São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2004

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DANUZA LEÃO

Do que se é capaz

Você passa a vida aprendendo, ou melhor: se educando. No início são as coisas mais elementares: não botar a mão no fogo porque queima, não provocar o cachorro da vizinha que tem cara de bravo, e por aí vai.
Lembrar do tempo que se perdeu na praia ou pendurada no telefone, no lugar de estudar mais, só chorando. E o pior é que essa consciência só vem quando já é tarde; aliás, se acha que é, porque nunca é.
Que bom ler os livros, saber das coisas. Não só ver como saber o que há por trás delas, ou a razão pelas quais elas existem.
O prazer da leitura. Com um bom livro você enfrenta noites de solidão na Patagônia e vence qualquer depressão -se conseguir abrir o livro, claro.
Ah, se eles -que têm todo o tempo do mundo- soubessem que esse é o grande barato, infinitamente maior do que qualquer rave de sexta-feira; vão saber um dia.
Só que não é logo que fazemos a descoberta de nossos autores prediletos, e por mais genial que um deles seja, pode chegar na hora errada e não "bater".
Mas sempre existem outros, e uma infinidade de coisas que se pode aprender. A educar o ouvido, por exemplo.
É claro que se você crescer ouvindo as ricas melodias funk, vai ser um adulto infeliz. Mas se tiver a sorte de ter uma tia de bom gosto, que tenha guardado uns discos antigos - já ouviu falar em LP?- com uns belos Lupiscínios, uns velhos Carlos Galhardo, uns antigos tangos de Gardel, já vai dar para sentir que o mundo tem salvação. Isso para não falar dos clássicos, coisa mais séria e que exige tempo e concentração maiores. Mas será um tempo que você jamais vai lamentar como perdido.
E existem os celestiais prazeres do paladar. Dizem que estes só começam a se desenvolver depois dos 18 anos -a não ser que você tenha nascido na França. Lá, sobretudo no interior, uma criança de cinco anos é capaz de devolver o prato no restaurante se a carne não estiver no cozimento certo, e ainda discutir com o chef sobre de onde vêm as melhores trufas. E o vinho, então? Qualquer motorista de táxi -até mesmo de Paris, que, como todos sabem, não é uma cidade conhecida por oferecer as melhores mesas e os melhores vinhos- sabe perfeitamente se a safra de 68 dos Bourgogne foi digna de ficar na história ou se é apenas um artigo para enganar japoneses.
Uma vez eu vi um programa de uma hora inteira na televisão francesa -sem comerciais- só sobre gastronomia. Até aí, tudo normal.
Só que os dois únicos convidados para falar sobre esse assunto transcendental eram o presidente Jacques Chirac e Helmut Kohl. O então chanceler alemão, amante de um bom chucrute e de uma boa cerveja, terminou dando um conselho: que os governantes não devem ser escolhidos por serem de esquerda ou de direita, mas por possuírem ou não o gosto pela boa mesa. Não deixa de ser um ponto de vista.
Existem também o bom gosto e as boas maneiras, que podem ser adquiridos quando se tem a sorte de conviver com pessoas verdadeiramente elegantes no traje e sobretudo no trato, o que não tem nada a ver com a conta no banco.
Quanto mais se sabe, mais se quer saber, a vida vai ficando cada vez mais rica e nossas possibilidades, se ampliando. Antes de fazer uma viagem, é preciso ler sobre o país que se vai conhecer, e é melhor viajar menos mas aproveitar mais. O mundo é cheio de tesouros que estão em cada esquina, mas é preciso saber vê-los. Aprenda, conheça, procure saber sempre tudo, sobre tudo, mais, sempre mais. Para isso é preciso disciplina, o que também se aprende.
Você pode dominar o mundo, sabia? Só não vai conseguir, jamais, dominar seu coração.
E ainda bem.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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