São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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ARTIGO

Darwin e as doenças do homem maduro

Enquanto os doutores não chegam a um consenso, recomendo a todos os homens que parem de fumar, exercitem-se bastante e bebam bastante vinho

MIGUEL SROUGI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O PASSAR dos anos, com suas transformações incontornáveis, acompanha-se de tamanha deterioração dos nossos genes que, se fosse dada ao homem idoso a facilidade de se reproduzir, seriam gerados seres altamente imperfeitos. Talvez, por isso, a pressão evolucionista ou Deus (na ordem ou exclusividade que você preferir) tenha criado três mecanismos impiedosos para conter as diabruras do homem maduro: o câncer da próstata, a impotência sexual e a andropausa.
Alguns argumentam que o aparecimento desses problemas com a idade seria apenas coincidência. Pode ser, mas acho tudo meio estranho. Mesmo sem ter tido a honra de conviver pessoalmente com Darwin ou com Deus, mas certo da sabedoria de ambos, dou-lhes meu crédito. Afinal, atingido por qualquer um desses três problemas, nenhum homem conseguirá se reproduzir e gerar seres infelizes.
A grande relevância desses três problemas tem produzido um fluxo elevado de informações, muitas bem postas, outras desencontradas e aflitivas. Por isso, atrevo-me a escrever sobre eles, com a esperança íntima de aliviar apreensões indevidas.
Cerca de 18% dos homens serão atingidos pelo câncer de próstata, mas apenas 1 de cada 6 doentes morrerá pela doença.
A conclusão óbvia é que a maioria dos pacientes sobrevive ao câncer, alguns por portarem tumores pouco agressivos, que não progridem, outros graças a ação médica curativa. Os especialistas dispõem, atualmente, de instrumentos para identificar os casos indolentes e conseguem, com isso, evitar tratamentos desnecessários e carregados de problemas. De acordo com estudo recente da Universidade de Kyoto, no Japão, entre 20% e 28% dos tumores de próstata identificados em exames preventivos são do tipo indolente. Como características, essas lesões são constituídas por células menos agressivas, acompanham-se de valores sangüíneos mais baixos do chamado antígeno prostático específico (PSA) e são encontradas em poucos fragmentos da biópsia.
A causa precisa do câncer da próstata é ainda ignorada, mas são reconhecidos, atualmente, três fatores de risco. O primeiro é a presença de outros casos na família, que aumenta de duas a cinco vezes as chances de se contrair a doença. O segundo fator de risco é a raça. A incidência do câncer de próstata é 70% maior em negros e é sete vezes menor em indivíduos da raça amarela e em índios nativos. Quando esses dois grupos assumem os hábitos "ocidentais", a freqüência da doença eleva-se significativamente, indicando que fatores ambientais e estilo de vida devem ser importantes para o aparecimento desse câncer. Finalmente, a ingestão excessiva de gordura animal e a obesidade têm sido implicadas com o câncer de próstata. De acordo com estudo realizado no MD Anderson Cancer Center, do Texas, homens que ganham mais de 1 kg de peso ao ano a partir dos 25 anos têm mais câncer de próstata, a doença costuma ser mais agressiva e as chances de retorno do tumor após o tratamento são mais elevadas.
O diagnóstico do câncer da próstata é feito através de medidas de PSA no sangue e do toque na próstata. Esses dois exames devem ser realizados conjuntamente a partir dos 50 anos, antecipando-se o ritual para os 40 anos quando existe histórico familiar presente.
Pesquisas recentes produziram boas e más notícias nessa área. O toque retal deve ser realizado em todos os indivíduos, já que avaliações feitas exclusivamente com dosagens de PSA deixam de identificar entre 18% e 25% dos casos de câncer de próstata. Ademais, homens com níveis de PSA no sangue inferiores a 1,0 ng/ml e sem história familiar da doença podem realizar exames preventivos de próstata a cada dois anos. Nesse grupo, as chances de cura não se modificam se a doença for descoberta em exames bienais, dada a velocidade lenta de crescimento dos tumores nesses pacientes.
