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ALTA ROTATIVIDADE
A luta pelo controle da venda de drogas e a repressão policial fazem com que seja cada vez menor o tempo de sobrevivência dos chefes do crime
Comandantes do tráfico em morros do Rio conseguem ter "vida útil" de apenas 13 meses
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Nos últimos dez anos, foi de 13
meses o tempo de sobrevivência
de um chefe do tráfico no comando da venda de drogas em cinco
morros cariocas.
Em 13 meses, uma criança conclui um ano na escola, ou um trabalhador empregado consegue tirar férias. Para um traficante, é o
tempo de ser substituído imediatamente no posto, depois da morte ou da prisão.
A rotatividade no mundo do
tráfico carioca aumentou nos
anos 90: de 1981 a 1990, um chefe
"durava" em média 35 meses, 2,6
vezes mais do que na década seguinte. Nos últimos 20 anos, a "vida útil" de um traficante foi de um
ano e sete meses.
A Folha passou um mês investigando a história e a genealogia do
tráfico em cinco áreas do Rio: Borel, Mangueira, Juramento (zona
norte), Rocinha (zona sul), e o
conjunto de 11 morros do complexo do Alemão, também na zona norte da cidade.
A partir de um levantamento de
todos os chefes do tráfico nessas
regiões -com base em dados dos
serviços reservados dos batalhões
de Polícia Militar-, foi possível
chegar a uma média do tempo de
atuação dos traficantes antes da
prisão ou da morte.
Nos cinco morros, foram pelo
menos 62 chefes em 20 anos. A
contabilidade é prejudicada pela
precariedade dos registros oficiais, mas é acrescida de relatos e
lembranças de moradores das favelas e de líderes comunitários.
Sucessão a bala
Há 20 anos a rotina é a mesma:
morre um traficante, outro toma
imediatamente seu posto. A polícia ocupa um morro, prende um
chefe, outro aparece dias depois.
Sanguinária ou pacífica, hereditária ou conquistada, a sucessão
segue em alta rotatividade.
"O tráfico de drogas é uma empresa competente, que substitui
os pequenos executivos rápido e
mantém os antigos em postos de
controle", analisa um arquiteto,
que prefere não se identificar por
motivos de segurança. Ele trabalha há 20 anos em favelas cariocas.
Cada morro tem sua história,
mas todos têm histórias em comum, como a de líderes presos
que ainda são donos do "movimento" (o comércio das drogas) e
senhores da vida e da morte.
No Borel, por exemplo, foram
15 gerentes nos últimos dez anos.
Grupos rivais disputaram a bala o
comando depois da prisão de
Isaías da Costa Rodrigues, o Isaías
do Borel, em 1990.
Do presídio, Isaías orienta, ordena e castiga, mas o cotidiano é
de guerra entre grupos pequenos
que disputam o poder. Os pequenos chefes ficam cada vez menos
tempo no poder, ameaçados por
quadrilhas rivais e pela ação das
forças de segurança. Hoje não há
mais casos como o de Isaías, que
conseguiu ficar livre por dez anos
no comando do tráfico.
Foi dele a ordem para a execução do gerente do tráfico Alexandre Ferreira Barreto, o Xande,
quando, no início do ano, o traficante assassinou um motorista de
ônibus. Como castigo para a imprudência de Xande, que colocou
o Borel de novo na mira da polícia
graças à repercussão do crime,
Isaías determinou que ele fosse
executado pelos comparsas.
Xande "desapareceu" do morro
sem deixar pistas, depois de ficar
pouco mais de um ano como chefe do tráfico. Um jovem traficante
ainda desconhecido dos serviços
de informação da polícia, identificado apenas como Balosa, assumiu seu lugar.
Alemão
A sucessão mais sangrenta de
todas foi a do complexo do Alemão. Depois da morte de Orlando
Jogador, em 1994 -numa cilada
armada por Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, interessado em tomar o comando-, o complexo
viveu um período de guerra entre
facções.
Só depois de preso, em 1996,
Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, conseguiu pacificar a
área. Domina o tráfico até hoje,
graças a uma rede de cinco gerentes locais.
Sucessão amigável
Há sucessões amigáveis: José
Carlos dos Reis Encina, o lendário
Escadinha, herdou do pai o comando do morro do Juramento.
Preso desde 1986, passou o posto
para Uê, que, ao ser preso em
1996, deixou no morro seus homens de confiança, numa sucessão pacífica.
Escadinha ganhou celebridade
ao fugir da prisão em um barco a
remos, em 83, e de helicóptero, no
final de 85. Foi recapturado em 86
e cumpre pena até hoje. Ele lançou um CD de rap no ano passado, afirma que deixou o crime e
que se regenerou. Para a polícia,
ele ainda manda no Juramento.
No final do mês passado, diante
do rumor de que o traficante seria
solto, faixas foram colocadas no
morro: "Escadinha pede paz".
Também hereditária ou comunitária, mas com momentos de
conflito sanguinário nos anos 90,
foi a sucessão na Mangueira.
Francisco Monteiro, o Tuchinha,
preso desde 1986, foi sucedido por
dois sobrinhos -Magno e Polegar- também já presos.
Na Rocinha, apesar do comando dos pequenos líderes, o poder
ainda é de Dener Leandro da Silva, o Denis da Rocinha, preso desde 1987.
Juventude
Quanto mais violento o morro,
mais jovens são os líderes, mais
dispostos à guerra e à morte. Ao
ser preso, em 1996, Marcinho VP
tinha apenas 22 anos. Era uma espécie de gênio precoce do crime e
estava entre os traficantes mais
procurados do Rio. São raros os
casos como os de Uê, que foi preso quando tinha 29 anos.
A vida como chefe do tráfico é
curta e intensa: é o tempo de assumir o posto, comandar, lutar, ser
preso ou morrer. Em 13 meses.
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