São Paulo, terça-feira, 13 de setembro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

JAIRO MARQUES

Com qualquer um


De certa maneira, as pessoas com deficiência são do time que alguns olham e pensam: "Coitada!"


As últimas semanas foram de imagens de deixar o coraçãozinho apertado: o menino "bão", sarado e bem-passado Reynaldo Gianecchini saindo do hospital e dando entrevista com uma voz fraquiiinha, o gênio das tecnologias Steve Jobs, com uma magreza somaliana, sendo amparado, o técnico do Vasco e ídolo de uma geração, Ricardo Gomes, sofrendo um AVC ao vivo, em cores, e em campo.
Juntei essas cenas todas com uma passagem do intrigante "A Árvore da Vida", ainda em cartaz, do recluso diretor Terrence Malick. Nela, um garoto dividido entre ser "do bem e ser do mal" se pergunta, ao ver um homem maltrapilho tentando se equilibrar em um par de muletas, "por que não nos lembramos todos os dias de que isso pode acontecer com qualquer um?".
Pronto, estava instalada em mim a necessidade de dividir essa aflição. Por mais que tenhamos alguma noção sobre a extrema vulnerabilidade de estar vivo, isso nem sempre adianta para tentarmos viver melhor, para sermos pessoas melhores com as "vítimas" das desgraceiras, para sermos mais atentos na construção de uma humanidade menos perversa com os "sorteados" pelas adversidades no exercício permanente de respirar.
De certa maneira, as pessoas com deficiência são do time que alguns olham e pensam: "Êh, vida porca. Coitada dessa criatura nesse estado!". Logo, reforçamos a equipe desses que tentam vencer o improvável, o difícil, o temível viver fora da "normalidade".
Obviamente, o lance não é pirar na batatinha de que amanhã você poderá estar no bico do corvo ou se encher de piedade daqueles que ficaram com a tarefa de descascar o abacaxi dos restos a pagar da criação divina. O lance é fortalecer as condições de enfrentamento de períodos de entressafra da existência humana.
Apenas exercitar o imaginário e fazer de conta que "está no lugar do outro" é muito pouco e tem mais o efeito de alívio por não ser contigo do que ajuda de fato. Para uns, inclusive, o impacto alivia logo quando a página do jornal com fotografia "forte" demais é virada.
Quem tem uma dor quer um aconchego, um mimo, um remédio ou um tratamento eficaz. Quem tem um defeito físico ou sensorial quer acesso, condições de ser cidadão, quer ser compreendido. Quem é pego de calças curtas por uma fatalidade quer uma nova chance, um caminho, uma inspiração. E, para todos os casos, que o impossível seja banido da cabeça, dos olhares, dos pensamentos. Esse sim maltrata a esperança, a coragem, o fôlego de seguir em frente.
Mesmo levando em conta todas as precauções da medicina, mesmo que se empanturre o bucho do dito saudável ômega 3, talvez seja interessante planejar o curso da vida para além de uma gorda aposentadoria privada.
Pois não há, por esses dias, controle capaz de mapear com exatidão os famigerados genes que tragam a saúde no estalar dos dedos nem é possível ter nas mãos o domínio da velocidade dos carros, da empáfia das ações da natureza.
Em tempo: um famoso hospital de São Paulo acaba de lançar espaço na internet exclusivo para informar, dar dicas e debater possíveis episódios do dia a dia, que podem acometer qualquer um, motivados por "caprichos" do cérebro. O endereço é http://neurologiaeinstein.com.br.

jairo.marques@grupofolha.com.br

assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br


Texto Anterior: Apenas cinco clientes vão à polícia após assalto a Itaú
Próximo Texto: A cidade é sua
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.