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ARTIGO
Darwin e as doenças do homem maduro
Enquanto os doutores não chegam a um consenso, recomendo a todos os homens que parem de fumar, exercitem-se bastante e bebam bastante vinho
MIGUEL SROUGI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O PASSAR dos anos, com
suas transformações
incontornáveis, acompanha-se de tamanha deterioração dos nossos genes que, se
fosse dada ao homem idoso a
facilidade de se reproduzir, seriam gerados seres altamente
imperfeitos. Talvez, por isso, a
pressão evolucionista ou Deus
(na ordem ou exclusividade
que você preferir) tenha criado
três mecanismos impiedosos
para conter as diabruras do homem maduro: o câncer da próstata, a impotência sexual e a andropausa.
Alguns argumentam que o
aparecimento desses problemas com a idade seria apenas
coincidência. Pode ser, mas
acho tudo meio estranho. Mesmo sem ter tido a honra de conviver pessoalmente com Darwin ou com Deus, mas certo da
sabedoria de ambos, dou-lhes
meu crédito. Afinal, atingido
por qualquer um desses três
problemas, nenhum homem
conseguirá se reproduzir e gerar seres infelizes.
A grande relevância desses
três problemas tem produzido
um fluxo elevado de informações, muitas bem postas, outras
desencontradas e aflitivas. Por
isso, atrevo-me a escrever sobre eles, com a esperança íntima de aliviar apreensões indevidas.
Cerca de 18% dos homens serão atingidos pelo câncer de
próstata, mas apenas 1 de cada
6 doentes morrerá pela doença.
A conclusão óbvia é que a maioria dos pacientes sobrevive ao
câncer, alguns por portarem
tumores pouco agressivos, que
não progridem, outros graças a
ação médica curativa. Os especialistas dispõem, atualmente,
de instrumentos para identificar os casos indolentes e conseguem, com isso, evitar tratamentos desnecessários e carregados de problemas. De acordo
com estudo recente da Universidade de Kyoto, no Japão, entre 20% e 28% dos tumores de
próstata identificados em exames preventivos são do tipo indolente. Como características,
essas lesões são constituídas
por células menos agressivas,
acompanham-se de valores
sangüíneos mais baixos do chamado antígeno prostático específico (PSA) e são encontradas
em poucos fragmentos da biópsia.
A causa precisa do câncer da
próstata é ainda ignorada, mas
são reconhecidos, atualmente,
três fatores de risco. O primeiro
é a presença de outros casos na
família, que aumenta de duas a
cinco vezes as chances de se
contrair a doença. O segundo
fator de risco é a raça. A incidência do câncer de próstata é
70% maior em negros e é sete
vezes menor em indivíduos da
raça amarela e em índios nativos. Quando esses dois grupos
assumem os hábitos "ocidentais", a freqüência da doença
eleva-se significativamente, indicando que fatores ambientais
e estilo de vida devem ser importantes para o aparecimento
desse câncer. Finalmente, a ingestão excessiva de gordura
animal e a obesidade têm sido
implicadas com o câncer de
próstata. De acordo com estudo
realizado no MD Anderson
Cancer Center, do Texas, homens que ganham mais de 1 kg
de peso ao ano a partir dos 25
anos têm mais câncer de próstata, a doença costuma ser mais
agressiva e as chances de retorno do tumor após o tratamento
são mais elevadas.
O diagnóstico do câncer da
próstata é feito através de medidas de PSA no sangue e do toque na próstata. Esses dois exames devem ser realizados conjuntamente a partir dos 50
anos, antecipando-se o ritual
para os 40 anos quando existe
histórico familiar presente.
Pesquisas recentes produziram boas e más notícias nessa
área. O toque retal deve ser realizado em todos os indivíduos,
já que avaliações feitas exclusivamente com dosagens de PSA
deixam de identificar entre
18% e 25% dos casos de câncer
de próstata. Ademais, homens
com níveis de PSA no sangue
inferiores a 1,0 ng/ml e sem história familiar da doença podem
realizar exames preventivos de
próstata a cada dois anos. Nesse grupo, as chances de cura
não se modificam se a doença
for descoberta em exames bienais, dada a velocidade lenta de
crescimento dos tumores nesses pacientes.
Até recentemente considerava-se como normal qualquer
nível de PSA menor do que 4,0
ng/ml. Estudos pioneiros do dr.
