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Uso de nomes reais é criticado
DA REPORTAGEM LOCAL
A velha-guarda e os adultos que
vivem há mais de 20 anos na Cidade de Deus dizem que o filme
está equivocado naquilo que leva
ao grande público.
Os moradores afirmam que os
elementos de maior impacto do
filme-para eles, os mais degradantes- não são verdadeiros. O
mais grave, segundo eles, é o uso
de nomes reais de pessoas que tiveram atribuídas a suas trajetórias ações e até crimes que não teriam cometeram, como o aliciamento de menores para o tráfico.
Jorge (nome fictício), 45, ex-comparsa de Zé Pequeno, garante
que metade do enredo é "mentiroso". "Nunca houve esse negócio
de dar tiro em mão de criança. Eu,
que trabalhei com ele por dois
anos, posso dizer que Zé Pequeno
não era estuprador, não cheirava
cocaína nem morreu cheio de tiros dados por menor [de idade"."
O líder comunitário Jorge Vilela, 42, e o presidente da União Comunitária da Cidade de Deus, José Neves, 75, atentam para o uso
de crianças no filme. "Essa história de menor no tráfico é recente.
Zé Pequeno e Mané Galinha nem
deixavam as crianças chegarem
perto das bocas", critica Neves.
A antropóloga Alba Zaluar, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Unicamp, confirma: "Durante minhas pesquisas, nunca vi criança
de dente de leite com arma. E
mais, não foi o Zé Pequeno quem
matou todas aquelas pessoas dentro de um motel. Foi outro entrevistado da pesquisa".
"Cidade de Deus" não é um documentário, mas uma ficção baseada no romance homônimo do
escritor Paulo Lins, ex-morador
da Cidade de Deus. O livro de
Lins, por sua vez, foi fundamentado em uma pesquisa de Alba Zaluar e do próprio Paulo Lins.
Durante a transformação do estudo em livro e do livro em roteiro de cinema, as vidas dos personagens foram romanceadas, segundo o próprio Lins. "Fiz uma
narrativa baseada na realidade.
Mas ela não é a realidade", afirma.
Zaluar conta que, quando
orientou Lins, pediu que ele não
usasse nomes verdadeiros no livro. Ela diz que, ao ver o filme
com os nomes reais, se sentiu, de
certa forma, responsável pelas
consequências que aquilo traria à
comunidade. "Só um dos principais personagens teve o codinome do livro mantido no roteiro. E
foi justamente o único sobrevivente daquela guerra, Ailton Batata, que aparece no livro e no filme como Sandro Cenoura."
Dona Ba, 62, figura conhecida
da Cidade de Deus, diz ter aberto
um processo há quatro meses
contra Paulo Lins. "Encontrei nove páginas dizendo que eu era
prostituta dona de um bordel. Já
fiz muita coisa errada, mas nunca
fui prostituta", afirma.
"Meu filho era errado mesmo,
infelizmente. Mas não era o
monstro que pintaram no filme",
diz a mãe de Zé Pequeno.
O desembargador Demóstenes
Braga, 62, do Tribunal de Justiça
de SP, afirma que um obra ficcional deve poupar os nomes reais
dos personagens em que se baseia. "Se o filme nomeia as pessoas e atribui a elas crime ou conduta desonrosa, está praticando
um crime", diz.
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