Até recentemente considerava-se como normal qualquer nível de PSA menor do que 4,0 ng/ml. Estudos pioneiros do dr. William Catalona, da Universidade de Chicago, revelaram riscos reais de câncer de próstata quando o PSA é supostamente normal. De acordo com esses dados, a doença é encontrada em cerca de 25% dos homens com medidas de PSA entre 2,0 e 4,0 ng/ml, principalmente quando o indivíduo é jovem, tem a próstata pequena ou apresenta a chamada fração livre do PSA inferior a 18%. Portanto, homens com níveis de PSA superiores a 2,0 ng/ml devem receber atenção médica cuidadosa e, quando pertinente, ser submetidos à biópsia da glândula. Infelizmente, pacientes com câncer de próstata podem ser punidos por se tratarem e, também, por não se tratarem. Cerca de 85% dos casos com lesões limitadas à glândula são curados com cirurgia radical, radioterapia externa, braquiterapia ou medicações hormonais. Para isso, pagam um preço, pois podem ter qualidade de vida comprometida pelos efeitos adversos do tratamento, que incluem disfunção sexual, descontrole e perdas urinárias, problemas intestinais persistentes, descalcificação óssea e outros.
Contrariamente, pacientes que evitam os exames periódicos ou aqueles que não aceitam se tratar livram-se das angústias que envolvem a descoberta de um câncer ou dos eventuais infortúnios causados pelo tratamento. Contudo, é bem sabido que o câncer da próstata expande-se de maneira contínua e, com o tempo, ultrapassa os limites da glândula. Quando isso ocorre, só 30-35% dos pacientes podem ser curados da sua doença. Como nas comédias, os momentos de alegria duram pouco e encerram-se com o fechar inexorável das cortinas.
A maioria dos homens já ouviu que a dieta pobre em gordura animal, o licopeno (encontrado no tomate, melancia e goiaba vermelha), a vitamina E e o selênio (encontrado na castanha-do-pará) previnem ou retardam o aparecimento do câncer de próstata. Infelizmente, dados recentes mostraram que essas idéias eram imperfeitas e talvez nenhum desses produtos tenha a ação marcante que lhes foi atribuída. Pior do que isso, podem até fazer mal.
Estudo publicado na conceituada revista médica "Jama" avaliou o efeito preventivo da vitamina E em 25.563 homens normais. Após oito anos de acompanhamento, a incidência de câncer da próstata foi semelhante nos indivíduos que receberam ou não a medicação, contudo nos homens tratados observou-se mais mortes por causas cardíacas.
No caso do licopeno, estudos em animais portadores de câncer de próstata mostraram que o produto puro não previne o crescimento do tumor, mas o tomate em pó tem esse efeito benéfico. Portanto, é o tomate integral, com todos os seus elementos, e não apenas o licopeno, que dificulta o desenvolvimento da doença.
Os infortúnios dos homens maduros não se resumem ao câncer de próstata. De acordo com dados levantados pelo dr. Eduardo Moreira Jr., de Salvador, cerca de 11,3 milhões de brasileiros apresentam algum grau de disfunção erétil (ereção peniana incompleta ou ausente) e, ao cumprimentar todas as esposas, saliento que esse risco é 20% menor nos homens casados.
A influência da idade sobre o aparecimento de disfunção erétil grave não é desprezível, já que, antes dos 50 anos, ela é encontrada em menos de 10% dos homens, aos 60 anos atinge 30% deles e, depois disso, essa taxa multiplica-se de forma implacável.
A idéia de que a interrupção da vida sexual apenas priva seus protagonistas de prazeres que podem ser compensados é ingênua. Estudiosos da área há muito demonstraram que depressão, queda da auto-estima e modificações de comportamento passam a dançar com os pacientes, numa coreografia perversa. Cerca de 25% das companheiras de homens com disfunção erétil desenvolvem, como conseqüência, problemas sexuais. Ademais, 45% desses homens, atormentados pela disfunção, desfazem ou evitam relacionamentos estáveis.
Ao contrário dos jovens, nos quais a disfunção erétil associa-se quase sempre a distúrbios psicológicos, no adulto maduro o problema relaciona-se com doenças crônicas, medicações ou lesões locais secundárias a traumas e cirurgias. Outros fatores não causam diretamente, mas podem facilitar o aparecimento do problema. Os riscos de disfunção dobram ou triplicam em homens com depressão, hipertensão, obesidade, níveis elevados de colesterol e consumo exagerado de drogas "recreacionais" ou de álcool. Da mesma forma, o dr. Alfredo Nicolosi, de Milão, demonstrou que fumantes que consomem mais de 30 cigarros por dia têm 2,3 vezes mais chances de desenvolver disfunção erétil. Essas observações não são irrelevantes, já que o apego às boas práticas de existência podem poupar um sem-número de homens das agruras da impotência.
