São Paulo, quinta-feira, 13 de setembro de 2007

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Por mark eting, PM repete invas ão em favela

Operação antidrogas foi refeita apenas para que policiais militares pudessem ser filmados e fotografados; ninguém foi preso

Durante a incursão, policiais saltavam de helicóptero a 80 metros da favela, realizando movimentos típicos de combate

Fotos Caio Guatelli/Folha Imagem
Policiais após deixar helicóptero; segundo o chefe da operação, era um "desembarque tático"

CAIO GUATELLI
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

Em uma ação de marketing, a Polícia Militar de São Paulo repetiu ontem uma incursão antidrogas em uma favela apenas para que pudesse ser filmada e fotografada pela imprensa.
Eram cerca de 10h na favela Alba (zona sul), onde moram 7.500 pessoas. A incursão dos PMs havia acabado momentos antes, registrada só por uma equipe da TV Globo e três fotógrafos -entre eles, um da Secretaria da Segurança Pública.
Com a intenção de "desestruturar o tráfico de drogas e estreitar laços com a comunidade", policiais tinham entrado na favela, na chamada Operação Saturação, enquanto 201 carros da polícia, a cavalaria e um helicóptero a cercavam. No total, 667 homens e mulheres participavam da ação, cujo balanço oficial não foi divulgado.
Diante do lamento de jornalistas de outros órgãos de imprensa, que, recém-chegados, não tinham conseguido registrar as cenas, a assessoria de imprensa do governo José Serra (PSDB) interveio. Com isso, uma nova incursão foi organizada pela PM "para que todos possam fazer boas fotos da operação", como disse a assessora Teresa Cristina Miranda.
Policiais e repórteres seguiram, então, para dentro da favela. Todos vestindo coletes a prova de bala da PM. Esta incursão durou cerca de 35 minutos e, segundo a própria polícia, ninguém foi preso e nenhuma arma ou droga foi apreendida.
Três repórteres fotográficos, entre os quais um do "O Estado de S.Paulo" e um do "Diário de S.Paulo", e três cinegrafistas, sendo um do SBT e outro da TV Bandeirantes, acompanharam seis policiais, que revistaram moradores em vielas.
Enquanto ocorria a incursão, um helicóptero da PM fazia manobras, chamadas de "desembarque tático", onde nove policiais se revezaram em breves vôos rasantes sobre a favela, descendo a 80 metros dali. Antes de o helicóptero tocar o solo, os policiais saltavam e apontavam suas armas para o horizonte, na direção da favela, em movimentos de combate. Segundos depois, eles recolhiam as armas e caminhavam para uma van que os levava de volta ao ponto de decolagem do helicóptero, a 500 metros da favela, em uma quadra esportiva, para repetir o mesmo sobrevôo e os mesmos movimentos.
A reportagem contou 20 sobrevôos e desembarques naquela área. O último vôo da manhã aconteceu às 12h18, oito minutos após o término do "replay" da incursão feita pela PM. Questionado pela reportagem, o comandante da operação, coronel Joviano Lima, explicou que a manobra "desembarque tático" tem o objetivo de "exibir a força presente" e "mostrar que temos dezenas de homens desembarcando ali o tempo todo, uns vestindo verde, outros vestindo preto..." Ainda segundo Joviano, "esta cena toda faz parte da ação".
A reportagem da Folha não participou da incursão, ficou do lado de fora da favela. A Secretaria da Segurança Pública nega que a nova blitz tenha sido organizada apenas para divulgação na mídia. Teresa disse que, de fato, trabalhou para que os jornalistas tivessem imagens melhores, mas apenas pediu que a PM autorizasse o acompanhamento das equipes em ação já prevista.
A Folha questionou outros policiais presentes na operação sobre o motivo da segunda incursão. Eles confirmaram que serviria exclusivamente para mostrar aos jornalistas. Na operação, funcionários da Subprefeitura de Santo Amaro derrubaram barracos de moradores, mesmo sem autorização judicial. A assessoria da subprefeitura afirmou que a retirada das moradias foi um erro e que será estudada uma solução para as famílias.
"Com a imprensa por perto, a polícia nos tratava bem. Longe, todo mundo era tratado como traficante", afirmou Flaviane dos Santos Ferreira, 24, que perdeu o barraco na operação de ontem da PM.

Colaborou ROGÉRIO PAGNAN , da Reportagem Local


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