem muito de festa e de liberação geralmente excessiva. É inevitável. Aceitando-a, estaremos mais próximos da natureza humana, ao menos, agitando o dia a dia da vida.
O mesmo acontece em outros países, em todas as latitudes, com exuberâncias variadas. É o sal da Copa. A adequação proposta é apenas um meio de aliviar o sacrifício da minoria nos dias de perturbação, se a seleção brasileira for superando os passos de sua caminhada.
Se tivermos comportamento pautado pelo equilíbrio, estaremos na companhia dos três poderes. Melhor ainda, estaremos na companhia do Supremo Tribunal Federal, que também ajustou seus horários aos jogos do Brasil, em bom exemplo de sensibilidade humana, em um país que, afinal, é o único cinco vezes campeão mundial de futebol.


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