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PASQUALE CIPRO NETO
"De acordo com a legislação..."
"De acordo com a legislação brasileira, informamos que é proibido fumar a
bordo desta aeronave, inclusive
nos banheiros." Quem já viajou
de avião conhece a mensagem,
transmitida nos momentos que
antecedem a decolagem.
Pois bem, caro leitor. O que
ocorre "de acordo com a legislação brasileira"? A proibição de fumar a bordo ou a informação de
que é proibido fumar a bordo?
Tomada ao pé da letra, a mensagem é traduzida pela segunda hipótese, ou seja, a legislação exige
que o pessoal da aviação informe
aos passageiros que é proibido fumar a bordo dos aeroplanos.
A esta altura, o leitor talvez esteja achando que estou vendo chifre em cabeça de cavalo. Não é isso, não. A questão é outra: sempre
que possível, deve-se optar pela
disposição dos termos ou das orações em ordem tal que não haja a
mínima possibilidade de "ruído"
na comunicação. É claro que o conhecimento de mundo e a situação em que se propaga a mensagem nos levam a entender a intenção de quem redige o texto lido pelos comissários, mas a redação que traduz com fidelidade o
que se quer transmitir é outra.
Que tal algo como "Informamos
que, de acordo com a legislação
brasileira, é proibido fumar a
bordo, inclusive nos banheiros"?
O que muda da redação original para a que você acabou de ler?
Houve o acréscimo ou a eliminação de algum termo? Não; houve
apenas a disposição dos termos
em outra ordem, o que, na prática, significou o seguinte: a locução "de acordo com a legislação
brasileira" deixou de ser modificadora de "informamos" e passou
a modificar "é proibido fumar".
Em situações mais críticas, a
posição de certos termos pode
causar irremediáveis alterações
na mensagem. Compare estes
exemplos: "Durante o almoço, ele
disse que não gosta de tratar de
negócios"; "Ele disse, durante o
almoço, que não gosta de tratar
de negócios"; "Ele disse que, durante o almoço, não gosta de tratar de negócios"; "Ele disse que
não gosta de tratar de negócios
durante o almoço". As palavras
são exatamente as mesmas, mas...
Posso estar enganado, mas parece que na primeira (e talvez na
última) há uma pequena ponta
de ambigüidade. A segunda e a
terceira são claras (e bem diferentes): na segunda ("Ele disse, durante o almoço, que..."), informa-se quando ele disse o que disse; na
terceira ("Ele disse que, durante o
almoço, não gosta de..."), informa-se em que momento ele não
gosta de tratar de negócios.
No último vestibular do Mackenzie, a banca formulou uma
questão a partir deste enunciado:
"Neste artigo, eu gostaria de apresentar algo que pode ser de extrema importância para você". O
candidato deveria assinalar a frase que, com os termos dispostos
em outra ordem, mantivesse o
sentido original. O jogo se dava
em torno da posição da locução
adverbial "neste artigo".
Na frase original, o "artigo" é o
"lugar" em que o emissor da mensagem (e provável autor do tal artigo) apresenta "algo que pode ser
de extrema importância" para
seu interlocutor. Um simples deslocamento de "neste artigo" para
depois de "algo" basta para que o
sentido comece a mudar (e muito). Veja como isso ficaria: "Eu
gostaria de apresentar algo neste
artigo de extrema importância
para você". Já não se pode afirmar que o emissor da frase seja o
autor do tal artigo, certo? É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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