De forma curiosa, a freqüência de disfunção erétil grave apresenta variações regionais num mesmo país. Estudo da dra. Carmita Abdo, da USP, publicado em 2003, mostrou que o problema é 30% mais comum em cariocas do que em paulistas. Como o número de mentirosos deve ser igual nos dois lugares, por uma questão de boa vizinhança, não me atrevo a interpretar o fenômeno. Deixo-o apenas registrado.
O lançamento do Viagra, como primeira opção eficiente para tratar a disfunção erétil masculina, descortinou um quadro até então ignorado. Em quase todas as sociedades e culturas afloraram discussões sobre o tema, em comum surgiu um fenômeno inesperado. O Viagra e seus congêneres, Cialis, Levitra e Vivanza, produzidos para resolver quadros graves de disfunção, acompanham-se de resultados mais modestos nesses casos e enorme eficácia nos homens maduros com função sexual presente, mas discretamente rebaixada em relação aos períodos mais gloriosos (e jovens) da sua existência. Dados recentes indicam que nos Estados Unidos os gastos anuais com as medicações para disfunção atingiram cerca de US$ 1,5 bilhão e em 50% dos casos elas são consumidas por homens sem disfunção, com a intenção de se superar na performance sexual. Esse tipo de consumo, definido como "uso recreativo", tem gerado preocupação entre os médicos, pelas suas implicações econômicas, emocionais (dependência psicológica) e de saúde (efeitos adversos superam os benefícios, que são quase irrelevantes em indivíduos normais).
Os doutores, muitas vezes com toda razão e outras vezes sem tanta razão, detestam que seus pacientes se automediquem. O consumo dos novos agentes orais para disfunção erétil sem orientação médica não pode ser evitado e, por isso, é importante que se compreenda os inconvenientes decorrentes. Efeitos adversos transitórios são observados em 1% e 12% dos pacientes e consistem principalmente de dores de cabeça e musculares, desconforto no estômago, rubor facial, congestão nasal e alterações da visão, principalmente borramento e maior sensibilidade à luz.
Casos de infarto do miocárdio foram observados após o uso das medicações orais, mas estudos envolvendo grande número de pacientes não demonstraram uma relação clara de causa e efeito. Esse grupo de agentes pode produzir pequeno decréscimo da pressão arterial e esse efeito é potencializado pelos chamados "nitratos", drogas utilizadas em homens com obstrução das artérias coronárias. É provável que alguns dos casos de infarto observados tenham resultado de quedas mais expressivas da pressão arterial, provocadas pelo uso concomitante de nitratos. Para que esse problema seja evitado, medicações orais para disfunção erétil não podem ser consumidas por homens recebendo vasodilatadores coronarianos, como Isordil, Sustrate, Monocordil, Isocord, Nitradisc e Nitroderm. É possível, também, que em alguns pacientes o infarto tenha ocorrido pelo esforço associado ao ato sexual. Sabe-se que, nos homens adultos, os riscos de infarto cardíaco são 2,5 vezes maiores durante uma relação e esse número eleva-se em quem é portador de problemas cardíacos.
Um alerta para quem ingeriu um dos agentes orais para disfunção e que está sendo admitido numa unidade de emergência por mal súbito. A equipe de assistência deve ser notificada sobre o consumo da droga, pois a prescrição inadvertida de nitratos pelos médicos pode produzir queda severa da pressão arterial e agravar quadros cardíacos às vezes responsáveis pelo mal estar.
Questões como a decadência física que atinge o homem maduro sempre assombram a mente humana e, para explicá-las, uma vilã foi identificada: a andropausa. Apesar do grande número de estudos a respeito, a existência da andropausa tem gerado enorme controvérsia entre os médicos. Alguns consideram-na uma entidade real, apenas não tão óbvia como a menopausa, já que não atinge todos os indivíduos e, quando o faz, instala-se de forma lenta.
