São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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GILBERTO DIMENSTEIN

Minha cidade, meu país

Graças a uma confissão de incompetência ocorrida na quarta-feira passada, foi posta em xeque a ilusão de que um presidente da República consegue coordenar e executar políticas sociais eficientes.
O responsável pela confissão, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, admitiu: não tinha condições de saber se as famílias que recebem dinheiro do governo mantêm seus filhos nas escolas. Apanhou de todos os lados, inclusive do governo. Na verdade, apanhou menos por incompetência do que por honestidade intelectual.
Importante mesmo é que a confissão projetou um dos temas que deveriam ser vitais nas eleições municipais, em particular, e no combate à exclusão, em geral.
Veja os números: são 15 milhões de crianças em 5.463 municípios matriculadas em 170 mil escolas públicas. Um punhado de funcionários, metidos em algumas salas refrigeradas da Esplanada dos Ministérios, são obrigados legalmente a saber quantas daquelas crianças, do interior do Acre à periferia do Rio, estão cabulando aula, afinal suas famílias, todas pobres, recebem dinheiro para que freqüentem a escola.
A mistura desses números -15 milhões de crianças, 5.463 cidades e 170 mil escolas- é a informação que basta para perceber que o controle federal é simplesmente impossível. Até porque aqueles fiscais de Brasília também deveriam saber se as centenas de mulheres grávidas fazem exames pré-natal ou se as mães levam regularmente os filhos a postos de saúde.
O ministro Ananias expôs o risco de que os programas de renda mínima percam o conteúdo educativo ou de saúde e se convertam em simples ação assistencialista. Assim, o PT não só estaria deixando de inovar em políticas sociais como estaria voltando para trás. Lembre-se de que a bolsa-escola é, em larga medida, invenção do próprio PT, posteriormente apoiada por todos os partidos e pelos mais diferentes governos.
Na quinta-feira, o presidente Lula tentou manter a ilusão e deu ordens para que o governo federal acompanhasse os tais 15 milhões de crianças das 170 mil escolas públicas espalhadas por 5.463 cidades. Não vai dar certo.
Existe uma questão cultural, da qual a própria imprensa é vítima. Estamos acostumados a sobrevalorizar a capacidade de ação de Brasília. Espera-se do presidente a condução de políticas para melhorar a educação, a saúde, o ambiente -e por aí vai.
Basta ver o espaço que Brasília ocupa nos noticiários em comparação com a cobertura sobre soluções desenvolvidas nas comunidades. É um vício adquirido pelo papel dos governos federais desde a nossa descoberta pelos portugueses. Um vício reforçado por Lula, montado na bandeira da redenção social.
Os programas funcionam melhor (ou só funcionam) nas cidades em que existem bons prefeitos e fiscalização comunitária. É ali que se vêem melhores escolas, postos de saúde mais decentes e menos desperdícios na transferência de recursos.
Conhecem-se casos e mais casos de municípios pobres, no interior do Nordeste, em que nenhuma criança está fora da escola. E mais: a mortalidade infantil cai sem parar.
Modelos de sucesso indicam a seguinte receita: o governo federal é mais eficaz quando articula ou induz. O papel central, decisivo, é dos prefeitos, que, fiscalizados e orientados pelos mais diferentes conselhos da sociedade civil, coordenam o dinheiro que vem da União e do Estado.
Dependemos mais daqueles que estamos elegendo neste ano do que dos que vamos eleger para presidente e governador em 2006. Ou seja, cada cidade é como se fosse um país, cada prefeito, um presidente -numa valorização do local no mundo globalizado.
Na prática, em vez de ficar teimando em manter o controle do Bolsa-Família em Brasília, por exemplo, o governo já deveria ter apressado a transferência de controle para os municípios e passado a fiscalizar por amostragem.
Será que alguém imagina que um punhado de burocratas em Brasília possam ser mais eficientes do que 5.463 "presidentes"?
PS - Na semana passada, a sucessão presidencial foi, pela primeira vez, um debate aberto, trazido por Marta Suplicy. Reação compreensível por causa da pesquisa Datafolha publicada hoje, em que ela aparece, no segundo turno, ainda distante de Serra. As direções do PSDB e do PT vêem a eleição da cidade de São Paulo como um trampolim para Brasília. Na linha "minha cidade, meu país", o eleitor, porém, age com mais pragmatismo e visão de futuro: está mais preocupado em conhecer as melhores propostas para a cidade. Repito: ainda está faltando um candidato para quem a Prefeitura de São Paulo seja, para valer, fim, e não meio.
E-mail - gdimen@uol.com.br

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