São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 2000


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VIOLÊNCIA NO RIO
Homem armado domina dez pessoas em ônibus no Jardim Botânico
Refém e sequestrador morrem após quatro horas de terror

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Policial entrega celular para o sequestrador

Luis Bettancourt/Folha Imagem
A refém morta, Geísa Firmo Gonçalves, é carregada por Policial Militar


DA SUCURSAL DO RIO

Um homem armado com um revólver calibre 38 fez dez reféns e promoveu mais de quatro horas de terror ontem, dentro de um ônibus da linha 174 (Gávea-Central do Brasil), no Jardim Botânico (zona sul do Rio). Uma refém de 20 anos e o criminoso, um jovem identificado apenas como Sérgio, morreram baleados.
O sequestro começou às 14h20 e terminou às 18h50, quando ainda havia seis reféns, todas mulheres.
A refém morta, Geísa Firmo Gonçalves, foi baleada já fora do coletivo, para onde foi levada como escudo pelo sequestrador, que tentava negociar sua fuga. Ela foi alvejada no mesmo momento em que a polícia atirou contra o criminoso e levou três tiros -no tórax, no abdômen e no pescoço.
Até as 21h não estava claro se as balas que mataram Geísa partiram do assaltante ou da polícia. Ela era empregada doméstica e morava na favela da Rocinha, em São Conrado.
É natural de Pernambuco e estava há apenas dois meses na cidade. Havia saído de casa para ir ao banco com uma amiga.
O criminoso, cujo nome completo não era conhecido até a noite de ontem, tentou durante todo o tempo negociar sua fuga em troca da libertação dos reféns. Em um bilhete escrito por uma refém, ele pediu granadas, pistolas e R$ 1.000 para libertar os passageiros.
Ao sair do ônibus, levando a refém Geísa, o sequestrador foi alvejado por vários tiros da polícia. Mesmo ferido na cabeça, ele quase foi linchado por parte da multidão, cerca de mil pessoas que desde o início da tarde acompanhavam o sequestro. Mas ainda saiu vivo do local e foi levado para o hospital Souza Aguiar num camburão da Polícia Militar. O hospital diz já chegou morto.
Segundo a PM, o sequestrador estava drogado. Os sintomas seriam sede constante, agitação e fala desconexa. Ele chegou a pedir água à polícia. Para se certificar de que o líquido não continha qualquer soporífero, pediu que uma refém bebesse antes dele.
O drama, transmitido ao vivo para todo o país pelos canais de TV, começou às 14h20, quando o homem armado embarcou no coletivo, que havia saído da Gávea em direção a Botafogo. De óculos escuros e vestindo um casaco com capuz, ele subiu no ponto de ônibus em frente ao hospital da Lagoa, na rua Jardim Botânico.
O criminoso não chegou a assaltar os passageiros. A polícia foi avisada de sua presença, aparentemente por um passageiro recém-desembarcado que viu a arma, e passou a seguir o veículo.
Quando o motorista, por ordem de uma patrulha da PM, parou o ônibus, em frente ao parque Lage, o criminoso fez dez passageiros como reféns. O motorista José Fernandes do Nascimento, 51, aproveitou a confusão e fugiu por uma janela. O cobrador e mais alguns passageiros fizeram o mesmo.
A patrulha da PM chamou reforços, com policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope), 23º Batalhão de Polícia Militar (BPM), do Leblon, Grupamento Especial Tático-Móvel (Getam), 2º BPM (Botafogo), policiais civis e guardas municipais. O trânsito na rua Jardim Botânico, que liga a Gávea ao Humaitá, dois bairros da zona sul, foi bloqueado.
Quatro policiais do Bope, tropa de elite da Polícia Militar fluminense, posicionaram-se atrás de uma viatura da PM. Eles ficaram em posição de tiro, a cerca de cinco metros da frente do ônibus. Jornalistas e curiosos foram mantidos a pelo menos 25 metros de distância do ônibus. As negociações com o sequestrador passaram a ser conduzidas pelo coronel José Penteado, do Bope, e pelo coronel Luís Soares de Oliveira, do 23º Batalhão.
O criminoso gritava que era de São Gonçalo (a 30 km do Rio) e que sua irmã, de 7 anos, havia sido assassinada ontem. Dizia também que a mãe fora assassinada.
Ele soltou o primeiro refém, um homem, às 16h. Cerca de quarenta minutos depois, uma mulher foi libertada. Quando o sequestro estava quase encerrado, por volta das 18h30, foi solto um terceiro refém, um homem idoso.
A tensão maior começou pouco depois das 16h. O sequestrador mandou que uma das reféns escrevesse com batom, no vidro da frente do ônibus: "Ele vai matar geral às seis da tarde". Essa refém , Janaína Lopes Neves, era levada de um lado para outro do ônibus, puxada pelos cabelos. Depois, ela escreveu: "Ele tem pacto com o diabo".
Para tentar dificultar a ação dos policiais, o bandido colocou, às 16h35, camisas nas janelas.
Às 16h50 o policial encarregado da negociação tentou dar um telefone celular para o sequestrador. Ele ficou nervoso e não aceitou. Em seguida, mudou de idéia e pegou o aparelho. Pouco depois, chegou a apontar a arma para a cabeça do policial que negociava.
Logo em seguida, atirou para o chão do ônibus e voltou a ameaçar o policial. Às 17h, a PM ampliou o cordão de isolamento, mandando que todos recuassem.
A tensão aumentou às 17h05, quando uma ambulância do Resgate e Salvamento da PM chegou. Por volta das 18h, o criminoso chegou a acionar o extintor do incêndio do ônibus, para que não se pudesse ver o que ocorria lá dentro. Ele tentou também arrancar com o veículo e simulou a execução da refém Janaína, dando tiros para o chão.
Segundo os policiais que participaram da ação, sua tática foi desde o início a de cansar o bandido.
A assessoria de imprensa do governo do Estado informou que a polícia não atirou no assaltante quando ele ainda estava dentro do ônibus porque os vidros estavam fechados e havia o risco de a trajetória da bala ser desviada no impacto, ferindo reféns.


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