São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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Mulheres lavam dinheiro para facção

90% das contas bancárias movimentadas pelo PCC estão registradas em nome das companheiras dos integrantes do grupo

Quebra de sigilo revela aporte de R$ 28,59 milhões; para não levantar suspeitas, depósitos têm baixos valores, entre R$ 50 e R$ 300

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O PCC (Primeiro Comando da Capital) inventou uma nova função para a figura clássica da mulher de malandro: agora elas ajudam a lavar dinheiro.
Cabe às mulheres dos integrantes da facção a tarefa de dar uma aparência legal aos recursos juntados com o tráfico de drogas, principalmente. São em contas abertas por elas que o dinheiro do tráfico sai do submundo e ingressa no mundo legal, segundo investigação do Ministério Público a partir de dados levantados pelas Polícias Civil e Militar.
O que os promotores descobriram nessas contas tem algo de diabólico -a movimentação de recursos segue critérios criados para não levantar suspeitas. São depósitos de R$ 50, R$ 100 ou, no máximo, R$ 300, feitos sempre em espécie. Os bancos só são obrigados a informar ao Ministério da Fazenda as movimentações em espécie acima de R$ 10 mil.
A maioria das contas é do tipo poupança por uma razão simples: o banco exige menos documentos. Quase a totalidade do dinheiro que entra sai logo em seguida para uma teia de contas e empresas capaz de enlouquecer o mais paciente dos investigadores.
Em um ano de investigação, iniciada após os ataques de maio do ano passado, os promotores já conseguiram quebrar o sigilo de 487 contas -mais de 90% delas abertas em nome de mulheres.
Entraram nessas contas R$ 28,59 milhões e saíram R$ 28,26 milhões -restaram nelas R$ 323,80 mil. Entre outubro de 2005 e agosto de 2006, outras 2.882 contas receberam recursos das 487 analisadas inicialmente.
O projeto do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) partiu de uma idéia óbvia e ambiciosa: a de sufocar as finanças do PCC. Um ano depois, o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro, que integra a equipe de investigação, afirma que a meta está longe de ser atingida. "Não conseguimos nem fazer cócegas nas finanças do PCC. Seria um absurdo imaginar que a organização está morta ou é uma velha desdentada."
De que adiantou, então, uma investigação que se arrasta por um ano? Carneiro diz que o ganho com uma investigação desse porte não é desprezível -agora, diz ele, o Estado sabe minimamente como funcionam pelo menos uma parte das finanças do PCC.
"Antes dos ataques [de maio de 2006], o crime era organizado e o Estado, desorganizado. Agora o Estado está começando a se organizar."
A investigação que abriu as entranhas das contas é um exemplo dessa mudança, segundo o promotor Arthur Pinto de Lemos Jr. "É a primeira vez no Brasil que vejo um promotor estadual trabalhando com um órgão do Ministério da Justiça", afirma.
O órgão a que Lemos Jr. se refere é o Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro, aberto em Brasília em maio do ano passado.
Foi graças ao laboratório que os promotores conseguiram processar em computadores todos a movimentação das mulheres do PCC.
As 487 contas constituem a maior quebra de sigilo já feita fora das CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito), segundo dados do Ministério da Justiça. O próximo passo do Gaeco será pedir a quebra de mais contas bancárias.
Nessa fase, não serão contas só de bagrinhos -começaram a aparecer empresas. Os promotores guardam sigilo de que empresas são essas, mas a Folha apurou que o PCC esquentava dinheiro em revenda de automóveis e até em loja de ração para gado -negócios em que o uso de dinheiro vivo é freqüente. As empresas não ficam só em São Paulo -há firmas em Mato Grosso do Sul e em Estados amazônicos.
"Nós estamos atrasados. Precisamos sufocar a lavagem de dinheiro processando as empresas, só assim se sufoca a lavagem", diz Carneiro. É nas empresas que o PCC lava o dinheiro mais graúdo, segundo avaliação dos promotores.
Se é otimista em relação à investigação sobre lavagem de dinheiro, Carneiro é pessimista sobre uma vertente que considera fundamental -a da corrupção dos agentes públicos. Enquanto os celulares estiverem entrando nos presídios, caçar contas do PCC será uma tarefa tão inútil quanto transportar a areia do deserto do Saara para o pólo norte com carrinho de mão.


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