|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RECEITA VIGIADA
Há suspeitas de que especialistas da área de reprodução assistida recebam comissão ilegal de laboratórios
Preço de remédio varia conforme o médico
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O preço de remédios para reprodução humana vendidos por
distribuidoras de São Paulo varia
de acordo com o médico que assina a receita. A prática fere o Código de Defesa do Consumidor, a legislação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre comércio de medicamentos e
o Código de Ética Médica.
Levantamento feito pela Folha
em sete locais apontou que um
mesmo produto, vendido por
uma mesma distribuidora, pode
apresentar variações de R$ 2 a R$
20 -o que, em alguns casos, chega a representar 30% do valor do
remédio-, dependendo do nome do médico indicado.
A reportagem escolheu, aleatoriamente, seis nomes de especialistas na área da reprodução. Em
cinco das distribuidoras pesquisadas, a primeira pergunta feita
pelo atendente ao ser questionado
sobre o preço do remédio foi o
nome do médico que o prescreveu. Minutos depois, ele informou o valor do medicamento.
Há suspeitas de que médicos recebam comissionamento sobre
cada remédio que indica, procedimento condenado por resoluções da Anvisa e do CFM (Conselho Federal de Medicina).
Em uma das distribuidoras, a
atendente disse que o preço diferenciado dos remédios é em razão
de acordos feitos entre os médicos
e os laboratórios. Em nota, o laboratório Serono nega o acordo (leia
texto nesta página).
Por ano, são feitos no Brasil cerca de 12 mil ciclos de fertilizações
in vitro em cerca de cem clínicas
reconhecidas pela Rede Latino
Americana de Reprodução Assistida. Os gastos com medicamento
chegam a representar 50% do tratamento -que pode custar de R$
6.000 a R$ 20 mil por tentativa.
Medicamentos
As drogas que apresentaram
maior variação de preço foram o
Lupron kit (Abbott), Gonal F,
Ovidrel (Serono) e Choriomon
5.000 U.I (IBSA), usadas, respectivamente, para bloqueio do ciclo
menstrual, estímulo da ovulação e
amadurecimento e rompimento
dos folículos.
Na distribuidora Plena, por
exemplo, uma caixa de Lupron kit
variou de R$ 450,00 a R$ 470,00,
dependendo do nome do médico
citado pela reportagem. O mesmo
ocorreu com o Gonal (entre R$
143 a R$ 158 cada ampola de 75
UI), o Ovidrel (entre R$ 176 a R$
190) e o Choriomon (entre R$ 50 e
R$ 69).
Na Entrega Rápida, as variações
de preço se concentraram no Gonal (entre R$ 143 a R$ 158) e no
Ovidrel (R$ 168 a R$ 172).
Segundo o ginecologista Nilson
Roberto de Melo, presidente eleito da Febrasgo (federação das sociedades de ginecologia e obstetrícia), sempre há comentários sobre a prática de preços diferenciados dos medicamentos para reprodução assistida, mas nunca
comprovação. "É lamentável que
isso esteja ocorrendo", disse.
Outra prática denunciada por
pacientes em tratamento de reprodução assistida é a venda de
remédios dentro das clínicas, por
meio de acordos feitos diretamente pelo laboratório.
Na avaliação da Anvisa, essa
medida também é ilegal pois fere
a lei 5991, de 1973, que diz que somente as farmácias e drogarias,
que dispõem de farmacêuticos
responsáveis, podem se ocupar
da venda de medicamentos.
Fiscalização
"Isso é um absurdo sem tamanho. A atividade médica é sagrada, não pode ser maculada por relações comerciais de qualquer natureza", afirmou o médico Isac
Jorge Filho, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).
Ele afirma que, diante dos fatos
apresentados pela Folha, vai determinar uma fiscalização na área
da reprodução assistida.
"A clínica não pode se transformar em atividade comercial.
Além de ser antiético, é concorrência desleal. A maioria dos médicos dá muito duro e fica na desvantagem", diz Jorge Filho.
Dirceu Pereira, secretário-executivo da Sociedade Brasileira de
Reprodução Humana, confirma
que "há boatos" sobre isso. "Se
existem acordos, isso é do fórum
íntimo de cada médico." Para ele,
não há como a sociedade intervir
nessa questão porque a sua função é de cunho científico e não de
fiscalização de procedimentos
que ferem a ética profissional.
Para o professor da USP, Rui Alberto Ferriani, que dirige o serviço de reprodução do Hospital das
Clínicas de Ribeirão Preto, a única
forma de os pacientes não saírem
perdendo é com informação.
"Ao procurar uma clínica, o casal deve se informar sobre todo o
custo do tratamento e o que está
embutido nele. Há muito preço
disfarçado. O casal tem de ter a livre escolha de pesquisar preços e
comprar os remédios onde lhe
convier. Qualquer interferência
do médico é antiética", afirmou o
ginecologista.
Ferriani, um dos primeiros a
realizar fertilização in vitro (FIV)
em serviço público, há mais de
uma década, se diz preocupado
com a banalização da reprodução
assistida no país. "[a banalização]
Fere a todos. Há hoje uma certa
falta de controle", diz ele.
(Colaboraram Renata Baptista e Isabelle Moreira Lima)
Texto Anterior: Há 50 anos: Senador morre em acidente aéreo Próximo Texto: Outro lado: Laboratórios dizem desconhecer prática de descontos diferenciados Índice
|