|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Nova regra da fila do fígado reduz morte de crianças
Após mudança, mortalidade na espera por transplante caiu 50% no Instituto da Criança
Números mostram que critérios para a distribuição do órgão, em vigor há nove meses, privilegiou crianças, em prejuízo dos adultos
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
A mudança nos critérios que
norteiam a distribuição de fígados na fila única de transplantes, em vigor há nove meses, beneficiou as crianças. O número
de cirurgias no Estado de São
Paulo triplicou e, em alguns locais, a taxa de mortalidade na
fila caiu pela metade.
No Estado de São Paulo, responsável por 50% dos transplantes do país, foram realizados 220 transplantes de fígado
entre julho de 2006 (início das
novas regras) e 30 de março,
sendo 40 em crianças. No mesmo período anterior à mudança, foram 13 cirurgias em crianças de um total de 219.
Como o total de transplantes
não aumentou no período, os
números mostram que, na prática, a mudança nas regras privilegiou as crianças, em prejuízo dos adultos, embora, em alguns casos, é possível dividir o
fígado em dois.
O Instituto da Criança do
Hospital das Clínicas de São
Paulo realizou mais da metade
das cirurgias infantis. Foram
feitos 24 transplantes de fígado
de doadores mortos, entre julho de 2006 e março deste ano,
contra 7 no período anterior.
Não há informações sobre o
impacto das mudanças em outros Estados.
Segundo o médico João Gilberto Maksoud, responsável
pelo serviço de cirurgia pediátrica do instituto, a taxa de
mortalidade na fila de espera
caiu 50% após a mudança dos
critérios. "Antes, a média de espera era de três anos, agora é de
dois meses, se o caso for grave."
Desde julho de 2006, o critério cronológico (tempo em lista) foi substituído pelo de gravidade no país. A gravidade é avaliada por um modelo matemático (Meld) que se baseia em
exames laboratoriais e atribui
pontos para cada paciente. Os
números vão de 6 a 40.
Quanto maior o valor, maior
a gravidade e menor o tempo de
vida previsto para o doente. São
considerados casos graves os
que têm índices acima de 16.
Com a mudança dos critérios, as crianças ganharam pontos adicionais ao Meld, independentemente do grau de gravidade. Elas também têm prioridade no recebimento de órgãos de doadores mortos menores de 18 anos.
Além disso, as alterações acabaram com a doação intervivos
(geralmente o pai ou a mãe doava parte do fígado ao filho). Nos
nove meses que antecederam
as mudanças, foram feitos 13
transplantes de doadores vivos.
Desde julho de 2006, não houve cirurgia desse tipo.
Adultos
Já entre os médicos que fazem transplante de fígado em
adultos, o clima passa longe do
otimismo. "Estamos transplantando os pacientes moribundos. Em São Paulo, o paciente
que tem cirrose tá frito [porque
é menos grave]. A probabilidade ele ser transplantado é pequena", diz o médico Sergio
Mies, responsável pela Unidade de Fígado de São Paulo.
Mies se refere ao fato de a
mudança dos critérios ter privilegiado os pacientes mais graves (portadores de hepatite fulminante e de câncer, por exemplo) em detrimento daqueles
que também precisam de um
órgão, mas não estão tão graves. "Estamos até tirando da fila esses pacientes."
A atual média do Meld dos
transplantados no Estado de
São Paulo é de 31,5, segundo levantamento feito por Mies nos
primeiros oito meses de mudanças -de 18 de julho de 2006
a 23 de março de 2007. No período, foram transplantados
225 pacientes, 663 morreram
na fila e outros 3.841 continuavam à espera do órgão.
A taxa de mortalidade nos 90
dias após o transplante está em
35%, chegando a 60% nos casos
mais graves -justamente os
que estão sendo beneficiados
pelas novas regras.
"Os casos operados são de
uma gravidade excepcional. A
mesma mortalidade que acontecia em um ano de transplante
[35%] já pode ser observada em
três meses. A sobrevida está
menor porque os pacientes estão mais graves", avalia.
Entre os 185 adultos que receberam órgãos, 20% foram
priorizados e 40% estavam na
chamada situação especial.
Segundo ele, hoje há três tipos de transplantes: o priorizado, que envolve pacientes em
situações agudas -como uma
hepatite fulminante- e passa
na frente de todos; os especiais
-como câncer pequeno no fígado-; e os "normais" -doenças crônicas, como a cirrose.
"O paciente com câncer pequeno no fígado ganha 20 pontos logo que entra na fila. Em
seis meses, vai para 29. É claramente beneficiado e nem sempre o estado é tão grave."
Texto Anterior: Mortes Próximo Texto: Fila no país: 7.000 pessoas esperam por um fígado Índice
|