São Paulo, quinta-feira, 12 de julho de 2007 |
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PASQUALE CIPRO NETO "O senhor sabe que todos te consideram..."
NA SEMANA PASSADA, trocamos dois dedos de prosa sobre a uniformidade de tratamento, que, como vimos, consiste essencialmente no emprego de formas verbais e pronomes que pertençam à mesma pessoa gramatical ("tu" se combina com "teu", "tua", "te" etc.; "você" e "senhor/a" se combinam com "seu", "sua", "o", "a", "lhe" etc.). Na linguagem formal, a uniformidade de tratamento é exigida, o que significa que construções como "O senhor deve trazer o que eu te pedi" ou "O senhor sabe que todos te consideram muito capaz", muito comuns na linguagem oral, não freqüentam o registro culto. Para adaptar essas frases ao padrão culto, o pronome "te" deveria passar a "lhe", no primeiro caso, e a "o", no segundo ("...trazer o que eu lhe pedi"; "...que todos o consideram muito capaz"). O primeiro "te" passa a "lhe" porque esse pronome funciona como complemento indireto do verbo "pedir" ("pedir a alguém"); no segundo passa a "o" porque funciona como complemento direto de "considerar" ("considerar alguém"). Mas vamos à uniformidade propriamente dita, que, é sempre bom (re)lembrar, é de praxe na comunicação formal -numa carta em que se pede emprego, por exemplo, ou num texto em que alguém expõe a alguém as razões pelas quais optou por determinado procedimento. De início, convém lembrar que, na escrita, não se pode tomar como base o que se registra na oralidade, já que na língua do dia-a-dia o uso dos pronomes e das formas verbais varia de região para região e quase sempre difere do que ocorre no padrão formal. Um paulista, por exemplo, diz "Anda logo! Como você é mole!", enquanto um cearense talvez opte por "Ande logo! Como tu é mole!". No padrão formal, as hipóteses seriam "Anda logo! Como (tu) és mole!" e "Ande logo! Como você é mole!". Na linguagem culta, a forma imperativa afirmativa "anda" é da segunda pessoa do singular (tu) e resulta da supressão do "s" final de "(tu) andas" (do presente do indicativo), o que também ocorre com a segunda pessoa do plural (vós). Em "Tende piedade de nós" e "Livrai-nos do mal", por exemplo, encontram-se as formas imperativas afirmativas "tende" e "livrai", que resultam da eliminação do "s" final de "(vós) tendes" e "(vós) livrais" (do presente do indicativo), respectivamente. A forma imperativa "ande" é da terceira pessoa do singular (você, senhor/a) e vem diretamente do presente do subjuntivo (que eu ande, que tu andes, que ele/você/o senhor ande...), o que também ocorre com a terceira pessoa do plural. Em "Pensem nas crianças mudas, telepáticas" (do poema "Rosa de Hiroxima", de Vinicius de Moraes, musicado por Gerson Conrad), encontra-se a forma imperativa "pensem", da terceira do plural, que vem diretamente do presente do subjuntivo ("que nós pensemos, que vós penseis, que eles/vocês/os senhores pensem"). A esta altura, o leitor talvez diga que, se é necessário pensar em todos esses mecanismos, é melhor deixar o barco correr por conta própria. Não é bem assim. A leitura constante de registros cultos certamente familiarizaria o falante com certas particularidades dessa linguagem. Nas próximas duas semanas, darei férias aos leitores e a mim. É isso.
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