Para os adeptos dessa concepção, a andropausa resultaria da queda dos níveis de hormônio masculino no sangue, a testosterona, e seria responsável por manifestações inconvenientes, como diminuição da força e massa muscular, problemas de memória, redução da potência sexual, depressão e descalcificação óssea. Ainda de acordo com esses especialistas, a administração de testosterona seria capaz de reverter todos esses efeitos indesejáveis. Essas idéias têm sido muito divulgadas, o que explica o consumo assustador de testosterona e de seus derivados, ditos anabolizantes. Esse mercado movimenta cerca de US$ 6 bilhões ao ano somente nos Estados Unidos. Contudo, nem todos aceitam a andropausa como um fenômeno biológico concreto. Pesquisadores renomados atribuem os incômodos e a fragilização física do homem maduro a um conjunto de deficiências, como perda de função de vários órgãos, menor produção de uma ampla gama de hormônios e não apenas da testosterona, estilo de vida desarmônico e o ambiente poluído que nos cerca e, também, ação debilitadora de doenças que emergem com o passar dos anos, como obstrução dos vasos sangüíneos, diabetes, hipertensão, obesidade etc. Essa concepção explica porque a administração de testosterona a homens maduros não reverte todos os sintomas da chamada andropausa.
Os benefícios desse tratamento restringem-se ao aumento da massa muscular e a uma menor descalcificação óssea, não existindo qualquer comprovação científica de que ele produza melhora da vitalidade, de quadros de depressão, da memória ou da ereção.
Os que desconsideram a existência da andropausa costumam lembrar que o uso de testosterona tem vários inconvenientes, incluindo dor e crescimento dos mamilos, efeitos tóxicos sobre o fígado, apnéia do sono, aumento exagerado da taxa de glóbulos vermelhos e elevação da fração ruim do colesterol, o LDL. Esses efeitos aparecem em poucos pacientes mas podem ter conseqüências ruinosas. Mais importante, a administração de testosterona pode alimentar um câncer de próstata já existente. A testosterona não causa esse tipo de tumor, mas serve de combustível para ele, podendo provocar sua disseminação quando utilizada continuamente.
Os estudos realizados até o momento não definiram se os benefícios do uso da testosterona são maiores que seus inconvenientes. Como urologista, afeito à ação devastadora do câncer da próstata disseminado, confesso que não me deslumbro com o emprego rotineiro desse hormônio em homens maduros. Mas não me oponho obstinadamente. Quando um paciente apresenta níveis sangüíneos de testosterona inferiores ao normal, ou seja, 300 ng/ml, a correção desse desvio pode sanar algumas de suas dificuldades. Contudo, exames cuidadosos da próstata devem ser feitos periodicamente para se evitar situações sem volta.
Continuo sem saber se a impotência sexual, a andropausa e o câncer da próstata estão sendo utilizados como instrumentos para impedir o homem maduro de se reproduzir. Pior ainda, sem saber como evitar a desolação causada por esses problemas, apesar de algumas notícias alentadoras que tenho recebido. Estudo realizado em Teerã, no Irã, com 281 homens portadores de disfunção erétil grave, mostrou que o problema melhorou em 30% dos pacientes que deixaram de fumar e em nenhum dos que mantiveram esse hábito. Em outro estudo, pesquisadores do Havaí acompanharam por 12 anos um grupo de homens possivelmente em andropausa e demonstraram que o número de mortes nos indivíduos que caminhavam mais de duas milhas por dia foi 50% menor do que naqueles que caminhavam menos de uma milha. Finalmente, uma pesquisa publicada em 2005 pela Divisão de Ciências em Saúde Pública, de Seattle, avaliou 1.456 homens com e sem câncer da próstata. Concluíram que, para cada copo de vinho tinto ingerido por semana, o risco de câncer da próstata caía 6%.
Enquanto os doutores não chegam a um consenso, recomendo a todos os homens que parem de fumar, exercitem-se bastante e bebam bastante vinho. Se irão evitar aquelas situações de embaraço, a senescência ou os incômodos da próstata, não garanto, mas certamente atravessarão os anos da maturidade tossindo menos, mais ágeis e ...mais alegres.


MIGUEL SROUGI, professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP, pós-graduado em urologia pela Universidade Harvard (EUA), é autor do livro "Próstata: Isso É com Você" (Publifolha)

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