São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 2006

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PASQUALE CIPRO NETO

"De acordo com a legislação..."

"De acordo com a legislação brasileira, informamos que é proibido fumar a bordo desta aeronave, inclusive nos banheiros." Quem já viajou de avião conhece a mensagem, transmitida nos momentos que antecedem a decolagem.
Pois bem, caro leitor. O que ocorre "de acordo com a legislação brasileira"? A proibição de fumar a bordo ou a informação de que é proibido fumar a bordo? Tomada ao pé da letra, a mensagem é traduzida pela segunda hipótese, ou seja, a legislação exige que o pessoal da aviação informe aos passageiros que é proibido fumar a bordo dos aeroplanos.
A esta altura, o leitor talvez esteja achando que estou vendo chifre em cabeça de cavalo. Não é isso, não. A questão é outra: sempre que possível, deve-se optar pela disposição dos termos ou das orações em ordem tal que não haja a mínima possibilidade de "ruído" na comunicação. É claro que o conhecimento de mundo e a situação em que se propaga a mensagem nos levam a entender a intenção de quem redige o texto lido pelos comissários, mas a redação que traduz com fidelidade o que se quer transmitir é outra. Que tal algo como "Informamos que, de acordo com a legislação brasileira, é proibido fumar a bordo, inclusive nos banheiros"?
O que muda da redação original para a que você acabou de ler? Houve o acréscimo ou a eliminação de algum termo? Não; houve apenas a disposição dos termos em outra ordem, o que, na prática, significou o seguinte: a locução "de acordo com a legislação brasileira" deixou de ser modificadora de "informamos" e passou a modificar "é proibido fumar".
Em situações mais críticas, a posição de certos termos pode causar irremediáveis alterações na mensagem. Compare estes exemplos: "Durante o almoço, ele disse que não gosta de tratar de negócios"; "Ele disse, durante o almoço, que não gosta de tratar de negócios"; "Ele disse que, durante o almoço, não gosta de tratar de negócios"; "Ele disse que não gosta de tratar de negócios durante o almoço". As palavras são exatamente as mesmas, mas...
Posso estar enganado, mas parece que na primeira (e talvez na última) há uma pequena ponta de ambigüidade. A segunda e a terceira são claras (e bem diferentes): na segunda ("Ele disse, durante o almoço, que..."), informa-se quando ele disse o que disse; na terceira ("Ele disse que, durante o almoço, não gosta de..."), informa-se em que momento ele não gosta de tratar de negócios.
No último vestibular do Mackenzie, a banca formulou uma questão a partir deste enunciado: "Neste artigo, eu gostaria de apresentar algo que pode ser de extrema importância para você". O candidato deveria assinalar a frase que, com os termos dispostos em outra ordem, mantivesse o sentido original. O jogo se dava em torno da posição da locução adverbial "neste artigo".
Na frase original, o "artigo" é o "lugar" em que o emissor da mensagem (e provável autor do tal artigo) apresenta "algo que pode ser de extrema importância" para seu interlocutor. Um simples deslocamento de "neste artigo" para depois de "algo" basta para que o sentido comece a mudar (e muito). Veja como isso ficaria: "Eu gostaria de apresentar algo neste artigo de extrema importância para você". Já não se pode afirmar que o emissor da frase seja o autor do tal artigo, certo? É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


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