William Catalona, da Universidade de Chicago, revelaram riscos reais de câncer de próstata
quando o PSA é supostamente
normal. De acordo com esses
dados, a doença é encontrada
em cerca de 25% dos homens
com medidas de PSA entre 2,0
e 4,0 ng/ml, principalmente quando o indivíduo é jovem, tem a
próstata pequena ou apresenta
a chamada fração livre do PSA
inferior a 18%. Portanto, homens com níveis de PSA superiores a 2,0 ng/ml devem receber atenção médica cuidadosa
e, quando pertinente, ser submetidos à biópsia da glândula.
Infelizmente, pacientes com
câncer de próstata podem ser
punidos por se tratarem e, também, por não se tratarem. Cerca de 85% dos casos com lesões
limitadas à glândula são curados com cirurgia radical, radioterapia externa, braquiterapia
ou medicações hormonais. Para isso, pagam um preço, pois
podem ter qualidade de vida
comprometida pelos efeitos
adversos do tratamento, que
incluem disfunção sexual, descontrole e perdas urinárias,
problemas intestinais persistentes, descalcificação óssea e
outros.
Contrariamente, pacientes
que evitam os exames periódicos ou aqueles que não aceitam
se tratar livram-se das angústias que envolvem a descoberta
de um câncer ou dos eventuais
infortúnios causados pelo tratamento. Contudo, é bem sabido que o câncer da próstata expande-se de maneira contínua
e, com o tempo, ultrapassa os limites da glândula. Quando isso
ocorre, só 30-35% dos pacientes podem ser curados da sua
doença. Como nas comédias, os
momentos de alegria duram
pouco e encerram-se com o fechar inexorável das cortinas.
A maioria dos homens já ouviu que a dieta pobre em gordura animal, o licopeno (encontrado no tomate, melancia e
goiaba vermelha), a vitamina E
e o selênio (encontrado na castanha-do-pará) previnem ou
retardam o aparecimento do
câncer de próstata. Infelizmente, dados recentes mostraram
que essas idéias eram imperfeitas e talvez nenhum desses produtos tenha a ação marcante
que lhes foi atribuída. Pior do
que isso, podem até fazer mal.
Estudo publicado na conceituada revista médica "Jama"
avaliou o efeito preventivo da
vitamina E em 25.563 homens
normais. Após oito anos de
acompanhamento, a incidência
de câncer da próstata foi semelhante nos indivíduos que receberam ou não a medicação,
contudo nos homens tratados
observou-se mais mortes por
causas cardíacas.
No caso do licopeno, estudos
em animais portadores de câncer de próstata mostraram que
o produto puro não previne o
crescimento do tumor, mas o
tomate em pó tem esse efeito
benéfico. Portanto, é o tomate
integral, com todos os seus elementos, e não apenas o licopeno, que dificulta o desenvolvimento da doença.
Os infortúnios dos homens
maduros não se resumem ao
câncer de próstata. De acordo
com dados levantados pelo dr.
Eduardo Moreira Jr., de Salvador, cerca de 11,3 milhões de
brasileiros apresentam algum
grau de disfunção erétil (ereção
peniana incompleta ou ausente) e, ao cumprimentar todas as
esposas, saliento que esse risco
é 20% menor nos homens casados.
A influência da idade sobre o
aparecimento de disfunção
erétil grave não é desprezível, já
que, antes dos 50 anos, ela é encontrada em menos de 10% dos
homens, aos 60 anos atinge
30% deles e, depois disso, essa
taxa multiplica-se de forma implacável.
A idéia de que a interrupção
da vida sexual apenas priva
seus protagonistas de prazeres
que podem ser compensados é
ingênua. Estudiosos da área há
muito demonstraram que depressão, queda da auto-estima
e modificações de comportamento passam a dançar com os
pacientes, numa coreografia
perversa. Cerca de 25% das
companheiras de homens com
disfunção erétil desenvolvem,
como conseqüência, problemas sexuais. Ademais, 45%
desses homens, atormentados
pela disfunção, desfazem ou
evitam relacionamentos estáveis.
Ao contrário dos jovens, nos
quais a disfunção erétil associa-se quase sempre a distúrbios
psicológicos, no adulto maduro
o problema relaciona-se com
doenças crônicas, medicações
ou lesões locais secundárias a
traumas e cirurgias. Outros fatores não causam diretamente, mas podem
facilitar o aparecimento do
problema. Os riscos de disfunção dobram ou triplicam em
homens com depressão, hipertensão, obesidade, níveis elevados de colesterol e consumo
exagerado de drogas "recreacionais" ou de álcool. Da mesma forma, o dr. Alfredo Nicolosi, de Milão, demonstrou que
fumantes que consomem mais
de 30 cigarros por dia têm 2,3
vezes mais chances de desenvolver disfunção erétil. Essas
observações não são irrelevantes, já que o apego às boas práticas de existência podem poupar um sem-número de homens das agruras da impotência.
