São Paulo, sábado, 12 de julho de 2008

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Demitida por usar véu, muçulmana ganha indenização

Justiça manda empresa pagar a vendedora R$ 3.000 por danos morais e mais R$ 27 mil por direitos trabalhistas

Liberdade religiosa está na Constituição, afirma juiz na decisão; fábrica de próteses e implantes diz que vai recorrer da sentença


VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ela era a vendedora mais hábil de uma fábrica de próteses e implantes. Também atuava como instrumentadora. Por opção, converteu-se à religião islâmica, adotou o nome árabe de Yasmin, casou-se com um egípcio e passou a usar o véu.
No começo usava o adereço aos poucos, em alguns dias da semana, fora da empresa. Depois, diariamente no ambiente de trabalho, fora de casa e na presença de homens, como determinam os preceitos muçulmanos. Foi proibida de comparecer a eventos de vendas. Grávida de três meses, foi demitida sem causa aparente.
A história acima não é ficção extraída dos contos das "Mil e Uma Noites" ou alguma desventura de Sherazade, a mulher que adiou a morte por 1.001 noites encantando o sultão com suas histórias.
É a versão de Alexandra Magalhães Caseiro Hassanein contra a empresa GMReis, que foi condenada em primeira instância pela Justiça a pagar indenização por danos morais e a reconhecer o vínculo empregatício, com anotação de todos os direitos na carteira de trabalho, numa decisão em que juiz, as partes e o TST (Tribunal Superior do Trabalho) dizem ser inédita no país.
Ainda cabe recurso nos tribunais superiores, e a empresa informa que vai recorrer (leia texto nesta página).

Sem graça
Na sentença, afirma o juiz João Felipe Pereira de Sant'anna, da 25ª Vara do Trabalho da capital: "A liberdade religiosa é direito constante da Constituição e as referidas brincadeiras sem graça não poderiam ser feitas no local de trabalho".
"A discriminação ocorreu em razão de brincadeiras bobas e desnecessárias quando havia referência ao fato de a autora usar o véu", traz a sentença.
Sobre a decisão, explica o juiz Santa'anna à reportagem: "O empregador não pode deixar que isso aconteça".
"A liberdade religiosa foi infringida e a moral da autora foi atingida", diz outro trecho da sentença. A indenização pelo dano moral foi de R$ 3.000, além de outros R$ 27 mil por atrasados, multas, recolhimento do FGTS, férias, 13º salário, seguro-desemprego, repouso semanal remunerado e outros direitos trabalhistas.
"No começo, retirava o véu para entrar na empresa. Como era o início da minha vida islâmica, decidi usar o hijab [véu] quando estivesse fora de casa ou na presença de homens", disse ela à Folha. "Comecei a sentir uma certa discriminação e um certo asco de algumas pessoas da empresa. Tratavam-me um pouco diferente. A gerente dizia que não me queria nos eventos. Cheguei a ser proibida de ir a um deles porque usava véu. Fui notificada."
Quando foi demitida, no terceiro mês de gestação, Hassanein diz ter ficado desamparada. Sem ter a carteira assinada, não recebeu os 40% do fundo de garantia, nem férias, nem 13º salário, nem aviso prévio nem nada. Na decisão, o juiz reconheceu o vínculo empregatício, que a empresa negava por entender que ela prestava serviço por meio de uma empresa terceirizada da qual era sócia.

Egito
Com o marido Mohamed recém-chegado do Egito, sem falar português, ela teve de se virar. Hoje fala um pouco de árabe e é dona de uma loja, um bazar egípcio em São Bernardo do Campo (Grande ABC), além de fazer trabalhos como estilista de trajes para dança do ventre.
"Não queriam uma pessoa que expusesse a religião dentro de um estande. Mas não se incomodavam que ninguém usasse um crucifixo. O véu incomodava", afirma.
Segundo ela, a derrocada na empresa começou quando os clientes eram passados para outros vendedores.
"Quando comecei a ser proibida de ir aos eventos e representar a empresa comecei a sentir o peso da discriminação. Diziam que se eu quisesse retirar o véu, tudo bem", conta.
Sem exigir uniforme dos funcionários, Hassanein afirma que vestia trajes tradicionais islâmicos "bonitos" e "terninhos básicos de trabalho".
Com a pressão, teve as comissões diminuídas. "Fiquei numa situação muito precária." No processo, a empresa diz que a Justiça trabalhista não tem competência para julgar dano moral. O juiz negou.


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