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Furto do Masp revela "desejo de poder", afirma delegado
Dinheiro, nesse caso, não tem importância, já que obras não podem ser vendidas
Interpol tem lista de 31,5 mil obras procuradas no mundo inteiro; no Brasil, itens que investigadores buscam são principalmente de arte sacra
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O furto das obras de Picasso e
Portinari das quais o Masp foi
alvo em 20 dezembro, desbaratado na semana passada, revela
que se instala e cresce no Brasil
um mercado negro que se movimenta sob encomenda e serve para satisfazer desejos de
poder e nos quais o dinheiro
não tem importância.
Essa é a opinião do delegado
de Polícia Federal Jorge Pontes, coordenador-geral no Brasil da Interpol, polícia mundial
que integra 186 países.
"É um mercado negro crescente. Em um ano, foram dois
Picassos. Essas obras não são
comercializáveis pelo menos
nos próximos 10, 20 anos. Você
não pode mostrar a ninguém.
Serve apenas para saciar o prazer solitário daquele que encomendou. É freudiano."
A lista de obras de arte procuradas pela Interpol hoje soma
cerca de 31,5 mil itens. Até a
terça-feira passada, estavam na
relação "A Dança" (Picasso,
1956), a segunda obra do pintor
roubada em um ano -a outra
foi "Retrato de Suzanne Bloch",
recuperada pela polícia na semana passada após ser furtada
do Masp. "A Dança" estava no
Museu Chácara do Céu, em
Santa Teresa, no Rio de Janeiro, até a véspera do Carnaval de
2006 -aliás, feriados são propícios para esse tipo de prática.
Os países campeões na lista
de obras roubadas são Itália e
França. No Brasil, mais de 20
itens incluídos nas ordens de
busca da polícia mundial (as
chamadas "difusões vermelhas") pertenciam ao acervo do
ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado a 21 anos de
prisão por gestão fraudulenta
do Banco Santos.
A única obra recuperada atribuída à coleção de Edemar, até
o momento, é a tela "Hannibal"
(Jean-Michel Basquiat, 1960-1988). Segundo descrito no
processo ao qual o ex-banqueiro responde, a tela, na lista dos
25 itens mais valiosos dados como desaparecidos pela Justiça,
vale US$ 825 mil (R$ 1,435 milhão, na cotação do dólar comercial de anteontem).
O quadro só foi descoberto
porque um marchand de Connecticut consultou o site da Interpol para saber a situação da
obra, que circulava no mercado
norte-americano. Apreendido,
o bem enfrenta a burocracia de
tratados de cooperação internacional para retornar ao país.
Se esse mercado mais raro e
egocêntrico é novo, o tráfico de
arte sacra já tem história no
país. O caso mais rumoroso foi
a recuperação de uma talha,
uma espécie de biombo em madeira de 2,20 metros por 1,50
metro, talhado a mão em minúcias, que havia sido roubado de
uma igreja em Nazaré da Mata,
em Pernambuco, em 1995. O vigia da capela foi morto para a
retirada do objeto.
A talha foi redescoberta pela
Polícia Federal depois de reproduzida num catálogo em referência aos 500 anos do Brasil,
em 2003, sob o patrocínio da
entidade Brasil Connect, um
investimento mecênico mantido pelo grupo de Edemar Cid
Ferreira.
Para se ter uma idéia, segundo a delegada Vanessa Souza,
chefe do serviço de Difusões e
de Procurados Internacionais,
80% das inclusões de obras
brasileiras na lista dos itens
procurados pela Interpol são
classificados como arte sacra.
No balanço feito por Pontes,
que estruturou no Brasil as delegacias de combate a crimes
ambientais e ao patrimônio
histórico entre 2001 e 2003,
60% do patrimônio sacro produzido em Minas Gerais já foi
desviado para outros Estados.
O único caminho para a recuperação são a informação e a
reserva da investigação, segundo os especialistas -além de
reforçar os esquipamentos de
segurança dos museus; o Masp,
por exemplo, só depois do roubo decidiu instalar sensores.
Ainda assim, os índices de recuperação são baixos, isso em relação ao mercado negro comercializável, diferente do que lida
com os objetos de desejo.
Em regra, quem participa de
tais condutas responde pelos
crimes de corrupção ativa e
passiva, além de formação de
quadrilha. E, ainda que compre
de boa-fé, responderá por receptação na modalidade culposa, que, conforme o artigo 180
do Código Penal, prevê penas
de um a quatro anos de prisão,
além de multa.
O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional) catalogou as obras tombadas. Entre os bens culturais procurados, o total é de 898 itens, dos
quais 857 são de obras religiosas. Os que foram resgatados
somam 35, ou seja, 3%.
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