De forma curiosa, a freqüência de disfunção erétil grave
apresenta variações regionais
num mesmo país. Estudo da
dra. Carmita Abdo, da USP, publicado em 2003, mostrou que
o problema é 30% mais comum
em cariocas do que em paulistas. Como o número de mentirosos deve ser igual nos dois lugares, por uma questão de boa
vizinhança, não me atrevo a interpretar o fenômeno. Deixo-o
apenas registrado.
O lançamento do Viagra, como primeira opção eficiente
para tratar a disfunção erétil
masculina, descortinou um
quadro até então ignorado. Em
quase todas as sociedades e culturas afloraram discussões sobre o tema, em comum surgiu
um fenômeno inesperado. O
Viagra e seus congêneres, Cialis, Levitra e Vivanza, produzidos para resolver quadros graves de disfunção, acompanham-se de resultados mais
modestos nesses casos e enorme eficácia nos homens maduros com função sexual presente, mas discretamente rebaixada em relação aos períodos
mais gloriosos (e jovens) da sua
existência. Dados recentes indicam que nos Estados Unidos
os gastos anuais com as medicações para disfunção atingiram cerca de US$ 1,5 bilhão e
em 50% dos casos elas são consumidas por homens sem disfunção, com a intenção de se
superar na performance sexual. Esse tipo de consumo, definido como "uso recreativo",
tem gerado preocupação entre
os médicos, pelas suas implicações econômicas, emocionais
(dependência psicológica) e de
saúde (efeitos adversos superam os benefícios, que são quase irrelevantes em indivíduos
normais).
Os doutores, muitas vezes
com toda razão e outras vezes
sem tanta razão, detestam que
seus pacientes se automediquem. O consumo dos novos
agentes orais para disfunção
erétil sem orientação médica
não pode ser evitado e, por isso,
é importante que se compreenda os inconvenientes decorrentes. Efeitos adversos transitórios são observados em 1% e
12% dos pacientes e consistem
principalmente de dores de cabeça e musculares, desconforto
no estômago, rubor facial, congestão nasal e alterações da visão, principalmente borramento e maior sensibilidade à luz.
Casos de infarto do miocárdio foram observados após o
uso das medicações orais, mas
estudos envolvendo grande número de pacientes não demonstraram uma relação clara
de causa e efeito. Esse grupo de
agentes pode produzir pequeno decréscimo da pressão arterial e esse efeito é potencializado pelos chamados "nitratos",
drogas utilizadas em homens
com obstrução das artérias coronárias. É provável que alguns
dos casos de infarto observados
tenham resultado de quedas
mais expressivas da pressão arterial, provocadas pelo uso concomitante de nitratos. Para que
esse problema seja evitado, medicações orais para disfunção
erétil não podem ser consumidas por homens recebendo vasodilatadores coronarianos, como Isordil, Sustrate, Monocordil, Isocord, Nitradisc e Nitroderm. É possível, também, que
em alguns pacientes o infarto
tenha ocorrido pelo esforço associado ao ato sexual. Sabe-se
que, nos homens adultos, os
riscos de infarto cardíaco são
2,5 vezes maiores durante uma
relação e esse número eleva-se
em quem é portador de problemas cardíacos.
Um alerta para quem ingeriu
um dos agentes orais para disfunção e que está sendo admitido numa unidade de emergência por mal súbito. A equipe de
assistência deve ser notificada
sobre o consumo da droga, pois
a prescrição inadvertida de nitratos pelos médicos pode produzir queda severa da pressão
arterial e agravar quadros cardíacos às vezes responsáveis
pelo mal estar.
Questões como a decadência
física que atinge o homem maduro sempre assombram a
mente humana e, para explicá-las, uma vilã foi identificada: a
andropausa. Apesar do grande
número de estudos a respeito, a
existência da andropausa tem
gerado enorme controvérsia
entre os médicos. Alguns consideram-na uma entidade real,
apenas não tão óbvia como a
menopausa, já que não atinge
todos os indivíduos e, quando o
faz, instala-se de forma lenta.
