São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANUZA LEÃO

Quem nunca comeu melado

Você sabe cantar o Hino Nacional? Claro, todos sabemos. Mas sabe cantar inteiro, sem se enrolar no meio? Vamos conferir: tente cantarolar mentalmente, para ver se acerta.
Eu tive um professor de português que mandava, como dever de casa, que nós, seus alunos, puséssemos a letra do hino na ordem direta para poder entender o sentido. Você já parou para pensar no que significa exatamente "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante"?
Simples: na ordem direta, "as margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico". Nada fácil, a língua portuguesa.
É difícil cantar o hino sem pausa, até o fim. No início vai, mas depois que acaba a primeira parte e a segunda introdução, não há quem prossiga e emende, sem hesitação, o "Brasil, de amor eterno seja símbolo o lábaro que ostentas estrelado". Passando por essa prova de fogo, fica tudo fácil de novo, e preste atenção à próxima vez em que a seleção for jogar: na hora do hino, não há um só jogador que cante com firmeza do princípio ao fim. No meio eles enrolam; alguns, mais espertos, quando ouvem os primeiros acordes, botam a mão no coração e ficam mudos.
Pelo andar da carruagem, a partir de agora, no lugar de ir à praia ou ao cinema, será mais prudente ficar em casa decorando o hino; novos tempos se anunciam e tudo indica que cantá-lo vai passar a ser obrigatório. Só não se sabe onde e quando, e é aí que mora o perigo.
Todos os dias nos colégios, antes da primeira aula? Só nas cerimônias oficiais, com Lula presente? E se estiver só o vice, José de Alencar? E o ministro José Dirceu? E o presidente da Câmara, João Paulo, merece o hino? E o líder, professor Luizinho? Vai tudo depender de Duda Mendonça.
Só não entendi bem a razão de, no dia da nossa independência, Lula saudar o povo do alto de uma Rolls Royce; ah, e d. Marisa Letícia ao lado, de camiseta verde sutilmente combinando com a bandeira, saudando o povo também -segundo dizem, para que a auto-estima dos brasileiros aumente. Pela parte que me toca, a minha não subiu nem um centímetro.
Diz o ditado que quem nunca comeu melado quando come se lambuza (como o passageiro que viaja de avião pela primeira vez e quando a comissária de bordo pergunta o que ele quer beber, responde: "quero tudo a que tenho direito"). Essa história é a cara do PT, que adora um melado e é o rei da lambuzação.
Passei a manhã inteira do Dia da Independência diante da televisão, esperando ver um close das autoridades no palanque, para saber se elas saberiam cantar o hino inteiro. Não houve closes.
Mas do que senti falta mesmo foi de uma música que retratasse este momento tão ditoso da vida brasileira proporcionado por Lula, como o PT deve achar.
Faltou um bando de jovens alegres e entusiasmados, invadindo a Esplanada dos Ministérios, cantando algo do tipo "Eu te amo, meu Brasil, eu te amo, meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil, eu te amo, meu Brasil, eu te amo, ninguém segura a juventude do Brasil" - lembra?
No ano que vem, talvez.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br

Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Há 50 anos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.