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Mulheres lavam dinheiro para facção
90% das contas bancárias movimentadas pelo PCC estão registradas em nome das companheiras dos integrantes do grupo
Quebra de sigilo revela aporte de R$ 28,59 milhões; para não levantar suspeitas, depósitos têm baixos valores, entre R$ 50 e R$ 300
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O PCC (Primeiro Comando
da Capital) inventou uma nova
função para a figura clássica da
mulher de malandro: agora elas
ajudam a lavar dinheiro.
Cabe às mulheres dos integrantes da facção a tarefa de dar
uma aparência legal aos recursos juntados com o tráfico de
drogas, principalmente. São em
contas abertas por elas que o
dinheiro do tráfico sai do submundo e ingressa no mundo legal, segundo investigação do
Ministério Público a partir de
dados levantados pelas Polícias
Civil e Militar.
O que os promotores descobriram nessas contas tem algo
de diabólico -a movimentação
de recursos segue critérios
criados para não levantar suspeitas. São depósitos de R$ 50,
R$ 100 ou, no máximo, R$ 300,
feitos sempre em espécie. Os
bancos só são obrigados a informar ao Ministério da Fazenda
as movimentações em espécie
acima de R$ 10 mil.
A maioria das contas é do tipo poupança por uma razão
simples: o banco exige menos
documentos. Quase a totalidade do dinheiro que entra sai logo em seguida para uma teia de
contas e empresas capaz de
enlouquecer o mais paciente
dos investigadores.
Em um ano de investigação,
iniciada após os ataques de
maio do ano passado, os promotores já conseguiram quebrar o sigilo de 487 contas
-mais de 90% delas abertas em
nome de mulheres.
Entraram nessas contas R$
28,59 milhões e saíram R$
28,26 milhões -restaram nelas
R$ 323,80 mil. Entre outubro
de 2005 e agosto de 2006, outras 2.882 contas receberam recursos das 487 analisadas inicialmente.
O projeto do Gaeco (Grupo
de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) partiu
de uma idéia óbvia e ambiciosa:
a de sufocar as finanças do
PCC. Um ano depois, o promotor José Reinaldo Guimarães
Carneiro, que integra a equipe
de investigação, afirma que a
meta está longe de ser atingida.
"Não conseguimos nem fazer
cócegas nas finanças do PCC.
Seria um absurdo imaginar que
a organização está morta ou é
uma velha desdentada."
De que adiantou, então, uma
investigação que se arrasta por
um ano? Carneiro diz que o ganho com uma investigação desse porte não é desprezível
-agora, diz ele, o Estado sabe
minimamente como funcionam pelo menos uma parte das
finanças do PCC.
"Antes dos ataques [de maio
de 2006], o crime era organizado e o Estado, desorganizado.
Agora o Estado está começando a se organizar."
A investigação que abriu as
entranhas das contas é um
exemplo dessa mudança, segundo o promotor Arthur Pinto de Lemos Jr. "É a primeira
vez no Brasil que vejo um promotor estadual trabalhando
com um órgão do Ministério da
Justiça", afirma.
O órgão a que Lemos Jr. se
refere é o Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro, aberto em Brasília em
maio do ano passado.
Foi graças ao laboratório que
os promotores conseguiram
processar em computadores
todos a movimentação das mulheres do PCC.
As 487 contas constituem a
maior quebra de sigilo já feita
fora das CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito), segundo
dados do Ministério da Justiça.
O próximo passo do Gaeco será
pedir a quebra de mais contas
bancárias.
Nessa fase, não serão contas
só de bagrinhos -começaram a
aparecer empresas. Os promotores guardam sigilo de que
empresas são essas, mas a Folha apurou que o PCC esquentava dinheiro em revenda de
automóveis e até em loja de ração para gado -negócios em
que o uso de dinheiro vivo é freqüente. As empresas não ficam
só em São Paulo -há firmas em
Mato Grosso do Sul e em Estados amazônicos.
"Nós estamos atrasados. Precisamos sufocar a lavagem de
dinheiro processando as empresas, só assim se sufoca a lavagem", diz Carneiro. É nas
empresas que o PCC lava o dinheiro mais graúdo, segundo
avaliação dos promotores.
Se é otimista em relação à investigação sobre lavagem de dinheiro, Carneiro é pessimista
sobre uma vertente que considera fundamental -a da corrupção dos agentes públicos.
Enquanto os celulares estiverem entrando nos presídios, caçar contas do PCC será uma tarefa tão inútil quanto transportar a areia do deserto do Saara
para o pólo norte com carrinho
de mão.
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