São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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Furto do Masp revela "desejo de poder", afirma delegado

Dinheiro, nesse caso, não tem importância, já que obras não podem ser vendidas

Interpol tem lista de 31,5 mil obras procuradas no mundo inteiro; no Brasil, itens que investigadores buscam são principalmente de arte sacra

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O furto das obras de Picasso e Portinari das quais o Masp foi alvo em 20 dezembro, desbaratado na semana passada, revela que se instala e cresce no Brasil um mercado negro que se movimenta sob encomenda e serve para satisfazer desejos de poder e nos quais o dinheiro não tem importância.
Essa é a opinião do delegado de Polícia Federal Jorge Pontes, coordenador-geral no Brasil da Interpol, polícia mundial que integra 186 países.
"É um mercado negro crescente. Em um ano, foram dois Picassos. Essas obras não são comercializáveis pelo menos nos próximos 10, 20 anos. Você não pode mostrar a ninguém. Serve apenas para saciar o prazer solitário daquele que encomendou. É freudiano."
A lista de obras de arte procuradas pela Interpol hoje soma cerca de 31,5 mil itens. Até a terça-feira passada, estavam na relação "A Dança" (Picasso, 1956), a segunda obra do pintor roubada em um ano -a outra foi "Retrato de Suzanne Bloch", recuperada pela polícia na semana passada após ser furtada do Masp. "A Dança" estava no Museu Chácara do Céu, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, até a véspera do Carnaval de 2006 -aliás, feriados são propícios para esse tipo de prática.
Os países campeões na lista de obras roubadas são Itália e França. No Brasil, mais de 20 itens incluídos nas ordens de busca da polícia mundial (as chamadas "difusões vermelhas") pertenciam ao acervo do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado a 21 anos de prisão por gestão fraudulenta do Banco Santos.
A única obra recuperada atribuída à coleção de Edemar, até o momento, é a tela "Hannibal" (Jean-Michel Basquiat, 1960-1988). Segundo descrito no processo ao qual o ex-banqueiro responde, a tela, na lista dos 25 itens mais valiosos dados como desaparecidos pela Justiça, vale US$ 825 mil (R$ 1,435 milhão, na cotação do dólar comercial de anteontem).
O quadro só foi descoberto porque um marchand de Connecticut consultou o site da Interpol para saber a situação da obra, que circulava no mercado norte-americano. Apreendido, o bem enfrenta a burocracia de tratados de cooperação internacional para retornar ao país.
Se esse mercado mais raro e egocêntrico é novo, o tráfico de arte sacra já tem história no país. O caso mais rumoroso foi a recuperação de uma talha, uma espécie de biombo em madeira de 2,20 metros por 1,50 metro, talhado a mão em minúcias, que havia sido roubado de uma igreja em Nazaré da Mata, em Pernambuco, em 1995. O vigia da capela foi morto para a retirada do objeto.
A talha foi redescoberta pela Polícia Federal depois de reproduzida num catálogo em referência aos 500 anos do Brasil, em 2003, sob o patrocínio da entidade Brasil Connect, um investimento mecênico mantido pelo grupo de Edemar Cid Ferreira.
Para se ter uma idéia, segundo a delegada Vanessa Souza, chefe do serviço de Difusões e de Procurados Internacionais, 80% das inclusões de obras brasileiras na lista dos itens procurados pela Interpol são classificados como arte sacra.
No balanço feito por Pontes, que estruturou no Brasil as delegacias de combate a crimes ambientais e ao patrimônio histórico entre 2001 e 2003, 60% do patrimônio sacro produzido em Minas Gerais já foi desviado para outros Estados.
O único caminho para a recuperação são a informação e a reserva da investigação, segundo os especialistas -além de reforçar os esquipamentos de segurança dos museus; o Masp, por exemplo, só depois do roubo decidiu instalar sensores. Ainda assim, os índices de recuperação são baixos, isso em relação ao mercado negro comercializável, diferente do que lida com os objetos de desejo.
Em regra, quem participa de tais condutas responde pelos crimes de corrupção ativa e passiva, além de formação de quadrilha. E, ainda que compre de boa-fé, responderá por receptação na modalidade culposa, que, conforme o artigo 180 do Código Penal, prevê penas de um a quatro anos de prisão, além de multa.
O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional) catalogou as obras tombadas. Entre os bens culturais procurados, o total é de 898 itens, dos quais 857 são de obras religiosas. Os que foram resgatados somam 35, ou seja, 3%.


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