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São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003

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SAÚDE

Mato Grosso enfrenta crise de leitos; 80 pacientes, entre eles as vítimas, já tiveram de recorrer à Justiça para garantir internação

Em três meses, 13 morrem por falta de UTI

HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

Desde 20 de junho, a Justiça em Cuiabá (MT) mandou os gestores dos SUS (Sistema Único de Saúde) internar em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) 80 pacientes. Desses, 13 morreram à espera de uma vaga para internação, apesar de terem obtido a ordem judicial. Duas mortes ocorreram anteontem, e outra, no domingo.
Devido à falta de leitos, os 80 doentes recorreram à Justiça para conseguir vaga nas UTIs. Dos 148 leitos disponíveis no Estado, pelo menos 108 estão em Cuiabá. Faltam vagas principalmente no interior de Mato Grosso.
Procurado pelos familiares dos pacientes, o defensor público Valtenir Luiz Pereira, 31, afirma que entrou com as ações na Justiça contra o governo do Estado e contra a Prefeitura de Cuiabá, que são os gestores dos SUS.
Pereira disse ontem que ainda estuda uma forma de responsabilizar os culpados pelo descumprimento das liminares, o que resultou nas 13 mortes.
Segundo ele, devido ao volume de liminares (decisões judiciais de caráter provisório) fica difícil saber quem recebeu primeiro a notificação e a descumpriu. Nos últimos dez dias, foram 15 liminares, afirmou Pereira, que reconhece o governo do Estado como o principal gestor do SUS.

R$ 30 mil por uma vaga
Após sofrer um acidente de moto no sábado passado, Edivaldo Ramos dos Santos, 36, que trabalhava como vendedor autônomo, foi internado no Pronto Socorro Municipal de Várzea Grande (município vizinho a Cuiabá) por volta das 8h.
A família conseguiu uma liminar da Justiça no domingo, mas não obteve a internação na UTI.
A mulher de Santos, Vanderléia Dias de Oliveira, 34, afirmou que o hospital Jardim Cuiabá (instituição particular) propôs cobrar R$ 30 mil pela internação.
A Defensoria Pública tentou sequestrar o dinheiro nas contas do Estado para pagar as despesas, mas o Tribunal de Justiça impediu. A direção do hospital nega negligência.
Santos deixou quatro filhos e a mulher, que está desempregada.
Vítima de uma parada cardíaca em razão de hipertensão, o funcionário público aposentado Ronaldo Nunes de Souza, 49, morreu anteontem, seis horas após ter conseguido liminar da Justiça para internação na UTI em um hospital em Cáceres (localizado a 250 km de Cuiabá).
Souza estava internado em Barra de Bugres (169 km de Campo Grande). Segundo o funcionário público Genivaldo José Nunes de Arruda, 38, sobrinho de Souza, a família não conseguiu arrumar uma UTI móvel para transportá-lo até Cáceres.
"Os médicos disseram que haveria esperança, se tivesse uma UTI", afirmou Arruda.

Progressão geométrica
Desde que começou a entrar na Justiça para obter liminares favoráveis à internação de pacientes, Pereira afirma que o número de casos cresce em "progressão geométrica" em Mato Grosso.
Em agosto, foram 29 liminares. Nos primeiros 11 dias de setembro, as decisões chegaram a 15.
Sem vagas pelo SUS, a Defensoria Pública tenta obter internação em hospitais particulares. Como essas instituições reclamam que o SUS não paga os gastos, Pereira entrou na Justiça para sequestrar dinheiro do Estado. No domingo, conseguiu um sequestro de R$ 20 mil -suspenso horas depois.
Antes disso, a aposentada Colmira Lopes dos Santos, 69, vítima de acidente vascular, conseguiu a internação no hospital Santa Rosa, que é particular. A filha dela, a vendedora Maria de Lurdes, 37, conta que passou a madrugada e o dia de domingo atrás da vaga.
A direção do hospital Santa Rosa informou à Agência Folha, em julho, que a situação da falta de UTIs do SUS "pode inviabilizar a rede privada, que tem 200 mil usuários de convênio particulares para atender no Estado".
Para a Defensoria Pública, o número de mortes por falta de UTIs do SUS pode ser maior. "Registramos 13 casos, mas eram pessoas que conseguiram liminares. Existem os que não entraram na Justiça", disse Pereira.
Em maio, o Sindicato dos Médicos de Cuiabá divulgou que 150 pacientes morreram no Estado por falta de leitos nas UTIs, de outubro de 2002 a março de 2003. O Ministério Público Estadual está acompanhando a situação e abriu inquérito para apurar se procede a informação do sindicato.


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