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SAÚDE
A incidência de doenças sexualmente transmissíveis é maior nas tribos indígenas do que entre a população em geral
Cultura inibe uso de camisinha entre índios
CHICO DE GOIS
ENVIADO ESPECIAL A DOURADOS
Maria de Fátima Alves Garcia,
25, segura uma espiga de milho
em uma das mãos enquanto com
a outra, lentamente, começa a desenrolar uma camisinha. Ao seu
lado, quatro índias -a maioria
com crianças no colo- olham
atentamente para a instrutora,
tentando conter o riso ao mesmo
tempo envergonhado e malicioso.
Em guarani, Garcia explica a
importância de usar o preservativo. Já havia preparado a pequena
audiência exibindo cartazes sobre
DSTs (doenças sexualmente
transmissíveis).
As fotos provocam apreensão
nas índias. Uma delas diz, também em guarani, que a campanha
deveria ser dirigida aos maridos.
Garcia, que também é índia da aldeia bororó, em Dourados (200
quilômetros de Campo Grande),
concorda.
Em 2002, em todo o país, foram
registrados mais de 4.000 casos de
DST entre a população indígena
que vive nas aldeias, o que significa, na média, 12,9 casos por 1.000
habitantes.
Um número considerado alto,
principalmente levando-se em
conta que em toda a população
brasileira foram cerca de 200 mil
notificações para um público de
mais de 170 milhões de habitantes, o que significa 1,17 caso por
1.000 habitantes.
De 98 até o ano passado, foram
notificados 43 casos de Aids entre
os índios -24 deles no Mato
Grosso do Sul. Não há registros de
contaminação por HIV, uma vez
que o exame não é obrigatório.
Em quase seis anos de atuação
como agente de saúde na área,
Garcia aprendeu que os homens
são os mais resistentes ao uso do
preservativo.
"Muitos pais não querem que
seus filhos adolescentes usem camisinha." Dependendo da casa,
falar sobre o assunto é quase um
insulto. "Eles ficam bravos e perguntam se eu acho que os filhos
deles são vagabundos."
Mas os adolescentes interessados em educação sexual arranjam
um jeito de se proteger.
Eles a procuram em sua casa e
pedem "a encomenda". Garcia,
então, lhes entrega um pacote
com três unidades.
As igrejas evangélicas pentecostais também oferecem resistência
ao trabalho de prevenção. Uma
enfermeira que atua entre os índios, e que não quis se identificar
por temer a criação de mais empecilhos para o trabalho, lembra
de um pastor que proíbe seus seguidores de usar o preservativo e
até mesmo de aceitar o trabalho
de prevenção e cura de outras
doenças, principalmente a desnutrição entre crianças.
"Eles dizem que não precisam
de nada porque Deus cura." O resultado são casos como a morte
de uma criança de menos de um
ano de idade, no ano passado. Os
pais não permitiram que ela fosse
levada a um hospital mantido pela Missão Caiuá, uma ONG ligada
a outra igreja evangélica, que trata
de 45 desnutridos graves.
O professor Antonio Brand,
coordenador do Programa Kaiowa, da Universidade Católica
Dom Bosco, também aponta uma
questão cultural-religiosa sobre as
doenças. De acordo com ele, alguns males que não têm explicação dentro da cultura dos guaranis são atribuídos "ao mundo sobrenatural". A Aids e a tuberculose são exemplos. "A existência do
vírus é muito difícil de ser entendida pelos índios."
Para curá-las não basta, portanto, recorrer aos remédios tradicionais dos brancos. "A cura desses males está inserida mais no
xamã do que no médico." Xamã é
uma espécie de sacerdote que
atua como curandeiro.
A proliferação das doenças sexualmente transmissíveis e da
Aids preocupa os órgãos responsáveis pela saúde do índio.
Um relatório do ano passado
elaborado pela Coordenação Nacional de Aids aponta que "a epidemia cresce e se expande entre
índios residentes em áreas urbanas, mas que mantêm contatos
frequentes com as aldeias".
O documento destaca que as variáveis responsáveis por essa proliferação são "a pobreza, a prostituição e o alcoolismo".
Por causa desse quadro, a Funasa (Fundação Nacional de Saúde)
tem disseminado cursos de capacitação para profissionais que
atuam nas aldeias.
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