Para os adeptos dessa concepção, a andropausa resultaria da
queda dos níveis de hormônio
masculino no sangue, a testosterona, e seria responsável por
manifestações inconvenientes,
como diminuição da força e
massa muscular, problemas de
memória, redução da potência
sexual, depressão e descalcificação óssea. Ainda de acordo
com esses especialistas, a administração de testosterona seria
capaz de reverter todos esses
efeitos indesejáveis. Essas
idéias têm sido muito divulgadas, o que explica o consumo
assustador de testosterona e de
seus derivados, ditos anabolizantes. Esse mercado movimenta cerca de US$ 6 bilhões
ao ano somente nos Estados
Unidos. Contudo, nem todos
aceitam a andropausa como
um fenômeno biológico concreto. Pesquisadores renomados atribuem os incômodos e a
fragilização física do homem
maduro a um conjunto de deficiências, como perda de função
de vários órgãos, menor produção de uma ampla gama de hormônios e não apenas da testosterona, estilo de vida desarmônico e o ambiente poluído que
nos cerca e, também, ação debilitadora de doenças que emergem com o passar dos anos, como obstrução dos vasos sangüíneos, diabetes, hipertensão,
obesidade etc. Essa concepção
explica porque a administração
de testosterona a homens maduros não reverte todos os sintomas da chamada andropausa.
Os benefícios desse tratamento
restringem-se ao aumento da
massa muscular e a uma menor
descalcificação óssea, não existindo qualquer comprovação
científica de que ele produza
melhora da vitalidade, de quadros de depressão, da memória
ou da ereção.
Os que desconsideram a existência da andropausa costumam lembrar que o uso de testosterona tem vários inconvenientes, incluindo dor e crescimento dos mamilos, efeitos tóxicos sobre o fígado, apnéia do
sono, aumento exagerado da
taxa de glóbulos vermelhos e
elevação da fração ruim do colesterol, o LDL. Esses efeitos
aparecem em poucos pacientes
mas podem ter conseqüências
ruinosas. Mais importante, a
administração de testosterona
pode alimentar um câncer de
próstata já existente. A testosterona não causa esse tipo de
tumor, mas serve de combustível para ele, podendo provocar
sua disseminação quando utilizada continuamente.
Os estudos realizados até o
momento não definiram se os
benefícios do uso da testosterona são maiores que seus inconvenientes. Como urologista,
afeito à ação devastadora do
câncer da próstata disseminado, confesso que não me deslumbro com o emprego rotineiro desse hormônio em homens
maduros. Mas não me oponho
obstinadamente. Quando um
paciente apresenta níveis sangüíneos de testosterona inferiores ao normal, ou seja, 300
ng/ml, a correção desse desvio
pode sanar algumas de suas dificuldades. Contudo, exames
cuidadosos da próstata devem
ser feitos periodicamente para
se evitar situações sem volta.
Continuo sem saber se a impotência sexual, a andropausa e
o câncer da próstata estão sendo utilizados como instrumentos para impedir o homem maduro de se reproduzir. Pior ainda, sem saber como evitar a desolação causada por esses problemas, apesar de algumas notícias alentadoras que tenho recebido. Estudo realizado em
Teerã, no Irã, com 281 homens
portadores de disfunção erétil
grave, mostrou que o problema
melhorou em 30% dos pacientes que deixaram de fumar e em
nenhum dos que mantiveram
esse hábito. Em outro estudo,
pesquisadores do Havaí acompanharam por 12 anos um grupo de homens possivelmente
em andropausa e demonstraram que o número de mortes
nos indivíduos que caminhavam mais de duas milhas por
dia foi 50% menor do que naqueles que caminhavam menos
de uma milha. Finalmente,
uma pesquisa publicada em
2005 pela Divisão de Ciências
em Saúde Pública, de Seattle,
avaliou 1.456 homens com e
sem câncer da próstata. Concluíram que, para cada copo de
vinho tinto ingerido por semana, o risco de câncer da próstata
caía 6%.
Enquanto os doutores não
chegam a um consenso, recomendo a todos os homens que
parem de fumar, exercitem-se
bastante e bebam bastante vinho. Se irão evitar aquelas situações de embaraço, a senescência ou os incômodos da
próstata, não garanto, mas certamente atravessarão os anos
da maturidade tossindo menos,
mais ágeis e ...mais alegres.
MIGUEL SROUGI, professor titular de urologia
da Faculdade de Medicina da USP, pós-graduado
em urologia pela Universidade Harvard (EUA), é
autor do livro "Próstata: Isso É com Você" (Publifolha)
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