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Pichadores vandalizam escola para discutir conceito de arte
Colegas classificaram ação como terrorismo; coordenadora do curso de Artes Visuais chamou de "ato de vandalismo"
Aluno da Belas Artes convocou grupo para realizar prova de conclusão de curso
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Cada um dos 37 alunos do último ano do curso de Artes Visuais do Centro Universitário
de Belas Artes tinha de apresentar uma obra para garantir
sua formatura. Três espaços foram reservados para a exposição dos trabalhos. Trinta e seis
alunos preencheram esses espaços com sua produção. Um
-Rafael Augustaitiz, 24-, não.
Pichador desde os 13 anos,
Rafael resolveu apresentar um
trabalho diferente. "Uma intervenção para discutir os limites
da arte e o próprio conceito de
arte", explicou.
Nos últimos dias, os locais de
reunião de pichadores no centro da cidade tornaram-se focos de recrutamento de jovens
para "a ação", como se chamou.
Às 21h de anteontem, horário
de intervalo das aulas, 40 deles,
idades entre 15 e 25 anos, compareceram ao "ponto", na estação Vila Mariana do metrô (zona sul).
"Estamos todos muito ansiosos", disse um morador do Ipiranga, que assina suas pichações com o desenho de um monociclo. A maioria dos rapazes
nunca pôs os pés em uma faculdade; sua estréia no ensino superior seria justamente em um
trabalho de conclusão de curso.
Em cinco minutos andando a
pé, o grupo alcançou a escola.
Muitos vestiram máscaras improvisadas com camisetas ou
daquelas usadas para pintura
com compressor. Logo, as latas
de spray foram sacadas de dentro dos moletons folgados.
Os jovens pichavam suas "assinaturas" nas paredes, nas salas de aulas, nas escadas, sobre
os painéis de avisos, nos corrimãos. Uma funcionária da secretaria, Débora Del Gaudio,
30, quis impedir. Levou um jato
de spray no rosto.
Usando a técnica do "pé nas
costas", os pichadores formaram escadas humanas (com até
três jovens "empilhados"), uma
forma de atingir andares superiores da fachada. Assustaram
funcionários da escola enquanto escreviam aquelas letras
pontudas e de difícil decifração.
Os 30 seguranças da faculdade mobilizaram-se para acabar
com a farra. "Deixa eu terminar
a minha frase, pô", pediu um jovem. Tomou um soco. Revidou.
Virou uma pancadaria.
"Abra os olhos e verá a inevitável marca na história" e muitos símbolos do anarquismo,
além das letras pontudas já cobriam o prédio, quando cinco
carros da polícia militar chegaram ao local, apenas dez minutos depois de iniciado o ataque.
Enquadrado pela PM, Rafael
gritava ao entrar no camburão:
"Olha aí, registra, isso é um artista sendo preso."
A maioria dos alunos não
achou nada legal "a ação", "a intervenção", "a obra" de Rafael.
"Terrorismo. O que aconteceu
aqui é terrorismo. Se isso é arte,
então o maior artista do mundo
é o Osama Bin Laden e o buraco
das torres gêmeas é uma obra-prima", disse Alan George de
Sousa, 33, do curso de arquitetura e desenho industrial.
"Eu pago R$ 1.500 de mensalidade no curso de arquitetura
porque trabalho e minha mãe
também dá um duro danado
para me manter aqui. Aí vem
um filho da mãe dizer que fez
essa porcaria toda porque a
gente é tudo burguesinho. Ora,
vai estudar, se preparar", gritava uma aluna.
Rafael amanheceu o dia de
ontem em companhia de mais
seis acusados de pichação no
36º Distrito Policial, no Paraíso. Duas estudantes de publicidade da Escola de Propaganda e
Marketing, que fica em frente à
Belas Artes, estavam lá também, exigindo: "Essa gente tem
de se ferrar." As duas acusavam
o grupo de pichadores de riscar
o Honda Fit cor de champagne
que saiu da concessionária "há
menos de uma semana".
Ontem à noite, na parte interna da escola, já nem parecia
que o aluno com 40 manos tinha estado lá. Tudo estava limpinho. Às 20h30, a turma dos
formandos (menos Rafael) ia se
reunir para "processar esse
trauma", nas palavras da coordenadora do curso de Artes Visuais, a artista plástica Helena
Freddi, para quem o que aconteceu na faculdade foi "um ato
de vandalismo que extrapolou
os limites da ação civilizada."
No texto que escreveu para
justificar "a ação", 28 páginas
encimadas pelo título "Marchando ao compasso da realidade", Rafael desafia: "Somos
abusados? Que se foda! É um
orgulho para vocês eu estar
dentro dessa podre faculdade.
Não sou seu filhote, não preciso
do seu aval. A arte hoje em dia é
para quem está na pegada. Para
os bunda-moles ela morreu faz
é tempo." O curso de Artes Visuais tem mensalidade de R$
900. Rafael é bolsista integral.
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