São Paulo, domingo, 12 de junho de 2011

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Para o alto e avante

Após quase perder o braço direito em acidente, empresário decidiu subir o Everest ; parceiro de escalada tornou-se o brasileiro mais jovem a conquistar a montanha , aos 24 anos

PEDRO DIAS LEITE
DE SÃO PAULO

No dia 19 de novembro de 2007, uma empilhadeira com duas toneladas e meia de carga tombou sobre o empresário Carlos Canellas no galpão de sua distribuidora de embalagens. Sofreu três fraturas expostas no braço direito e perdeu dois litros de sangue.
Passou por cinco cirurgias. Só depois da terceira, soube que não teria de amputar o braço. Antes da última operação, já começou a primeira das 120 sessões de fisioterapia, de até seis horas.
Três anos e meio depois, na manhã de 7 de maio de 2011, Canellas, 38, observava picos nevados de mais de 8.000 m, no topo da maior montanha do planeta, o Everest, a 8.848 m (ou 8.850, dependendo da medição).
Antes de quase perder o braço, jamais havia subido uma montanha. Não que fosse sedentário, longe disso. Já havia saltado de paraquedas e mergulhava fazia cinco anos. Chegou a fazer curso de escalada em rocha, mas não gostou e nunca foi adiante.
Também não era acomodado. No dia do acidente, tinha viagem marcada para a França, onde planejava juntar-se à Legião Estrangeira. "Queria ajudar os outros."

A IDEIA
Foi na noite anterior que pela primeira vez falou sobre o Everest. Após umas cervejas, um amigo perguntou por que, ideia maluca por ideia maluca, não fazia algo para si. Respondeu que só mudaria o plano para algo grandioso, como subir a montanha.
Na mesa de cirurgia, a conversa fresca na cabeça, falou: "Doutor, se for arrancar o braço, coloque um gancho que vou escalar o Everest". O médico, conta, deu risada.
Ainda em recuperação, enviou um e-mail para Rodrigo Raineri, um dos oito brasileiros até então a conquistar o Everest. "Quero escalar o Everest. Pode retornar que não vai ser tempo perdido."
O alpinista, sócio da empresa Grade 6, respondeu. Traçaram um plano, junto com Carlos Santalena, funcionário da companhia.

OS FRACASSOS
Na preparação, houve mais de um fracasso.
Depois de um curso na Bolívia, subiram com sucesso o Huayna Potosi, de 6.088 m.
Em dezembro de 2009, Canellas e Santalena seguiram para o Aconcágua. A 300 m do cume, o olho do empresário congelou. "Por 24 horas, fiquei cego do olho direito. É um desespero, lá em cima você só pensa besteira."
Teve de voltar. "A gente sempre dizia que o cume da montanha não vale perder um dedo", diz Santalena.
Em abril, os dois viajaram para o Equador, onde sofreram novo revés. "A gente tomou um pau danado, muito vento", relata Canellas.
A partir daí, as coisas começaram a melhorar. Voltaram ao Equador, onde escalaram o Chimborazo, o maior do país, com 6.267 m.
No final do ano passado, retornaram ao Aconcágua, porque "não dava para ficar engasgado", diz o empresário, que chegou ao cume no início de janeiro deste ano. Conquistados os 6.965 m da maior montanha das Américas, estavam prontos.

A ESCALADA
Os três alpinistas partiram no final de março para o Nepal. Começaram, então, o ciclo de quatro aclimatações.
Do acampamento-base, a 5.360 m, subiram para o campo 1, a 6.100. Voltaram, descansaram um dia e tornaram a subir, rumo ao campo 2, a 6.400. Dormiram lá uma noite e tentaram chegar ao 3, direto, a 7.100. Mas nevou muito, e tiveram de recuar.
Estavam embaixo quando chegou o aviso de que abriria uma "janela" -tempo bom, no jargão da montanha. Decidiram fazer o "ataque" após só duas aclimatações.
No campo 3, veio a ordem para descer. O tempo havia mudado, os ventos chegariam a 60 por hora. Os Carlos insistiram, e o chefe da expedição, Rodrigo Raineri, alpinista experiente, decidiu que era possível tentar subir.
Seguiram para o campo 4, muito perto dos 8.000 metros. Fazia menos 30, e os ventos estavam a 70 km/h.
Raineri saiu às 22h, Santalena às 22h30 e Canellas às 23h30. A 8.700 m, antes do Hillary Step (em homenagem a Edmund Hillary, primeiro ocidental a conquistar a montanha, em 1953), Raineri parou. Não conseguiria. Voltou. (Chegaria ao cume semanas depois, pela segunda vez em sua carreira).
Os outros seguiram. Chegaram ao topo por volta das 10h do dia 7. Ficaram por 27 minutos. Santalena, aos 24 anos, tornou-se o brasileiro mais jovem a subir o Everest.
Na descida, os ventos pioraram. Chegaram a 110 km/h. A barraca no campo 4 ficou destruída, mas segurou. A água congelou. Mas os três chegariam em segurança até o campo 3 e dali em diante.
No final, no longo percurso desde o acidente em um galpão em São José dos Campos (SP) até a ascensão do Everest, deu tudo certo.


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