São Paulo, quinta-feira, 12 de novembro de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

Redundância ou expressividade?


Seja lá como for, isso é bem diferente de construções claramente redundantes, como "quorum mínimo"...

NO RECENTÍSSIMO exame de conhecimentos gerais da Unesp, realizado no último domingo, a banca elaborou questões baseadas no texto "Pensar em Nada", de Antonio Prata. O subtítulo do texto é "A maravilha da corrida: basta colocar um pé na frente do outro".
Uma das questões da prova de português é esta: "No período "Hoje, dez anos depois daquele almoço, tenho certeza de que ela estava certa", o cronista poderia ter evitado o efeito redundante devido ao emprego próximo de palavras cognatas (certeza e certa). Leia atentamente as quatro possibilidades abaixo e identifique as frases em que tal efeito de redundância é evitado, sem que sejam traídos os sentidos do período original: I. Hoje, dez anos depois daquele almoço, estou certo de que ela acertou. II. Hoje, dez anos depois daquele almoço, estou convencido de que ela estava certa. III. Hoje, dez anos depois daquele almoço, tenho certeza de que ela tinha razão. IV. Hoje, dez anos depois daquele almoço, acredito que ela poderia estar certa".
Vou poupar o leitor da combinação dada nas alternativas (I e II; I, III e IV etc.). Vamos ao que interessa. Posso estar enganado, mas acho que, mais uma vez, como na questão que vimos na semana passada (também da Unesp), o ponto crucial do teste está no significado de alguns termos empregados no enunciado, alguns deles próprios da nomenclatura gramatical e/ou linguística específica ("cognatas" e "redundância", por exemplo).
Alguém dirá que a própria banca desfez o mistério sobre os termos técnicos ao dar a "prova do crime" ("certeza" e "certa"). Não é bem assim. Com o devido respeito, a dificuldade que certas pessoas têm para lidar com termos técnicos é tal que, mesmo que a coisa seja escancarada, o "mistério" permanece.
Que são palavras cognatas? Como o nome já diz, são palavras que "nascem juntas", ou seja, têm raiz comum, como "triste" e "tristeza", "certo" e "certeza", "nobre" e "enobrecer", "dor" e "dolorido" etc.
Para a banca, o emprego próximo de "certeza" e "certa" cria "efeito redundante", embora esses termos se refiram a seres distintos ("certeza" complementa a forma verbal "tenho", cujo sujeito é "eu"; "certa" é predicativo de "ela", sujeito de "estava") e pareçam ter sido empregados de propósito pelo cronista, justamente para tentar (e conseguir!) obter efeito expressivo...
Pense comigo, caro leitor: "Tenho certeza de que ela estava certa". Isso é redundante ou expressivo? Seja lá como for, parece muito diferente de construções expressamente redundantes, como "elo de ligação", "enfrentar de frente", "piso mínimo" ou "quorum mínimo".
Posto isso, peço-lhe que volte ao enunciado e releia as quatro possibilidades de eliminação da redundância oferecidas pela banca. Não se esqueça desta ressalva: "...sem que sejam traídos os sentidos do período original". Pois é justamente por isso que a opção IV ("...acredito que ela poderia estar certa") sai do páreo. Nela não há nada que passe perto do efeito de redundância, mas a inclusão de "acredito" e de "poderia" elimina a certeza absoluta presente no texto original.
São duas as opções que atendem a exigência da banca: a II ("...estou convencido de que ela estava certa") e a III ("...tenho certeza de que ela tinha razão"). Mas, cá entre nós, no texto original "o efeito de redundância" está mais para efeito de expressividade. Ou não? É isso.

inculta@uol.com.br


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