São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

Quem não lê até o fim...

Na última prova da Fuvest, realizada há quase um mês, os candidatos tiveram de responder à seguinte questão: "Dos verbos assinalados, só está corretamente empregado o que aparece na frase:
a) A atual administração quer crescer a arrecadação em 40%;
b) A economia latino-americana se modernizou sem que a estrutura de renda da região acompanhou as transformações;
c) Se fazer previsões sobre a situação econômica já era difícil antes das eleições, agora ficou ainda mais complicado;
d) A indústria ficará satisfeita quando vender metade do estoque e transpor o obstáculo dos juros;
e) Por mais que os leitores se apropriam de um livro, no final, livro e leitor tornam-se uma só coisa".
Qual é o seu voto, caro leitor? Se ficou em dúvida logo na primeira frase, é bom saber que pelo menos três dicionários (o "Aurélio", o "Houaiss" e o de Francisco Fernandes) registram "crescer" com o sentido de "fazer crescer", "aumentar" e "fazer aumentar". O "Aurélio" dá este exemplo: "O espetáculo tenebroso crescia o seu pavor". O "Houaiss" dá estes: "O talento da atriz há de crescer sua beleza"; "O desprezo da namorada cresceu o ciúme do rapaz".
O "Dicionário de Verbos e Regimes", de Francisco Fernandes, dá três exemplos eruditos desse emprego de "crescer". Um dos exemplos de Fernandes é de Vieira.
Consideradas as informações dos três dicionários, a primeira frase seria boa, já que nela o verbo "crescer" tem justamente o significado de "fazer crescer", "aumentar", "fazer aumentar".
Bem, vamos à segunda frase. Nela, a locução "sem que" exige que a correlação com "modernizou" se faça com "acompanhasse" ou "tivesse acompanhado": "A economia latino-americana se modernizou sem que a estrutura de renda acompanhasse (ou "tivesse acompanhado') ...".
Chegamos à terceira frase, que a Fuvest dá como correta -e é inquestionavelmente correta. Paga pela pressa quem lê o começo e logo pára, supondo que seja incorreta a sequência "Se fazer previsões...". Não é o caso de empregar o futuro do subjuntivo ("fizer"). A forma "fazer", do infinitivo, faz parte da oração que funciona como sujeito de "era" (o ato de fazer previsões era difícil).
A disposição dos termos em outra ordem deixa claro o correto emprego de "fazer": "Se antes das eleições já era difícil fazer previsões sobre a situação econômica...". Percebeu? Experimente colocar "fizer" no lugar de "fazer". Que tal? Não funciona. A lição desse caso parece clara: quem não lê até o fim sempre corre riscos.
Na quarta frase, temos uma velha conhecida: a família do verbo "pôr", representada, no caso, por "transpor". Os dois verbos introduzidos pela conjunção "quando" devem ser conjugados no futuro do subjuntivo: "...quando vender o estoque e (quando) transpuser os obstáculos dos juros". Todos os verbos terminados em "por" devem seguir a conjugação do verbo "pôr".
Por fim, na quinta frase a forma "apropriam", do indicativo, deve ser substituída por "apropriem", do subjuntivo, modo que põe o verbo no plano da hipótese, possibilidade, suposição etc. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.

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