São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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Geração "Big Brother" é vigiada do ultra-som ao GPS

A tecnologia permite que filhos vivam sob monitoramento constante dos pais

Especialistas vêem prejuízo para a relação entre pais e filhos; empresas de segurança comemoram procura maior por câmeras

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

A tecnologia tem permitido que filhos vivam sob permanente monitoramento dos pais. Do ultra-som 3D do bebê no útero às câmeras on-line nas maternidades e escolas infantis até a instalação de GPS no celular e no carro de adolescentes, a vigilância pode ser constante.
Em São Paulo, pais de crianças pequenas integraram mais um item à cadeia de monitoramento eletrônico: estão instalando câmeras em casa para vigiar seus filhos enquanto trabalham fora. São verdadeiros "big brothers" domésticos.
O monitoramento é condenado por psicólogos e pedagogos, que vêem prejuízo na relação de pais e filhos. "É uma loucura", define a psicóloga Ana Bahia Bock, professora da PUC.
Já as empresas de segurança eletrônica comemoram. Algumas registram aumento de 250% de instalações de câmeras no interior de casas. Uma delas instalou 500 aparelhos em 2007, 300 a mais do que em 2006. "Na maioria dos casos, os pais têm crianças pequenas, instalam câmeras nos ambientes e avisam a babá sobre o monitoramento", diz Thiago Títero, dono da empresa. O custo médio para instalar quatro câmeras varia de R$ 160 (locação mensal) a R$ 2.200 (compra).
Alguns pais dizem que usam as câmeras para se sentir "mais perto" dos filhos, ainda que virtualmente. "Trabalho 12 horas por dia e viajo muito. Adoro acompanhar a hora do banho do Dudu. É uma festa!", diz André Serpa, 29, pai de Eduardo, 1.
Funcionário da Microsoft, Serpa pôs quatro câmeras em casa. Assim, vigia as estripulias do filho e as distrações da babá. Um dia, chamou a atenção dela porque o filho foi à cozinha, o que ele acha perigoso.
A analista de sistemas Gislaine Ferreira Lima Verri, 31, diz que, com as câmeras, evitou situações perigosas envolvendo a filha Amanda, 1. "Ela quase derrubou o videocassete na sala enquanto a babá estava lavando roupa na área de serviço."
Educadores e psicólogos avaliam que o monitoramento eletrônico dos filhos reflete uma falta de confiança no outro e pode comprometer a educação dos filhos na busca de autonomia. "Há aquela idéia de que o outro é sempre uma ameaça", diz a psicóloga Rosely Sayão, colunista da Folha.
Segundo ela, vigiar o filho com câmeras pode levar o indivíduo a se relacionar apenas com o olho mágico e não estabelecer relação pessoal. "Isso compromete a imagem de pai e de mãe que a criança tem."
Ela também discorda das câmeras nas escolas. "É ainda pior. Significa que os pais não delegam a educação para a escola, não deixam os filhos se tornarem alunos."
A psicóloga Ana Bahia Bock, professora da PUC-SP, avalia que a sociedade atual procura se adaptar ao isolamento e à falta de apoio social. "Por outro lado, a tecnologia avança na possibilidade de monitoramento, de invasão da vida do outro. Isso é muito ruim, uma loucura."
Segundo Bock, a tecnologia poderá prejudicar a relação entre pais e filhos. "Há uma invasão na vida do filho. Tudo o que é meu terá de ser escondido porque senão meus pais me vêem pela câmera ou saberão onde estou pelo GPS."


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