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GILBERTO DIMENSTEIN
Seleção brasileira de ignorantes
Suponha que a seleção brasileira de futebol não conseguisse nem mesmo passar das oitavas-de-final numa Copa do
Mundo. Reação previsível: o país
inteiro se sentiria humilhado,
com o orgulho nacional ferido. A
surra seria lembrada por gerações
-assim como nunca esquecemos
a derrota para os uruguaios há
mais de meio século.
Na terça-feira, fomos informados de uma disputa entre países
envolvendo um assunto muito
mais relevante do que o futebol
para o destino do Brasil. Ficamos
em último lugar. Quase ninguém
soube e, mesmo entre os que souberam da "goleada", muitos já
devem ter, neste momento,
esquecido.
Não se iludam: o jogo só vai virar quando pessoas reservarem
pelo menos um quinto da atenção
destinada ao futebol para as escolas, mais especialmente as
públicas.
Num teste feito com alunos de
40 países, alguns deles pobres, o
Brasil ficou em último lugar em
matemática; em leitura, fomos ligeiramente melhor. Tirando os
comentários de um punhado de
educadores em meio a troca de
acusações sobre responsabilidades, o caso passou batido.
Esse resultado é mais um entre
tantos indicadores a mostrar que,
apesar de todos os avanços, a educação não está conseguindo nem
remotamente se aproximar das
demandas da sociedade do
conhecimento.
A surra do teste internacional
nem é o pior resultado. Periodicamente divulgam-se dados do
Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica): gira
em torno de 3% a porcentagem de
alunos de escolas públicas com
um nível de aprendizado considerado adequado. Vale repetir: 97%
não aprenderam o que deveriam.
Desculpe a grosseria, caro leitor,
mas imagine uma fábrica em que
97% dos produtos não respeitem
as especificações. Quanto tempo
essa fábrica teria de vida? Fábricas podem ser fechadas, escolas
públicas não. Mas os efeitos da
tragédia educacional provocam
uma concordata coletiva.
Não é apenas injusto como uma
asneira culpar apenas as escolas
ou seus professores -muitos deles são heróis que sobrevivem a
um massacre diário. São vítimas,
por exemplo, da informação divulgada na quarta-feira pelo
Unicef de que 27 milhões de
crianças vivem abaixo da linha
de pobreza.
Diante desses resultados, há
uma ilusão de que a saída viria
de dentro da escola. Nunca virá; a
saída está do lado de fora. Pesquisas e mais pesquisas, baseadas em
amostras de milhões de estudantes, mostram isso: sabe-se que o
desempenho do aluno tem a ver
com ingredientes como envolvimento da família, nível socioeconômico e os estímulos culturais.
Filhos de pais que lêem têm
maior tendência de se tornarem
leitores, ingrediente crucial do
aprendizado.
Não há, é óbvio, solução simples, rápida e barata. Mas a escola só conseguirá cumprir sua missão de criar indivíduos autônomos se houver uma ampla integração com a comunidade, compensando a defasagem cultural
de seus alunos.
Isso significa que, além de diretores motivados, professores preparados e currículos com significado na vida do estudante, a escola deve administrar, não episodicamente, mas sempre, trilhas
educativas pelos teatros, museus,
cinemas, bibliotecas, institutos
culturais, assim como por empresas, onde se conhecerão processos
de produção. Parte das aulas terá
de ser dada fora das escolas e,
mais ainda, o professor terá de fazer sempre a conexão com o cotidiano e as matérias, dando-lhes
significado.
Há um gigantesco potencial disponível, especialmente nas grandes cidades -mais ainda, nas regiões metropolitanas- de integração entre comunidade e escola, fazendo dessa mescla uma
única vivência educativa. Existe
um expressivo e crescente número
de fundações e ONGs que só tratam de gestão escolar e experimentam programas complementares para ajudar professores.
Muitos desses programas, documentados e avaliados, revelam
um notável sucesso, são tecnologia social gratuita.
Não se está, com isso, falando
nada de novo nem inventando
nada. Em todas as escolas em que
os alunos têm boa vivência cultural e famílias envolvidas, os resultados sempre são melhores.
Daí que muito pouco se vai conseguir se o poder público não oferecer para os diretores não só
uma formação voltada para a gerência de salas de aulas mas também a de articulador comunitário. Ou seja, deverão ser treinados
para cativar famílias e procurar
parcerias e fazer da cidade, a começar do bairro, uma vivência
educacional.
Cria-se, assim, uma comunidade de aprendizagem, com bairros
e cidades educadoras, e não seleções de ignorantes. Vamos ter tão
boas escolas públicas como temos
times de futebol. Ninguém está
dizendo que é fácil, simples ou barato. É tão difícil como ganhar
uma Copa do Mundo.
PS - A partir das experiências
que vi ou das quais participei, estou convencido de que educação
daria um grande salto se cada escola tivesse um pedagogo comunitário. Esse profissional não daria aula, apenas faria a ponte, todos os dias, entre a escola e a comunidade, abrindo as trilhas
educativas. Basta ver a qualidade
das escolas públicas que conseguem ter, seja pela associação de
pais e mestres, seja pelo entusiasmo de algum diretor ou de algum
professor, alguém desempenhando tal função. Tenho certeza de
que centenas de milhares de jovens talentosos se seduziriam por
essa carreira, passando a trabalhar como educadores.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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