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Demitida por usar véu, muçulmana ganha indenização
Justiça manda empresa pagar a vendedora R$ 3.000 por danos morais e mais R$ 27 mil por direitos trabalhistas
Liberdade religiosa está na Constituição, afirma juiz na decisão; fábrica de próteses e implantes diz que vai recorrer da sentença
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ela era a vendedora mais hábil de uma fábrica de próteses e
implantes. Também atuava como instrumentadora. Por opção, converteu-se à religião islâmica, adotou o nome árabe de
Yasmin, casou-se com um egípcio e passou a usar o véu.
No começo usava o adereço
aos poucos, em alguns dias da
semana, fora da empresa. Depois, diariamente no ambiente
de trabalho, fora de casa e na
presença de homens, como determinam os preceitos muçulmanos. Foi proibida de comparecer a eventos de vendas. Grávida de três meses, foi demitida
sem causa aparente.
A história acima não é ficção
extraída dos contos das "Mil e
Uma Noites" ou alguma desventura de Sherazade, a mulher
que adiou a morte por 1.001
noites encantando o sultão
com suas histórias.
É a versão de Alexandra Magalhães Caseiro Hassanein
contra a empresa GMReis, que
foi condenada em primeira instância pela Justiça a pagar indenização por danos morais e a
reconhecer o vínculo empregatício, com anotação de todos os
direitos na carteira de trabalho,
numa decisão em que juiz, as
partes e o TST (Tribunal Superior do Trabalho) dizem ser
inédita no país.
Ainda cabe recurso nos tribunais superiores, e a empresa
informa que vai recorrer (leia
texto nesta página).
Sem graça
Na sentença, afirma o juiz
João Felipe Pereira de Sant'anna, da 25ª Vara do Trabalho da
capital: "A liberdade religiosa é
direito constante da Constituição e as referidas brincadeiras
sem graça não poderiam ser feitas no local de trabalho".
"A discriminação ocorreu em
razão de brincadeiras bobas e
desnecessárias quando havia
referência ao fato de a autora
usar o véu", traz a sentença.
Sobre a decisão, explica o juiz
Santa'anna à reportagem: "O
empregador não pode deixar
que isso aconteça".
"A liberdade religiosa foi infringida e a moral da autora foi
atingida", diz outro trecho da
sentença. A indenização pelo
dano moral foi de R$ 3.000,
além de outros R$ 27 mil por
atrasados, multas, recolhimento do FGTS, férias, 13º salário,
seguro-desemprego, repouso
semanal remunerado e outros
direitos trabalhistas.
"No começo, retirava o véu
para entrar na empresa. Como
era o início da minha vida islâmica, decidi usar o hijab [véu]
quando estivesse fora de casa
ou na presença de homens",
disse ela à Folha. "Comecei a
sentir uma certa discriminação
e um certo asco de algumas
pessoas da empresa. Tratavam-me um pouco diferente. A gerente dizia que não me queria
nos eventos. Cheguei a ser
proibida de ir a um deles porque usava véu. Fui notificada."
Quando foi demitida, no terceiro mês de gestação, Hassanein diz ter ficado desamparada. Sem ter a carteira assinada,
não recebeu os 40% do fundo
de garantia, nem férias, nem
13º salário, nem aviso prévio
nem nada. Na decisão, o juiz reconheceu o vínculo empregatício, que a empresa negava por
entender que ela prestava serviço por meio de uma empresa
terceirizada da qual era sócia.
Egito
Com o marido Mohamed recém-chegado do Egito, sem falar português, ela teve de se virar. Hoje fala um pouco de árabe e é dona de uma loja, um bazar egípcio em São Bernardo do
Campo (Grande ABC), além de
fazer trabalhos como estilista
de trajes para dança do ventre.
"Não queriam uma pessoa
que expusesse a religião dentro
de um estande. Mas não se incomodavam que ninguém
usasse um crucifixo. O véu incomodava", afirma.
Segundo ela, a derrocada na
empresa começou quando os
clientes eram passados para
outros vendedores.
"Quando comecei a ser proibida de ir aos eventos e representar a empresa comecei a
sentir o peso da discriminação.
Diziam que se eu quisesse retirar o véu, tudo bem", conta.
Sem exigir uniforme dos funcionários, Hassanein afirma
que vestia trajes tradicionais islâmicos "bonitos" e "terninhos
básicos de trabalho".
Com a pressão, teve as comissões diminuídas. "Fiquei
numa situação muito precária."
No processo, a empresa diz que
a Justiça trabalhista não tem
competência para julgar dano
moral. O juiz negou.
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