São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2005

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RECEITA VIGIADA

Há suspeitas de que especialistas da área de reprodução assistida recebam comissão ilegal de laboratórios

Preço de remédio varia conforme o médico

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O preço de remédios para reprodução humana vendidos por distribuidoras de São Paulo varia de acordo com o médico que assina a receita. A prática fere o Código de Defesa do Consumidor, a legislação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre comércio de medicamentos e o Código de Ética Médica.
Levantamento feito pela Folha em sete locais apontou que um mesmo produto, vendido por uma mesma distribuidora, pode apresentar variações de R$ 2 a R$ 20 -o que, em alguns casos, chega a representar 30% do valor do remédio-, dependendo do nome do médico indicado.
A reportagem escolheu, aleatoriamente, seis nomes de especialistas na área da reprodução. Em cinco das distribuidoras pesquisadas, a primeira pergunta feita pelo atendente ao ser questionado sobre o preço do remédio foi o nome do médico que o prescreveu. Minutos depois, ele informou o valor do medicamento.
Há suspeitas de que médicos recebam comissionamento sobre cada remédio que indica, procedimento condenado por resoluções da Anvisa e do CFM (Conselho Federal de Medicina).
Em uma das distribuidoras, a atendente disse que o preço diferenciado dos remédios é em razão de acordos feitos entre os médicos e os laboratórios. Em nota, o laboratório Serono nega o acordo (leia texto nesta página).
Por ano, são feitos no Brasil cerca de 12 mil ciclos de fertilizações in vitro em cerca de cem clínicas reconhecidas pela Rede Latino Americana de Reprodução Assistida. Os gastos com medicamento chegam a representar 50% do tratamento -que pode custar de R$ 6.000 a R$ 20 mil por tentativa.

Medicamentos
As drogas que apresentaram maior variação de preço foram o Lupron kit (Abbott), Gonal F, Ovidrel (Serono) e Choriomon 5.000 U.I (IBSA), usadas, respectivamente, para bloqueio do ciclo menstrual, estímulo da ovulação e amadurecimento e rompimento dos folículos.
Na distribuidora Plena, por exemplo, uma caixa de Lupron kit variou de R$ 450,00 a R$ 470,00, dependendo do nome do médico citado pela reportagem. O mesmo ocorreu com o Gonal (entre R$ 143 a R$ 158 cada ampola de 75 UI), o Ovidrel (entre R$ 176 a R$ 190) e o Choriomon (entre R$ 50 e R$ 69).
Na Entrega Rápida, as variações de preço se concentraram no Gonal (entre R$ 143 a R$ 158) e no Ovidrel (R$ 168 a R$ 172).
Segundo o ginecologista Nilson Roberto de Melo, presidente eleito da Febrasgo (federação das sociedades de ginecologia e obstetrícia), sempre há comentários sobre a prática de preços diferenciados dos medicamentos para reprodução assistida, mas nunca comprovação. "É lamentável que isso esteja ocorrendo", disse.
Outra prática denunciada por pacientes em tratamento de reprodução assistida é a venda de remédios dentro das clínicas, por meio de acordos feitos diretamente pelo laboratório.
Na avaliação da Anvisa, essa medida também é ilegal pois fere a lei 5991, de 1973, que diz que somente as farmácias e drogarias, que dispõem de farmacêuticos responsáveis, podem se ocupar da venda de medicamentos.

Fiscalização
"Isso é um absurdo sem tamanho. A atividade médica é sagrada, não pode ser maculada por relações comerciais de qualquer natureza", afirmou o médico Isac Jorge Filho, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).
Ele afirma que, diante dos fatos apresentados pela Folha, vai determinar uma fiscalização na área da reprodução assistida.
"A clínica não pode se transformar em atividade comercial. Além de ser antiético, é concorrência desleal. A maioria dos médicos dá muito duro e fica na desvantagem", diz Jorge Filho.
Dirceu Pereira, secretário-executivo da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, confirma que "há boatos" sobre isso. "Se existem acordos, isso é do fórum íntimo de cada médico." Para ele, não há como a sociedade intervir nessa questão porque a sua função é de cunho científico e não de fiscalização de procedimentos que ferem a ética profissional.
Para o professor da USP, Rui Alberto Ferriani, que dirige o serviço de reprodução do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, a única forma de os pacientes não saírem perdendo é com informação.
"Ao procurar uma clínica, o casal deve se informar sobre todo o custo do tratamento e o que está embutido nele. Há muito preço disfarçado. O casal tem de ter a livre escolha de pesquisar preços e comprar os remédios onde lhe convier. Qualquer interferência do médico é antiética", afirmou o ginecologista.
Ferriani, um dos primeiros a realizar fertilização in vitro (FIV) em serviço público, há mais de uma década, se diz preocupado com a banalização da reprodução assistida no país. "[a banalização] Fere a todos. Há hoje uma certa falta de controle", diz ele.
(Colaboraram Renata Baptista e Isabelle Moreira Lima)

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