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Livro do Exército ensina a louvar ditadura
Colégio militar usa material de história com perfil diferente do indicado pelo MEC
ANGELA PINHO
DE BRASÍLIA
A história oficial contada
aos alunos dos 12 colégios
militares do país omite a tortura praticada na ditadura e
ensina que o golpe ocorrido
em 1964 foi uma revolução
democrática; a censura à imprensa, necessária para o
progresso; e as cassações políticas, uma resposta à intransigência da oposição.
É isso que está no livro didático "História do Brasil
-Império e República", utilizado pelos estudantes do 7º
ano (antiga 6ª série) das escolas mantidas com recursos
públicos pelo Exército.
Nelas, estudam 14 mil alunos, entre filhos de militares
transferidos ou de civis aprovados em concorridos vestibulinhos. De cada aluno é cobrada uma taxa mensal de
R$ 143 a R$ 160, da qual estão
isentos os que não podem pagar. Mas 80% das despesas
são custeadas pelo Exército.
As escolas militares poderiam utilizar livros gratuitos
cedidos pelo Ministério da
Educação a todas as escolas
públicas. Mas, para a disciplina de história, optaram
pela obra editada pela Bibliex (Biblioteca do Exército), que deve ser adquirida
pelos próprios alunos. Na internet, o preço é R$ 50, mais
um caderno de exercícios a
R$ 20. O Exército afirma que
o material "atende adequadamente às necessidades do
ensino de História no Sistema Colégio Militar".
O livro de história mais adquirido pelo MEC para o ensino fundamental, da editora
Moderna, apresenta a tomada do poder pelos militares
como um golpe, uma reação
da direita às reformas propostas por João Goulart
(1961-64). A partir disso, diz a
obra, seguiu-se um período
de arbítrio, com tortura e desaparecimentos, em que a esquerda recorreu à luta armada para se manifestar contra
o regime.
Já a obra da Bibliex narra
uma história diferente: Goulart cooperava com os interesses do Partido Comunista,
que já havia se infiltrado na
Igreja Católica e nas universidades. Do outro lado, as Forças Armadas, por seu "espírito democrático", eram a
maior resistência às "investidas subversivas".
No caderno de exercícios,
uma questão resume a ideia.
Qual foi o objetivo da tomada
do poder pelos militares?
Resposta: "combater a inflação, a corrupção e a comunização do país".
TORTURA
A obra não faz menção à
tortura e ao desaparecimento
de opositores ao regime militar. Cita apenas as ações da
esquerda: "A atuação de grupos subversivos, além de perturbar a ordem pública, vitimou numerosas pessoas,
que perderam a vida em assaltos a bancos, ataques a
quartéis e postos policiais e
em sequestros".
A censura é justificada:
"Nos governos militares, em
particular na gestão do presidente Médici [Emílio Garrastazu, 1969-1974], houve a
censura dos meios de comunicação e o combate e eliminação das guerrilhas, urbana
e rural, porque a preservação
da ordem pública era condição necessária ao progresso
do país."
As cassações políticas são
atribuídas à oposição do
MDB (Movimento Democrático Brasileiro). "Embora o governo pregasse o retorno à
normalidade democrática, a
intransigência do partido
oposicionista motivou a necessidade de algumas cassações políticas", diz trecho sobre o governo Ernesto Geisel
(1974-79).
Para o historiador Carlos
Fico, da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro), o
livro usado nos colégios militares é problemático tanto do
ponto de vista das informações que contém como pela
forma como conta a história.
"O principal motivo do
golpe foi o incômodo causado pela possibilidade de que
setores populares tivessem
uma série de conquistas."
Mas, para Fico, mais grave
ainda é a forma como o livro
narra o período, com uma
"história factual" carente de
análise, focada apenas na
ação dos governos. "Trata-se
de uma modalidade desprezada inclusive pelos bons
historiadores conservadores", avalia.
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